De uma coisa poucos podem fugir – muito se tem dito a respeito de leitura: de como dar encaminhamentos às teorias de sustentação daquilo que se pressupõe seja o processo de ler, o ato da leitura. Em várias universidades do país surgem estudiosos, e por vezes grupos de pesquisadores-orientadores na área de leitura. Ao que parece, vivemos o momento mais fecundo para se pensar a leitura, através de uma preocupação aparentemente um pouco ligada à nossa maneira (um tanto pós-moderna), de não entender mais coisa alguma, de repensar tudo, ou pior, de achar que entendemos ou lemos tudo e que isso é possível a nós, profissionais de educação. Fortalece-se a impressão de que nunca, em tempos anteriores, a leitura foi tão falada ou estudada. Temos inclusive a idéia de que ninguém havia pensado certas questões antes. O que pouca gente discute é que esta espécie de modismo recai sobre um já velho, e não menos presente paradigma: para que serve ler? Afinal, direcionado ou não, quando lemos estamos efetivamente estudando: estudando ciências, estudando agrimensura, estudando horóscopo, estudando nós mesmos e ainda estudando nossa já crônica pequinesa diante do mundo que ora se apresenta como impossível, intocável, infindável. Alguém por aí já deve ter dito que somos finitos demais perante o infinito do mundo e das coisas.

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Uma vez que para os educadores não há colocação absoluta, relutamos, questionamos e por vezes propomos, ainda que sejam idéias esparsas, pouco sustentáveis. Conta-se que uma vez, ao ser indagado sobre o porquê de estudar, Sócrates disse: dê a ele uma moeda de prata, se é que ele precisa de algo maior que o conhecimento. Parece-me pertinente o pensamento de Sócrates, pois ao tentar compreender algumas coisas e dar cabo em nossas indagações, acabamos por solucionar os problemas de muitos outros, e para isso efetivamente não basta e não se presta a moeda. Esses nossos comportamentos, mesmo que às vezes sejam tachados de ridículos ou infantis demais, nos fornecem outras coisas que transcendem o vil metal: somos profissionais da indagação, estamos sempre inconformados, quase sempre inquietos em virtude de situações com as quais não conseguimos lidar, das quais ainda não margeamos suficientemente os limites territoriais. É quase uma obrigatoriedade daqueles que se permitem buscar o saber. O que vem ao caso neste momento é como estamos pensando ou propondo, ainda que sejam idéias não quantificáveis ou valoráveis através de moedas.

Já ouvi alguém falar – cada vez que a humanidade está em crise, todos buscam pensar a ética. Ando me perguntando se o mesmo movimento cíclico não ocorre na escola: cada vez que a instituição escola se vê em perigo, o dedo do inquisidor inevitavelmente aponta para a leitura. O discurso é sempre o mesmo: os alunos não sabem ler. Os alunos não gostam de ler. Os professores de Matemática, os de História, os de Geografia e outros tantos, lançam seus olhares fulminantes sobre o professor de Português como se quisessem dizer: Amigo, a culpa é sua. Obviamente, em alguns casos, chega-se a verbalização da frase, ilegítima por sinal. Talvez isso ainda aconteça baseado naquele velho princípio do bode expiatório -se alguém deve ser o culpado, que seja o professor de português. Afinal, o expurgo, a limpeza de nossa culpa, e conseqüentemente, de nossa alma, é condição para estarmos bem, ainda que isso seja às custas da desgraça alheia. Assumir: por minha culpa, minha tão grande culpa, seria utopia demais para a escola de hoje. Assim sendo, seguimos todos na esperança de que algo divino aconteça e que possamos vivenciar dias felizes em relação ao trabalho da escola no que se refere à escrita e ao resultado dela. A torre está balançando. Será que ela pode cair?

Texto integrante do livro: A produção de textos nas séries iniciais, Geraldo Peçanha de Almeida, Editora WAK, Rio de Janeiro, 2005.

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