Muito já se discutiu, e certamente ainda muito se irá debater, sobre o cabimento ou não da indenização por dano moral em caso de inadimplemento de contrato. Sem a pretensão de encerrar a celeuma sobre a matéria, este texto tem o intuito de expor, com base no ordenamento jurídico positivo pátrio, razões que levam a crer não ser juridicamente possível pleito de tal natureza.
Avant première, há que se relembrar que, embora vetusto, nosso Código Civil continua a ser o baluarte para soluções das lides de ordem privada (art. 1.º). Enquanto não forem revogadas suas disposições, estas permanecerão em vigor por tempo indeterminado, conforme assegura o art. 2.º, caput, da LICC.
A partir desse raciocínio, e embora elevada a nível constitucional a discussão sobre o dano moral (art. 5.º, V e X), seu cabimento, caso a caso, deve ser definido com vistas à lei substantiva civil, especialmente se tratando de pedidos indenizatórios cuja causa se identifique com o inadimplemento contratual.
Com efeito, inúmeras decisões têm amparado pretensões desta natureza. Outras, por sua vez, têm negado o direito à reclamada indenização. Somente à título de ilustração, trago à tona duas decisões conflitantes de um mesmo tribunal pátrio, o E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
Pelo cabimento: “Obra Inacabada – Dano Moral – Indenização – Dano moral. Presume-se a ocorrência de sofrimento psíquico em pessoa que, em virtude de inadimplemento de contrato de reforma no interior de sua casa, passa a ter transtornos e contrariedades na habitação. Cabimento de indenização a título de dano moral.” (TJRJ – AC 2069/95 – (Reg. 070895) – Cód. 95.001.02069 – 5.ª C.Cív. – Rel. Des. Narcizo Pinto – J. 30.05.1995)
Pelo descabimento: “Agenciamento – Publicidade – Inadimplemento da Obrigação – Reembolso – Dano Moral – Descabimento (…) O mero fato do descumprimento do contrato não enseja indenização por dano moral” (TJRJ – AC 1.015/98 – Reg. 240498 – Cód. 98.001.01015 – 5.ª C.Cív. – Rel. Des. Carlos Ferrari – J. 24.3.1998).
A nosso sentir, no entanto, o “velho” Código Civil apresenta resposta bastante objetiva para o problema, quando em seu art. 1.060 dispõe que: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato.” (Art. 1.060)
Ora, se mesmo em caso de inexecução por dolo, que configuraria a vontade deliberada de causar o prejuízo, inadmite-se outro tipo de indenização senão às perdas e danos (danos emergentes e lucros cessantes), não cabe ao jurisdicionado dar maior amplitude ao preceito legal, mormente em caso de inexecução por culpa. Desta forma, qualquer pedido de indenização a título de dano moral com base em inadimplemento de contrato vulneraria diametralmente tal preceito da lei federal, mostrando cristalinamente a impossibilidade jurídica do pedido e conseqüente carência da ação, a autorizar a extinção do processo sem julgamento do meritum causae (CPC, 267, VI).
Eventual decisão contrária a esse entendimento, salvo melhor juízo, estaria a desafiar Recurso Especial, amparado no art. 105, III, alínea “a”, da Constituição Federal.
A única hipótese de cabimento de dano moral em situações decorrentes de inadimplemento de contrato, a meu ver, seria quando em decorrência deste fato alguma das partes provocasse à outra lesão subjetiva direito seu, diverso do obrigacional. Imagine a situação hipotética em que, num contrato de compra e venda de imóvel, o vendedor indevidamente desista do negócio e cause, em virtude disso, sofrimento psíquico ao pretenso adquirente. A causa de pedir, nesse caso, estaria ligada à teoria geral da responsabilidade civil por atos ilícitos (ou extracontratuais), resolvendo a questão pelo art. 159 do CCB.
Leandro Vieira é bacharel em Direito pela FURB (Universidade Regional de Blumenau); advogado militante em Blumenau-SC.