José Guilherme Xavier Milanezi

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Como é de sabença, a Suméria é considerada o berço da atividade advocatícia. Antes mesmo de Cristo, já se tratava da defesa de pessoas, direitos, bens e interesses.

Em relação à advocacia no Brasil, como bem registraram Paulo Roberto Andrade e Ricardo Zamariola Júnior(1), passou a ser reconhecida em 11 de agosto de 1827, quando foram criados os cursos jurídicos em Olinda e São Paulo. No ano de 1843 foi criado o Instituto dos Advogados do Brasil. Por fim, em 18 de novembro de 1930, foi criada a Ordem dos Advogados do Brasil, pelo art. 17 do Decreto n.º 19.408. Em 1988, com a promulgação da Carta Magna brasileira, a advocacia foi considerada função essencial da justiça (art. 133, CF), encontrando regulamentação no Título IV (Da Organização dos Poderes), Capítulo IV de nossa Lei Maior.

Desta forma, e observando a relevância que foi dispensada ao advogado pelo constituinte de 1988, sua conduta no exercício de sua profissão deve seguir os princípios de eqüidade, justiça e boa-fé, como forma de satisfazer (ou, ao menos, utilizar-se dos meios possíveis para tal) os interesses daqueles que o procurarem.

Ainda, e respeitando o disposto na Constituição Federal, o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) estabelece como atividades exclusivas dos advogados os serviços de consultoria, assessoria, direção jurídica e a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário.

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Logo, e segundo o art. 31, caput, da Lei 8.906/94, ?o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia?; de forma que deve obedecer às disposições do Código de Ética e Disciplina da classe (art. 33, Lei 8.906/94).

Vale ressaltar, ainda, que, antes da edição do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil pela Lei 8.906/94, vigente na atualidade, existiu a Lei 4.215, de 27 de abril de 1963, que estabelecia as regras para a prestação de serviços por parte do advogado, considerando infração disciplinar, em seu art. 103, inciso XV, ?prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio?.

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Quanto à natureza jurídica, a prestação de serviços advocatícios possui natureza contratual, uma vez que advém do contrato de mandato firmado entre as partes, em que o mandatário (advogado) se obriga a utilizar todos os meios que possui para alcançar os interesses do mandante (cliente), tanto na tutela judicial quanto extrajudicial.

Os artigos 653 a 692 do código civil vigente prevêem a figura do Mandato como integrante do Título V da lei civil, a qual trata dos contratos em geral. Rui Stoco (2004, página 479)(2) utiliza-se de citação de Caio Mário da Silva Pereira, para melhor definir o tema:

?Recebendo a procuração, o advogado tem o dever contratual de acompanhar o processo em todas as suas fases, observando os prazos e cumprindo as imposições do patrocínio, quais sejam: comparecer às audiências, apresentar as provas cabíveis, agir na defesa do cliente, e no cumprimento das legítimas instruções recebidas?.

Ressalte-se que, via de regra, a obrigação do advogado é uma obrigação de meio, pela qual ele se dispõe a atender aos interesses do mandante, utilizando os meios possíveis, mas não se obriga pelo resultado da demanda. Logo, não se pode imputar ao patrono nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa, se restar provado que ele agiu corretamente no patrocínio dela.

Há, contudo, situações em que o procurador se obriga pelo resultado, como ocorre quando lhe encomendam um parecer, ou quando se obriga pela confecção de um contrato, estatuto ou ato constitutivo. Aqui, quando não atinge o resultado pactuado com o mandante, por erro indesculpável, caracteriza o inadimplemento contratual e nasce a obrigação de reparar se decorrer, desta conduta, prejuízo efetivo para o cliente.

Pois bem. O advogado, na condição de mandatário à prática de atos em juízo, assume obrigação de meio, para cujo mister deve dedicar atenção, diligência e habilidade, a fim de bem desempenhar o munus lhe outorgado em confiança.

Isso não significa que a contratação deva resultar em certeza de êxito na demanda, pois fatores alheios ao bom desempenho do patrono podem, eventualmente, vir a desencadear um resultado negativo.

Para o cumprimento da prestação, deve o advogado empregar, em favor do cliente, os recursos permitidos pelo sistema jurídico, de acordo com as condições pessoais e as circunstâncias da causa. Entre esses deveres, decorrentes do contrato de mandato, situam-se o de informar o cliente sobre a sua posição jurídica, possibilidade de êxito, andamento e tramitação do feito, propostas de acordo, resultados decisórios substanciais, oportunidades para recursos e suas expectativas, despesas processuais, etc.

É certo que a obrigação do advogado seja de meio, não de resultado, mas para adimpli-la, cumpre-lhe envidar os esforços necessários para atingir o resultado almejado pelo constituinte, assim no plano da realização das diligências, de apresentação de defesa tempestiva, de recursos contra decisões que reputa prejudiciais ao seu cliente, como pelo bom conhecimento da ciência jurídica.

Conforme salientado linhas atrás, cumpre ao Causídico representar o cliente em Juízo, defendendo da melhor forma possível os interesses lhe confiados. Se as obrigações de meio são executadas proficientemente, não se lhe pode imputar responsabilidade pelo insucesso da causa. Porém, se as obrigações de meio não são assim executadas, a responsabilidade torna-se imperativa.

Além disso, a responsabilidade do advogado somente se aperfeiçoa quando, por dolo e intenção manifesta de prejudicar ou locupletar-se, cause prejuízos ao mandante, ou obre com culpa manifesta, atuando de modo insatisfatório, atabalhoado, displicente e imperito que a relação causal entre esse agir e o resultado fique manifesta.

A teoria da perda de uma chance, ou perda da chance, é um legado dos tribunais franceses ao julgarem os médicos daquele país, após um longo período em que a responsabilidade civil dos esculápios praticamente não existia. O primeiro caso foi referente a um médico acusado e condenado ao pagamento de uma pensão devido a falta grave contra as regras da arte, pois seu procedimento de amputar os braços de uma criança para facilitar o parto era desnecessário.

A partir de então, com reiteradas decisões dos tribunais franceses, foi sendo formulada a teoria da perda de uma chance, cujo princípio básico enuncia que: ?O médico para ser responsabilizado não tem que perder todas as chances de curar o paciente, basta tão somente uma?.

Miguel Kfouri Neto, em sua obra, Responsabilidade Civil do Médico(3), ao comentar sobre o assunto, diz que:

?O primeiro julgado, na França, que inaugura a jurisprudência sobre a perda de uma chance, é da 1.ª Câmara da Corte de Cassação, reapreciando caso julgado pela Corte de Apelação de Paris, de 17/7/1964. O fato ocorreu em 1957. Houve um erro de diagnóstico, que redundou em tratamento inadequado. Entendeu-se em 1.ª instância que, entre o erro do médico e as graves conseqüências (invalidez) do menor não se podia estabelecer de modo preciso um nexo de causalidade. A Corte de Cassação assentou que: ?Presunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem conduzir à responsabilidade?. Tal entendimento foi acatado a partir da avaliação de o médico haver perdido uma ?chance? de agir de modo diverso – e condenou-o a uma indenização de 65.000 francos?.

A teoria ?La perte d?une chance? (a perda de uma chance), que foi adotada a partir de 1965 pela jurisprudência francesa, há pouco tempo passou a ser analogamente aplicada por alguns tribunais brasileiros para os casos de responsabilidade médica e, atualmente, adaptada aos profissionais que são responsabilizados semelhantemente aos médicos, cuja obrigação é de meio e não de resultado.

Assim, a teoria da perda de uma chance é uma tentativa recente de formular parâmetros à responsabilidade civil dos profissionais colimados à obrigação de meio.

Alguns parâmetros merecem ser ressaltados em relação à culpa, que dá azo à responsabilidade e indenização do cliente pelo advogado.

Se for observado o que dispõe o art. 32 do Estatuto da OAB, conclui-se que o advogado pode ser responsabilizado por dolo e, também, por culpa em sentido estrito; em complemento, pode-se observar também o parágrafo 4.º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que se refere à verificação da culpa para a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais; e a culpa (lato senso), do art. 159 do Código Civil de 1916, que informa toda a teoria da responsabilidade, e que no novo Código Civil (Lei n.º 10.406/02) encontra-se no art. 186: ?Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito?, ficando obrigado a repará-lo como manda o art. 927, caput, do mesmo Código.

Porém, a culpa deve ser grave, como leciona Andrade, citado por Gladston Mamede(4), ?já que não há uma culpa do advogado distinta da do homem comum, embora deva estar presente um grau de razoabilidade, na medida em que, em geral, se exige do profissional um conhecimento médio, circunstância que cria uma exigência rigorosa quando se trate de profissional com notória especialização que não age com eficiência que dele se esperava e que lhe é habitual?.

E prossegue Gladston Mamede(5), citando agora Sodré:

?… a negligência não se enquadra no conceito de culpa grave. Nesta só se integram o erro inescusável ou o dolo. A culpa grave, no seu sentido lato, abrange a noção de dolo. Já o erro inescusável está englobado na culpa, considerada esta como seu aspecto restrito. Adiante, completa: ?a simples negligência não deve ser motivo suficiente para dela decorrer a responsabilidade civil, já que ela é de difícil comprovação. Digamos que se procure culpar de negligente o advogado que deixou de usar de recurso permissível. O fato pode ser evidente, mas a causa que o determinou será escusável se, por exemplo, entender o advogado que dito recurso seria inútil, por contrariar a jurisprudência, tornando sem resultado prático, mais onerosa a situação do cliente?.

Maria Helena Diniz(6) diz que ?o advogado é responsável pelos erros de direito, desde que graves […]; pelos erros de fato que cometeu no desempenho da função advocatícia; pelas omissões de providências necessárias para ressalvar os direitos do seu constituinte […]; pela desobediência às instruções do cliente […]; pelos conselhos dados e omissões de conselhos ao cliente que lhes traz prejuízo […];?, entre outros. Em síntese, a autora refere-se aos incisos do art. 34 do Estatuto da OAB, comentando sobre eles rapidamente. São importantes preceitos que geram a responsabilidade do advogado.

Vejam-se as seguintes jurisprudências:

?Indenização – Responsabilidade civil – Propositura contra advogado, que mal defendera os interesses dos autores em Juízo – Improcedência – Hipótese em que o mesmo se sujeita, eventualmente, à sanção disciplinar mas não civil, mormente quando devolveu o que recebera a título de honorários – Pedido improcedente? (TJSP – 1.ª C. – Ap. 113.443-1 – Rel. Luiz de Azevedo – j. 15/2/90).

?Advocacia – Ação movida pelos clientes visando à restituição de honorários, em face do prejuízo que o patrono lhes causou – Atividade limitada ao oferecimento de exceção de incompetência de Juízo e litispendência – Desídia do advogado que não oferece a certeza moral para se concluir: ?se outro fosse o comportamento, não haveriam os autores perdido a demanda? – Remuneração circunscrita apenas aos serviços prestados – Restituição devida, acrescentando-se a correção monetária – Recurso provido, em parte, para esse fim? (grifos meus – TJSP – 2.ª C. – Ap. – Rel. João Del Nero – j. 1/7/80 – RJTJSP 68/45).

?Responsabilidade civil – Advogado – Negligência na atuação profissional – Caracterização -Ação trabalhista proposta só após o decurso do prazo de prescrição -Impossibilidade, entretanto, de avaliar o direito do reclamante -Indenização pela perda da chance de ver o pleito examinado pelo Judiciário – Modalidade de dano moral – Recurso provido para julgar procedente a ação? (1.º TACSP – 8.ª C. – Ap. 680.655 – j. 23/10/1996 – Repert. IOB. Jurisp. 3/12892).

Dessa forma, e diante do caso concreto, mesmo não se podendo falar em prejuízo material, muitas vezes o comportamento desidioso do advogado leva ao reconhecimento do dano moral experimentado pelo cliente consubstanciado na expectativa em ver-se representada de forma adequada e segura.

Portanto, diante de certas situações, urge a invocação da teoria da perda de uma chance, ou perda da chance, a fim de que o profissional, pela sua incúria nos meios empregados na defesa e patrocínio de seu cliente, seja responsabilizado pelos danos decorrentes da prática ineficiente de seus préstimos laborais.

O advogado, na condição de mandatário à prática de atos em juízo, assume obrigação de meio, para cujo mister deve dedicar atenção, diligência e habilidade, a fim de bem desempenhar o munus lhe outorgado em confiança.

Isso não significa que a contratação deva resultar em certeza de êxito na demanda, pois fatores alheios ao bom desempenho do patrono podem, eventualmente, vir a desencadear um resultado negativo.

Contudo, quando, por desídia sua, o advogado deixar de atender a uma vontade de seu cliente, desde que esta seja juridicamente possível de realizar, não ajuizando uma ação ou deixando de interpor recurso para reformar sentença prejudicial a seu cliente, deverá ser obrigado a indenizar a perda de uma chance, se restar provado que o resultado poderia ter sido diverso, se o procurador tivesse agido com retidão no exercício de seu ofício.

E para finalizar, calha trazer à lume a preciosa lição de autoria do renomado Professor René Ariel Dotti, contida no artigo intitulado ?Ama a tua profissão?, que se insere, com precisão,(7) no contexto então apresentado:

?Trata de considerar la abogacía de tal manera que el día en que tu hijo te pida consejo sobre su destino, consideres un honor para ti proponerle que se haga abogado?. (Eduardo J. Couture, Los mandamientos del Abogado, Depalma, Buenos Aires, 1966, p. 55).

Este é o décimo e último mandamento do repertório elaborado pelo imortal mestre do processo civil e notável Advogado uruguaio. Os comentários respectivos são introduzidos pelo pensamento acima transcrito e por uma parábola. Ela conta que certo dia um filho ficou impressionado vendo a sua mãe dedicada à tarefa de manufaturar uma cadeira. Eram tais os cuidados e a concentração dedicados à peça de artesanato que ele manifestou a sua admiração. E a mãe lhe disse: ?O amor pelas coisas bem feitas deve nos acompanhar por toda a vida. As partes invisíveis das coisas devem ser produzidas com o mesmo zelo que as partes visíveis; as catedrais de França são as catedrais de França porque o amor com que foi produzido o ornamento externo é o mesmo amor com que se produziram as partes ocultas?.

E assim ocorre em todas as atividades humanas, observa Couture. O amor ao ofício eleva-o à hierarquia da arte. O amor, por si mesmo, transforma o trabalho em criação; a tenacidade em heroísmo; a idéia em dogma; a vida em poesia.

Quando um advogado chega ao ponto de aconselhar seu filho – no momento em que deve escolher o seu destino – que siga sua própria profissão é porque encontrou nela algo muito mais relevante que um simples ofício. Como diz muito bem o pranteado mestre Couture, ?ofício ansiamos para nosotros mismos; pero para nuestro hijo deseamos, de ser possible, la gloria?.

O exercício da advocacia e de outras profissões ligadas ao Direito e à Justiça, não conduzem, necessariamente, a um caminho da glória. Mas pode – como em qualquer outra atividade humana – proporcionar momentos de grande satisfação funcional e até mesmo de enlevo espiritual.

Há momentos de grandeza em nosso ofício que justificam o orgulho e o prazer de exercê-lo com dignidade e abnegação. A reparação de injustiças e o reconhecimento de direitos, além de atenderem exigências sociais, enobrecem o trabalho humano.

Estava certo Voltaire (1694 -1778), o imortal filósofo e publicista do Iluminismo, ao dizer: ?O trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade?.

Notas:

(1)     A teoria da perda de uma chance. Disponível em: http://www.jornalcardiol.br/2003/mai-jun/paginas/diretoria/juridico/default.asp.

(2)     STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, 6.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pág. 479.

(3)     NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico, 4.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pág. 46.

(4)     MAMEDE, Gladston. A advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Porto Alegre: Síntese, 1999, pág. 253.

(5)     Ibidem.

(6)     DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 7.º vol. Responsabilidade Civil, 18.ed., São Paulo: Saraiva, 2004, págs. 245/247.

(7)     Artigo publicado no Jornal O Estado do Paraná, Caderno Direito e Justiça, em 19/5/2002.

José Guilherme Xavier Milanezi é assessor judiciário no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, pós-graduando do curso de Especialização em Direito Civil e Empresarial, da PUCPR e professor no Curso de Direito da Facear – Faculdade Educacional de Araucária.