Da prova ilícita nos crimes fiscais

Recentemente escrevemos nesta coluna matéria relacionada com a colheita de provas nos delitos fiscais, onde defendemos posição no sentido de que os empresários e gerentes que possuem na contabilidade das empresas documentos capaz de comprovarem a prática desta modalidade de ilícitos penais, não podem ser obrigados a entregarem à fiscalização ditos documentos, face o princípio de que ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si mesmo.

É com satisfação que tivemos notícia de decisão do Egrégio Supremo Tribunal Federal, com julgado datado de 12.04.2005, (HC n.º 82.788), onde a Segunda Turma daquele Areópago declarou a nulidade de processo, desde a denúncia, face as provas dos delitos fiscais terem sido colhida no escritório de contabilidade de empresa, pelo Ministério Público, sem ordem judicial e sem autorização expressa dos acusados infratores.

Segundo o Relator, ministro Celso de Mello, naquele caso tratava-se de prova obtida com transgressão à garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar (artigo 5.º, XI), que são exceções à esta regra, os casos de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro. O Ministro salientou que somente determinação judicial poderá autorizar, e apenas durante o dia, a entrada de alguém, autoridade ou não, no domicílio de outra pessoa, sem o consentimento do morador.

No caso em comento, o Ministério Público Federal entendia que a diligência fiscal, apenas com apoio policial, realizada sem mandado judicial nos escritórios contábeis da empresa,e sem a concordância dos acusados, não teria transgredido o disposto no artigo 5.º, XI, da Constituição Federal.

O Ministro explicou ainda em seu voto que a proteção constitucional reservada ao domicílio abrange também o local onde a pessoa exerce sua atividade profissional. "O conceito de casa para os fins da proteção a que se refere a Constituição reveste-se de caráter amplo, pois compreende, na abrangência de sua designação tutelar, qualquer compartimento habitado, qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e qualquer compartimento privado onde alguém exerce profissão ou atividade", afirmou.

Sendo assim, deixou expresso em sua decisão que a polícia judiciária, o Ministério Público, administração tributária, e nem quaisquer outros agentes públicos podem em domicílio alheio sem ordem judicial, ou sem o consentimento de seu titular, "com o objetivo de proceder a qualquer tipo de diligência probatória ou apreender objetos que possam interessar ao poder público".

No caso, o julgado deixou assentado que, apesar da administração tributária ter o poder de ingressar em domicílio alheio e promover apreensões de documentos fiscais, não tem o direito de ingressar em escritórios de contabilidade nessas condições, sem mandado judicial.

É de se observar que a decisão foi unânime, o que implica em ter esta matéria praticamente resolvida naquele tribunal, e com pouca probabilidade de haver mudança deste entendimento.

Como efeito prático este posicionamento tem enormes conseqüências, em razão de se tratar de matéria de ordem pública, por estar relacionada com prova ilícita considerada ilícita, em razão do procedimento utilizado para sua colheita, atingindo todos os feitos, estejam eles ainda em fase de investigação, instrução, em grau de recurso, ou já transitados em julgado.

Também poderá ser utilizada esta decisão para inibir ou impedir que a autoridades fazendárias, Policia ou Ministério Público (o que é comum quando encetam procedimentos junto às empresas), obrigarem os gerentes e empresários a entregarem documentos que possam servir de prova criminal contra eles.

No caso destas autoridades exigirem que lhes sejam disponibilizados estes documentos, contra a vontade, é importante que tal fato fique registrado, e em especial a discordância com o procedimento adotado, seja quanto ao acesso nas dependências da empresa e contabilidade, seja quanto a forma de colheita da prova.

Caberá aos advogados saberem utilizar este entendimento para defenderem acusados desta modalidade de delitos, quando as provas forem colhidas da forma exposta, seja quando eles foram coagidos a deixarem tais autoridades adentrarem no recinto onde elas estavam depositadas, com posterior apreensão, seja quando elas forem entregues involuntariamente para tais agentes públicos, sem determinação judicial.

Jorge Vicente Silva é advogado, professor de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas, pós-graduado em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, "Tóxicos -Análise da nova lei", "Manual da Sentença Penal Condenatória", e no prelo "Crime Fiscal – Manual Prático".

E-mail: ?jorgevicentesilva@jorge

vicentesilva.com.br; advocacia@jorgevicentesilva.com.br?,Site ?jorgevicentesilva.com.br?

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