Da nobre causa de diminuição de pena – II
Dos Antecedentes
Diversamente da reincidência, as condutas excluídas das hipóteses legais podem configurar maus antecedentes.
Assim, são maus antecedentes as condenações que gerem reincidência, bem como podem, em tese, assim ser consideradas as condenações em que tenha havido o cumprimento ou extinção da pena, em prazo anterior maior que cinco anos da data da prática do delito pelo qual o agente esteja sendo processado (CP, art. 64, I).
Também as condenações por crimes militares e políticos podem, em tese, ser considerados antecedentes criminais (CP, art. 64, II).
O mesmo se diga em relação às condenações anteriores por crimes culposos ou em que tenha sido aplicada unicamente sanção pecuniária.
Dos feitos em andamento, ainda que tenha sido proferido decisão condenatória, mas que não reste configurado o trânsito em julgado, para alguns, podem ser considerados antecedentes criminais, enquanto outros não, sendo esta conclusão fincada basicamente no princípio da presunção de inocência posto na nossa Carta Magna (art. 5.º, inc. LVII).
Temos ainda as hipóteses em que o agente tenha aceitado transação penal em conduta infracional considerada de pequeno potencial ofensivo, ou ainda, que tenha recebido o benefício da suspensão do processo, com posterior extinção da punibilidade, nos moldes do art. 89 da Lei 9.099/95.
A nosso ver, para fins de aferir o conceito de ?bons antecedentes? posto na norma ora em comento, somente servem para abalá-los as condenações anteriores, com trânsito em julgado, no período e nas condições em que a lei estabelece para fins de configurar a reincidência, estando também excluídas as condenações anteriores por delitos culposos ou a pena de multa, assim como todas as modalidades de transações penais previstas nas Leis 9.099/95 e 10.259/01.
Também somente as condutas infracionais que gerem reincidência específica se prestam para impedir a aplicação desta causa de diminuição de pena, para fins de maus antecedentes, ficando ainda ao livre arbítrio motivado do julgador, aceitar alguns destes apontamentos criminais para fins de considerar maus antecedentes.
Esta solução amplia o alcance desta benesse legal, ficando a cargo do julgador, em cada caso concreto e motivadamente, rejeitar ou conferir a qualidade de maus antecedentes, a uma gama maior de anotações criminais, possibilitando, com isso, que o juiz aplique efetivamente a quantidade de pena que, no seu íntimo, entenda suficiente e necessária para prevenção e reprovação de conduta do infracional.
Da Dedicação às Atividades Criminosas
Para podermos compreender qual foi a intenção do legislador em relação a esta previsão que exclui a concessão do benefício ora em estudo, inicialmente vamos conceituar o que é dedicação e atividade criminosa.
Dedicação é abnegação, consagração, devotamento, devotar-se, ocupar-se, empregar-se, entregar-se etc.
Atividade criminosa é sinônimo de modo de vida através de crime, ocupação em conduta infracional penal, trabalho com condutas ligadas diretamente ao crime etc.
Assim, é dedicação à atividade criminosa, v.g., a ocupação do agente com condutas que configuram infração penal.
A dedicação contemplada na norma tem a característica de permanência, estabilidade, continuidade, reiteração etc., o que exclui desta condição apenas uma ou algumas condutas do agente, perpetradas de forma isolada.
Portanto, para que se configure a hipótese ora em estudo, há necessidade de que o agente pratique condutas infracionais penais reiteradamente, de forma estável, permanente e contínua.
A lei também não faz restrição no sentido de que dita atividade criminosa deva estar vinculada diretamente a crimes contemplados na nova lei de tóxico. Pensamos que, neste caso, independe do ?ramo? de atividade criminosa a que o agente se dedique, podendo estar ele fora dos ilícitos previstos nesta norma, ou até mesmo serem elas de espécies diferentes, para restar excluída a hipótese, haja vista que a lei não pode ser complacente com pessoas que se dedicam à prática de crime.
Da Participação em Organização Criminosa
Quanto a esta previsão, observamos algumas dificuldades para fixar o seu alcance.
A primeira está relacionada com o termo ?integrar?.
Se formos conceituar de forma completa e ampla o verbo ?integrar?, aplicando-se à hipótese ora em estudo, teríamos como participação em organização criminosa toda conduta, de qualquer agente que seja, para a consecução da atividade da dita organização. Assim, todo aquele que, de alguma forma, participa da atividade da organização, mesmo que seja lícita, v.g., cuidando do patrimônio da organização, estaria integrando-a.
Pensamos que não seja este o espírito da lei. Para que configure esta hipótese, há necessidade de que o agente integre a organização criminosa de forma estável e com animus de permanência, ficando excluídas as participações isoladas em ditas organizações, como, v.g., aquele cidadão que é contratado para servir de ?mula? em determinado ou em determinados transportes de drogas.
E mais. Há necessidade de que o agente exerça uma determinada função dentro da organização criminosa, com estabilidade e permanência, tal qual se exige para configurar a associação criminosa prevista no art. 35 da norma ora em estudo, ou o crime de quadrilha ou bando, previsto no art. 288 do Código Penal.
Portanto, para configurar esta hipótese, é imprescindível que o agente integre a organização criminosa de forma estável e permanente, e não tenha apenas atuação isolada e sem qualquer poder de decisão junto ao grupo. Ou seja, não basta que o agente ?trabalhe? para a organização criminosa de forma esporádica, sendo imprescindível que ele a integre como se ?sócio? fosse.
A segunda está relacionada com a conceituação de organização criminosa, haja vista que a lei não a conceituou, tal qual fizeram outros normativos. Em razão disso, há dificuldades em se configurar a participação na organização criminosa.
Das Circunstâncias Isoladas
Para configurar a hipótese ora em estudo, a de exclusão desta benesse legal, não há necessidade que estejam presentes as quatro condições contempladas na lei, bastando a presença de apenas uma delas para que o agente não possa receber tal benefício.
Da Fixação do Quantum Mitigatório
A norma ora em estudo prevê a aplicação de diminuição da pena, entre um sexto e dois terços, quando configuradas as hipóteses, que já vimos.
O legislador, tal qual fez em outros normativos que contemplam aplicação de causa de diminuição da pena, não indicou os fatores que devem ser mensurados na fixação do quantum de mitigação da reprimenda, cabendo a doutrina e jurisprudência cobrir esta lacuna.
Em algumas benesses conferidas pelo nosso direito penal, verificamos que o legislador valeu-se dos referenciais do art. 59 do Código Penal, se não todos, apenas alguns, para que seja aferida a configuração da hipótese de concessão do benefício (CP, arts. 44, § 2.º; 59; 71, parágrafo único; 77, inc. II), bem como em outros diplomas legais: Leis 9.099/95, art. 89; 8.137/90, art. 15, parágrafo único; 9.605/98, art. 7.º, inc. II; 9.807/99, art. 14 etc.), sem, entretanto, utilizá-los para o fim de mensurar a quantidade de diminuição da pena, o que nos deixa sem um parâmetro de analogia para conclusão dos estudos neste sentido.
Depois de muito analisarmos esta questão, encontramos apenas duas formas possíveis de serem consideradas para fins de fixar o patamar de mitigação da pena. A primeira seria a culpabilidade do agente e a segunda, as circunstâncias judiciais consideradas para aplicação da pena-base (CP, art. 59).
Para fins de culpabilidade, não é aquela que integra o tipo na qual, v.g., o crime de tráfico é considerado conduta altamente reprovável, mas sim a conduta do agente, seja ela ligada à circunstância pessoal ou do crime, objetiva e subjetiva, tal qual ocorre quando se afere este referencial na fixação da pena-base, conforme previsto no art. 59 do Código Penal, cuja matéria adiante abordaremos em capítulo próprio.
Já as circunstâncias judiciais seriam aquelas relacionadas no art. 42 da norma ora em comento para fins de fixação da pena-base, o qual contempla, além daquelas previstas no art. 59 do Código Penal, também a ?natureza e quantidade da substância ou produto?, cuja matéria também abordaremos em capítulo próprio, para onde remetemos o leitor, por amor à brevidade.
O citado artigo confere prevalência à ?natureza e quantidade da substância ou produto, assim como à ?personalidade e conduta social do agente?, cuja prevalência, para fins de mensurar o quantum de diminuição da pena, a nosso ver, deve limitar-se à natureza e quantidade da substância ou produto objeto material do crime, haja vista que, nesta modalidade de ilícito penal, tais fatores são relevantíssimos para fins de fixação da reprimenda, a fim de se conferir isonomia ao infratores, dando tratamento desiguais para os que são diferentes(1).
Num primeiro momento, pode-se ter a impressão de que esta modalidade de mensuração do benefício pode importar em bis in idem, haja vista que, na fixação da pena-base, estes fatores já foram considerados, o que é proibido em termos de direito penal.
Entretanto, não configura esta hipótese porque tais vetores valorados no momento da fixação da pena-base têm o condão de fixar a quantidade de aumento da pena além do mínimo legal prevista para o tipo. Para fins do benefício ora em debate, no entanto, terá a finalidade de mensurar a quantidade de diminuição da pena. Portanto, sendo considerados com finalidade diversa, não configuram hipótese de bis in idem.
De outra feita, em diversas outras oportunidades nosso legislador valeu-se dos referenciais do art. 59 do Código Penal, como, por exemplo, para fixar o regime de cumprimento da pena (art. 33, § 2.º), configurar a hipótese de crime continuado, no caso de ser praticado com violência à pessoa (art. 71, parágrafo único), concessão de sursis (art. 77, inc. II), furto privilegiado (art. 155, § 2.º), estelionato privilegiado (art. 171, § 1.º), além de outros benefícios contemplados em outros diplomas legais (Leis 9.099/95, art. 89; 8.137/90, art. 15, parágrafo único; 9.605/98, art. 7.º, inc. II; 9.807/99, art. 14 etc.), e nem por isso se diz que configura bis in idem.
Dentre estas duas possibilidades, preferimos a segunda, até porque se encontra mais em consonância com a individualização da pena prevista no nosso Código Penal, cujo critério, segundo constou na Exposição de Motivos, ?permite o completo conhecimento da operação realizada pelo juiz e a exata determinação dos elementos incorporados à dosimetria? da pena (item 51).
Como conclusão prática, podemos dizer que, nas hipóteses em que a pena-base for fixada no mínimo legal, a aplicação do quantum de diminuição da pena deve ser no máximo de diminuição, salvo se motivadamente o julgador rejeitar esta similariedade.
Nota
(1) ?Pena-base fixada acima do seu mínimo. Reconhecida a existência de circunstâncias judicias desfavoráveis ao réu, correta é a sua fixação em patamar acima do mínimo. É entendimento que vem se consolidando, o de que a grande quantidade de tóxicos apreendido autoriza a elevação da pena-base?. (TJSC Ap. Crim. 15.209/0/99 Joinville Rel. Des. Genésio Nolli j. em 28.9.1999 Boletim Informativo da Juruá 249/21.411)
Jorge Vicente Silva é advogado, professor de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas e da Escola Superior da Advocacia da OAB/PR, pós-graduado em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, já nas livrarias, Comentários à Nova Lei Antidrogas – Manual Prático E-mail: jorgevicentesilva@jorgevicentesilva.com.brSite ?jorgevicentesilva.com.br?
