Semana passada falamos sobre a (in)compatibilidade entre Liberdade Provisória e Crimes Hediondos. Apresentamos duas correntes e optamos por aquela que entende ser inconstitucional o dispositivo inscrito no art. 2.º da Lei dos Crimes Hediondos. Entre os motivos elencamos alguns deles. Resta doravante, prosseguir na fundamentação deste nosso posicionamento acerca de tão palpitante matéria.

No que pertine ao princípio do devido processo legal, o dispositivo infraconstitucional, mais uma vez, violenta a Carta Magna. De acordo com a Constituição Federal, em seu art. 5.º, inciso LIV, “ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Ora, vincular o status libertatis do réu à categoria delitiva imputada na exordial acusatória constitui manifesta afronta ao princípio do due process of law. A definição da condição do acusado fica à mercê do enquadramento típico deduzido na pretensão punitiva. O réu, em aflição, torna-se refém do arbítrio dos órgãos persecutórios: se o agente público, por um motivo ou por outro, imputa-lhe determinada categoria de delito, o acusado pode responder ao processo solto; se, porém, a interpretação desse agente é diversa e, por conseguinte, a imputação recai sobre outra modalidade delitiva, então, o réu não tem a mesma sorte: será, inexoravelmente, castigado com a prisão cautelar.

É muita subjetividade. Cadê o devido processo legal? Vedar a liberdade provisória aos acusados por crimes hediondos representa uma maneira velada de se institucionalizar uma espécie de prisão preventiva obrigatória. Trata-se de uma pena antecipada, sem a possibilidade de apreciação meritória.

Por derradeiro, no que concerne à presunção de inocência, vale a pena registrar o notável trabalho de Luiz Antônio Câmara(1):

“A legislação epigrafada constitui evidente refutação a ele (ao princípio da presunção de inocência): a inafiançabilidade e o impedimento de concessão de liberdade provisória em referência a certos crimes, trazidos pela Lei dos Crimes Hediondos, colide com a presunção. É óbvio que, ao determinar deva o acusado responder o processo integralmente sob carcer ad custodiam, o legislador ordinário nega a presunção em referência e, mesmo, ao contrário, presume-o culpado. A gravidade dos crimes previstos na lei epigrafada não é suficiente para conferir-lhe legitimidade constitucional, o que, em conseqüência, ocorre também em relação às reprimendas elevadas. É inegável que, ao impedir-se a concessão de liberdade provisória, nega-se, peremptoriamente, a presunção de inocência”.

Ora, se a própria privação de liberdade provisória, ainda que objetivamente motivada, já é, por si só, considerada por muitos afronta à presunção de inocência, o que não falar da privação da liberdade provisória quando despojada da necessidade de motivação objetiva?

Se a segregação cautelar é, em si mesma, considerada ofensiva à presunção de inocência, muito mais ofensiva ainda deve ser considerada a segregação cautelar vinculada à natureza do crime imputado ao acusado.

Nota

(1) CÂMARA, Luiz Antônio. Prisão e Liberdade Provisória. Curitiba: Juruá, 1997, p. 47.

Adriano Sérgio Nunes Bretas é quintanista de direito pela Faculdade de Direito de Curitiba –

bretasadvocacia@yahoo.com.br
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