Da flagrante intervenção estatal nas negociações coletivas e da ausência de amparo legal para o “sistema mediador” do MTE

No título que trata das relações coletivas de trabalho, em especial das negociações coletivas e sua formatação como sendo as Convenções Coletivas de Trabalho e os Acordos Coletivos de Trabalho, para registrar e dar publicidade do instrumento coletivo a CLT determinou no art. 614: “o depósito de uma via do mesmo, para fins de registro e arquivo(…)” , sendo que sua vigência segundo o § 1.º será em “(…) 3 (três) dias após a data da entrega dos mesmos no órgão(…) “. Por óbvio, a disposição celetária, determina apenas e tão somente a entrega de uma via do instrumento coletivo junto ao órgão do Ministério do Trabalho e Emprego, no caso a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, sendo que a vigência, estatuída no próprio parágrafo primeiro, está assegurada três dias após a data de entrega do Acordo/Convenção Coletiva, sem qualquer condicionante e/ou manifestação do órgão ministerial.

Historicamente, as entidades sindicais, sempre cumpriram tal determinação legal, no sentido de depositar uma via do instrumento coletivo. Ocorre que, na esteira das alterações da estrutura sindical, sem prévia aprovação legislativa, o MTE instituiu a Portaria no. 282, publicada no DOU de 6 de agosto de 2007, que implantou o SISTEMA MEDIADOR, com a finalidade de “elaboração, transmissão, registro e arquivo, via eletrônica, dos instrumentos coletivos de trabalho”, disciplinado pela Instrução Normativa SRT n.º 6 e 9, de 6 de agosto de 2007 e 5 de agosto de 2008, respectivamente, Ordenando, que a partir de 01 de janeiro de 2009, o registro das convenções estaria Obrigatória e Exclusivamente condicionados pela alimentação dos dados dos instrumentos coletivos pela utilização do “Sistema Mediador”.

Tal sistema, basicamente, instituiu a alimentação dos dados contidos nos instrumentos coletivos em formatação pré-estabelecida, via internet, em sítio mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (www.mte.gov.br).

Para tanto, arrola uma série de procedimentos a serem adotados pela entidade sindical, autorizadores do envio dos dados, dentre eles, atualização no Cadastro Nacional de Entidades Sindicais CNES, com o mandato da diretoria atualizado e base territorial das entidades sindicais.

Por fim, a exigência instituída por intermédio de Portaria do Ministério do Trabalho, estatuindo como pré-condição do registro eletrônico dos instrumentos coletivos, configura-se em flagrante oportunismo do Poder Executivo, que pretende estabelecer, mesmo que de forma indireta, controle sobre as entidades sindicais e suas negociações coletivas, ressuscitando o germe corporativista das relações coletivas de trabalho que foi superado pelas normas constitucionais.

A exigência de publicidade das normas coletivas junto ao MTE/SRTE, Exclusivamente, pela via eletrônica do Sistema Mediador, fere frontalmente os princípios de autonomia sindical e de não intervenção estatal previstos na Constituição Federal de 88 e da normatividade imperativa que não condiciona a validade e vigência dos instrumentos normativos a qualquer pré-condição.

Na visão dos doutrinadores de Direito do Trabalho, rechaça-se expressamente a existência de outras pré-condições para o registro das convenções e acordos coletivos de trabalho.

A questão do depósito e registro dos instrumentos coletivos de trabalho foi tratada por Arouca: “Celebrada a convenção, a mesma será depositada na Secretaria de Emprego e Salário ou no órgão regional do Ministério do Trabalho e Emprego, conforme seu alcance para fins de registro.(…) Anteriormente ao Decreto-lei n.º 229 de 1967 o Ministério do Trabalho, autoritariamente, tinha competência para homologar a convenção, de modo que sem seu aval não surtiria efeito” (Arouca, José Carlos. Curso Básico de Direito Sindical. Editora LTr.São Paulo: 2006. pág. 305).

No mesmo raciocínio, a magistrada e doutrinadora mineira Alice Monteiro de Barros, apresenta sua análise acerca da forma e publicidade das convenções coletivas: “Mister se faz que uma das vias seja remetida ao Ministério do Trabalho para conhecimento, registro e arquivamento, nos termos do art. 614 da CLT .Como se infere do aludido dispositivo legal, com a inovação trazida pelo Decreto-Lei n. 229, de 1967, a eficácia da convenção não mais depende de homologação pelo Ministério do Trabalho. Hoje a convenção entra em vigor três dias após a data da entrega da via ao órgão competente do Ministério do Trabalho” (Barros, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho 2.ª edição. Editora LTr. São Paulo: 2006. pág. 1.221).

Na esfera judicial, entidades sindicais de trabalhadores rodoviários ingressaram com mandado de segurança perante a Justiça do Trabalho da 9.ª Região (MS 11509-2009-029-09-00), contra o ato que indeferiu o registro do instrumento coletivo pela SRTE/MTE, em sede liminar, a magistrada do trabalho, Camila Campos de Almeida, assim decidiu: “Por outro lado, constata-se que a ausência de validade da norma coletiva resulta flagrante prejuízo ao trabalhador, na medida em que a falta de vigência da Convenção o impede de fazer uso de direitos obtidos na negociação coletiva, estando demonstrado o perigo da demora. Ademais, o artigo 614 da CLT não prevê obrigatoriedade dos registros eletrônicos dos instrumentos coletivos.

Assim é sopesadas as razões acima descritas, verifica-se a plausibilidade dos argumentos invocados, restando caracterizada a necessidade de concessão da liminar ora requerida.

Por conseguinte, defere-se em parte a liminar, determinando-se que a autoridade coatora convalide o deposito protocolado sob o numero 46212002935/2009-82, observadas as disposições do artigo 614 da CLT até final do julgamento. (…)”.

Na mesma linha a 11.ª Vara do Trabalho de Curitiba (13890-2009-011) e a 10ª. Vara do Trabalho de Curitiba/PR, ambas, deferiram, liminarmente, em sede mandado de segurança, contra ato da SRTE/MTE indeferidor do depósito de instrumento coletivo (10050-2009-010-29-00-0), no último caso, a manifestação foi a seguinte: “A cópia do ofício de notificação (…), comprova a exigência pelo Chefe as Seção de Relações do Trabalho da DRT do Paraná, da utilização do sistema mediador para o depósito, registro e arquivo de instrumentos coletivos de trabalho. (…) Por todo o exposto, presentes os requisitos autorizadores da concessão de liminar requerida.”

O posicionamento da doutrina e da jurisprudência, no sentido de validar o ingresso no mundo jurídico dos instrumentos normativos, apenas com o mero registro no órgão do MTE, sem qualquer condicionante, que postergue a imediatidade na vontade coletiva nas negociações coletivas, expressas nos instrumentos coletivos fixados entre as partes convenentes, configura-se como imperativo da efetiva liberdade sindical.

Em verdade, o art. 614, parág. 1.º da CLT, confere vigência automática ao instrumento coletivo. Ocorre que com a nova postura adotada pelo MTE, colocam-se em risco os instrumentos normativos das entidades, deixando em situação de duvidosa efetividade, trazendo sério risco e insegurança jurídica para as partes contratantes na negociação coletiva, e, em especial, aos trabalhadores que contam como incorporados ao seu patrimônio jurídico as conquista aprovadas por ato assemblear e contidas nos instrumentos coletivos.

Assim, as normativas do MTE, na forma da portaria n.º 282 e instrução normativa SRT n.º 6 e 9, constituem-se em atos violadores dos dispositivos constitucionais previstos nos arts. 7.º, XXVI (validade das negociações coletivas) e art. 8.º, I da CF/88 (autonomia das entidades sindicais frente ao estado), também, tal normatização estatal, restaram maculadas as disposições celetárias correspondentes ao regramento da convenção coletiva, previstas no art. 611 e as formalidades respectivas do art. 614 da CLT.

Por fim, ausente de amparo legal e atentatório a liberdade sindical qualquer ato normativo estatal que vise condicionar, limitar e/ou controlar as negociações coletivas ou seu produto consubstanciado nos instrumentos coletivos, que devem efetivamente ser publicizadas nos órgão dos MTE, mas nunca condicionadas, por expressa ausência de autorização legal para tanto.

André Passos é advogado trabalhista, consultor de entidades sindicais. Sandro Lunard Nicoladeli é advogado trabalhista, professor universitário, conselheiro da Associação dos Advogados Trabalhistas do Paraná.

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