Um dos temas mais controvertidos em matéria de Direito do Trabalho trata da questão da competência para julgamento de ações acidentárias.
Há duas posições opostas versando sobre o tema. A primeira traz como corolário o posicionamento do egrégio Tribunal Superior do Trabalho. Esse se manifesta no sentido de que caberia à Justiça do Trabalho julgar pleito de dano moral e material decorrente de acidente de trabalho. Para essa corrente, a ação em face do INSS para obtenção de seguro contra acidentes de trabalho seria de competência da Justiça Comum, enquanto que a ação intentando indenização pelos danos sofridos, na hipótese do empregador incorrer em dolo ou culpa, seria da Justiça do Trabalho.
Em contrapartida, outra corrente, liderada pelo Superior Tribunal de Justiça, entende que, quando o pedido decorre de acidente de trabalho, a competência para julgar a indenização, tanto por danos materiais e morais, é da Justiça Comum Estadual. Em acórdão proferido nos autos RESP 544810 e publicado em 21.02.2005, manteve-se tal entendimento.
O que veio acirrar a discussão sobre a matéria foi o advento da Emenda Constitucional n.º 45. Em texto intitulado ?Competência para julgar danos de acidentes do trabalho é da JT? publicado no site do Tribunal Superior do Trabalho em 26/01/2005, esse egrégio Tribunal manteve o posicionamento de que a justiça especializada seria o órgão competente para processar e julgar os pedidos de indenização por dano moral ou material decorrentes de acidentes de trabalho. O ministro Ronaldo Leal, defensor desta posição, acredita que com o advento da Emenda Constitucional n.º 45 de 2004, a prerrogativa da magistratura trabalhista encontrar-se-ia suficientemente clara. Isto porque o artigo 114, inciso VI. prevê a competência da Justiça do Trabalho para o exame das ?ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho?.
Em recente julgado, proferido nos autos AIRR -824/2002-461-05-40, publicado em 25/02/2005, de lavra do exmo. Cláudio Armando Couce de Menezes, esse egrégio Tribunal assim declinou: ?… Pretendendo o suposto acidentado intentar ação em face do empregador, decorrente de conduta dolosa ou culposa deste último, será competente esta Justiça Especializada. Isso porque, apesar do instituto da reparação do dano tenha origem no direito civil, tem como fundamento o fato (acidente) ocorrido no curso de relação de emprego, ou seja, durante a vigência do contrato de trabalho. Ademais, com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, que incluiu no art. 114 o inciso VI, a Justiça do Trabalho teve reconhecida, de vez por todas, a sua competência para todas as demandas envolvendo reparações, de ordem patrimonial e moral, oriundas de fatos relacionados com a relação de trabalho…?
O STF manifesta-se sobre o assunto por meio das súmulas 501 (?Compete à Justiça Ordinária Estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista?) e 736 (Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores). Assim, até recentemente, não parecia clara a sua posição.
Fato é que, em julgamento do Pleno em 09/03/2005, nos autos (RE) 438639, o e. STF posicionou-se no sentido de que competiria à Justiça Comum, o julgamento das ações de indenização resultantes de acidente de trabalho, ainda que fundamentadas no Direito comum.
O ministro Cezar Peluso, em voto acompanhado pelos ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim, ressaltou que a ação de indenização baseada na legislação sobre acidente de trabalho é da competência da Justiça estadual, pois fundada em Direito comum. Caso contrário, haveria risco de cometer-se ?grave contradição?, ante a possibilidade de diferentes julgados sobre a mesma matéria.
Não se pode, destarte, deixar de observar que inexiste no Direito do Trabalho previsão legal expressa acerca de pedidos de reparação de danos morais e materiais. O objeto da lide é de natureza civil, encontrando abrigo nas normas de responsabilidade civil, mais precisamente nos artigos 186 e 927 do Código Civil.
Destarte, independentemente da relação de trabalho havida entre as partes, a competência para julgá-lo é da Justiça Comum, uma vez que a indenização que se requer do empregador funda-se em matéria estritamente vinculada ao Direito Civil, devidamente regulamentada pelo Código Civil, inexistindo, qualquer razão para transferir-se a competência para julgamento para a Justiça do Trabalho.
Além disso, o art. 109, inciso I, da Constituição Federal trata expressamente da questão de competência da justiça federal. Excepciona, entre outros, os casos relativos a acidente do trabalho e os relativos à Justiça do Trabalho. Ora, se as lides relativas a acidente do trabalho fossem de competência da justiça especializada, não haveria necessidade desta enumeração, visto que na lei não há palavras inúteis.
Da mesma forma, a alteração trazida pela Emenda 45/04 no inciso IV trata apenas da questão referente à indenização por dano moral e material no julgamento das causas que envolvam unicamente às relações de trabalho, como já vinha interpretando o e. STF. A Emenda manteve inalterado o artigo 109, inciso I, da Constituição Federal.
Conclui-se, portanto, que a inovação trazida pela Emenda 45/04 não trouxe qualquer modificação acerca da competência para julgamento de ações acidentárias. Assim, em consonância com os dispositivos constitucionais e o posicionamento dos e. STJ e e. STF, torna-se forçoso admitir que permanece inarredável a competência da Justiça Comum para processar e julgar as ações decorrentes de acidente do trabalho.
Andréia Cândida Vitor é especialista em Direito do Trabalho.
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