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Curso para magistrados discute a ética em tempos de ambiguidade moral

Ao procurar a Justiça, o injustiçado não quer apenas uma resposta tópica, uma solução processual (que muitas vezes nem entende) para seu problema. O que ele quer, sobretudo, é uma resposta para a perplexidade gerada pelos dilemas morais da era em que estamos mergulhados. A pluralidade, a ambigüidade e o relativismo moral foram tema da palestra que o desembargador Renato Nalini fez hoje (13) para ministros, desembargadores e juízes do trabalho na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat).

O curso, intitulado “Conteúdo Ético das Sentenças Judiciais”, aconteceu na sede da Escola, que funciona no Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, e foi transmitido para todos os 24 Tribunais Regionais do Trabalho do País, onde pôde ser acompanhado por juízes e desembargadores em dois auditórios em cada região – um na capital e outro no interior, preferencialmente.

Relativismo moral

Para Nalini, a sobrecarga de demandas que vive o Judiciário é resultado não apenas da facilidade de acesso e do despertar da cidadania: ela reflete, também, uma crise de valores. “Procura-se a Justiça porque não se respeita mais aquilo que se pactuou, porque se desconsidera o princípio da dignidade humana”, aponta. “Estamos numa era de indefinição de muitos temas morais e de certo relativismo, de uma moralidade à la carte, em que uma sociedade hedonista e individualista passa a cultivar valores próprios.”

As decisões judiciais não escapam a essa configuração – e podem ser “certas num sentido e erradas em outro”, como diz o especialista. É preciso, portanto, ter em mente as conseqüências. “A Justiça enfrenta o tema da ética em todas as suas manifestações. A necessidade de conciliar a cooperação pacífica e a afirmação pessoal, a conduta individual e o bem estar coletivo impregna os conflitos, e esses temas precisam ser encarados de maneira nova” propõe. “Não existem certezas nesse campo minado em que a Justiça deve atuar – tanto para pacificar quanto para sinalizar o que é correto. Temos de aprender a viver sem garantias.”

Há, porém, parâmetros mínimos que permitem ao julgador balizar seus julgamentos – e o principal deles é o conjunto de valores definidos pela Constituição Federal de 1988, que refletem, na opinião do jurista, “o arranjo ótimo” da convivência humana, a matéria-prima da sociabilidade e da construção de uma pátria justa, fraterna e solidária. “Precisamos domesticar esses valores e extrair deles todo o conteúdo prático possível.” Diante de princípios como “a liberdade, a segurança, o bem-estar, valores como a dignidade da pessoa humana, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”, fixados no preâmbulo da Constituição – que os juízes se comprometem a cumprir assim que iniciam sua carreira -, Nalini observa que toda decisão tem conteúdo ético. “Restringir a sentença a uma técnica asséptica e pretensamente neutra é trilhar o caminho da indiferença, da insensibilidade, da omissão e do descompromisso para com os valores fundamentais”, afirma. “O excessivo formalismo, a opção pelo procedimentalismo estéril, a procrastinação deliberada, a desatenção quanto aos aspectos extrajurídicos de cada processo não é senão desconsideração a esses comandos constitucionais”.

Perplexidade

O desembargador observou que a sociedade está “aturdida com os desmandos, perplexa com o descompromisso e a escancarada inobservância daquilo que seria o bom senso”. A atenção a este clamor é, na sua avaliação, “mais urgente do que o conhecimento jurídico e a capacidade técnica”.

O diretor da Enamat, ministro Barros Levenhagen, disse ao palestrante que a escolha do tema não é casual. “Vivemos uma época em que o sentido ético do agente público está um tanto quanto desgastado, quase banalizado”, observou. “Já não se pensa mais a atuação política – no bom sentido – com a firmeza dos preceitos éticos que impulsionam uma atuação realmente em favor da coletividade.” Diante desse quadro, a Escola tem dado grande ênfase ao sentido ético das decisões nos cursos de formação de novos juízes. “Não é possível que um magistrado prescinda da sensibilidade ética das suas decisões para voltar-se para construções técnico-jurídicas. É importante que ele se insira no meio social em que vai atuar e saiba que suas decisões têm implicações sociais que invariavelmente passam por um sentido ético da vida. Sem o sentido ético, talvez a vida não valesse a pena, e ninguém melhor para defendê-la do que o Judiciário, uma vez que os dois outros Poderes, infelizmente, não têm seguido aquilo que é mais importante para a comunidade das pessoas”, concluiu.

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