Com uma renovação de 50%, a nova composição da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) tem se mostrado atípica. Debates longos e acalorados para discutir moções de repúdio e de apoio a personagens e situações que não são da cidade, discursos com tom de acusações, informações falsas, ironias e comportamentos exacerbados marcaram os primeiros 100 dias da nova legislatura da CMC. Dos 38 vereadores, 20 parlamentares são novos na função, muitos eleitos com base em campanhas por meio de redes sociais.
Em três meses, foram cinco representações por quebra de decoro parlamentar na Corregedoria da Câmara, tendo como alvo de sindicância os vereadores Guilherme Kilter (Novo), João Bettega (União) e Proferssora Angela (Psol). No início deste mês de abril o corregedor, vereador Sidnei Toaldo (PRD), pediu o arquivamento das denúncias, mas recomendou medidas para prevenir o uso sensacionalista dos mandatos, que ele julga ser prejudicial para a população e para a imagem do Legislativo.
“O vereador deve ter consciência da responsabilidade inerente a cada fala na tribuna e a cada publicação nas redes sociais. Declarações precipitadas, sem embasamento técnico, podem gerar pânico na população, desacreditar e incentivar julgamentos equivocados”, diz trecho de um dos documentos onde o corregedor pediu arquivamento de denúncia.
Vereadores de Curitiba passaram mais de uma hora discutindo tema não relacionado com a cidade
A primeira sessão da nova legislatura, em 4 de fevereiro, já deu um indicativo de como seriam as discussões. Com duração de três horas, mais de uma hora foi para discussão e voto para moção de repúdio à deputada federal Erika Hilton (Psol/SP) e moção de apoio ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, políticos sem ligação com a cidade.
Depois veio a discussão para votar uma moção de repúdio contra a realização do show “Ensaios da Anitta”, que acabou não sendo votada. Outro longo debate culminou com a negação do título de vulto emérito para o artista curitibano Alexandre Nero.
Na sequência ainda teve a moção de protesto contra uso de linguagem neutra na Universidade Federal do Paraná (UFPR) – situação que não cabe à gestão municipal. Moção de protesto contra o MC Oruam, e mais recentemente moção contra a resolução 258 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e a moção a favor da anistia para presos do 8 de janeiro.
As sessões onde foram discutidas as duas últimas moções foram tumultuadas. O presidente da Câmara, vereador Tico Kuzma (PSD), teve que alertar os parlamentares para que tivessem cuidado, pois os abusos poderiam ser alvo de denúncia na Corregedoria.
Redes sociais moldam novo perfil de vereador?
A pesquisadora de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Geissa Franco, alerta para a mudança do perfil dos parlamentares eleitos.
“Principalmente nas últimas eleições, as mídias sociais passaram a ter uma importância muito grande dentro do processo eleitoral, e acaba criando um perfil de parlamentar que não existia tanto. Antes os parlamentares vinham muito do associativismo, os de esquerda de sindicatos, os de direita de instituições religiosas. Agora tem um aumento desses parlamentares que conseguem um alcance através das mídias sociais”, pondera. Segundo ela, quando chegam ao parlamento, estes políticos transferem esse alcance das mídias sociais para sua atuação parlamentar. “Não existe a ruptura entre a pessoa que era um digital influencer para uma visão de um parlamentar”, completa Geissa.
A cientista política ainda observa que os vereadores estão cada vez mais jovens. “E talvez aí surjam até agendas mais pós-materialistas, que não são tão relacionadas com pautas do Executivo, mas pautas com cunho moral e com mais embate de ideias. A atual legislatura tem uma grande representatividade da direita e extrema-direita, mas também de partidos da esquerda. A polarização de ideias é um reflexo do que acontece em nível nacional. Os vereadores eleitos com alcance de mídias sociais tentam pautar coisas que levem os seus seguidores a entenderem que eles estão fazendo alguma coisa. E às vezes, questões, como Orçamento do município, por exemplo, acabam ficando de lado”, comenta a especialista.
“Por exemplo, o vereador João Bettega, que é jovem, 28 anos, tem esse perfil de polarização na agenda, com discursos sempre polarizando com outros parlamentares”, pontua a pesquisadora. “Não podemos também querer que o parlamento tenha uma representação tão diferente do que é a sociedade. A composição da Câmara reflete o perfil de pessoas, claro que falta a representação de alguns grupos, mas não deixa de ser uma representação”, conclui.
Comportamento de vereadores coloca em pauta possível necessidade de regulamentar perfis institucionais
A Corregedoria da Câmara pediu o arquivamento das denúncias contra os vereadores que diziam respeito, por exemplo, a antissemitismo por chamar Israel de estado assassino e divulgar nome de registro da deputada federal trans Erika Hilton. Elas foram consideradas sensacionalistas mas, dentro da liberdade de atuação parlamentar.
Porém, foram sugeridas a criação de um protocolo interno de conduta para visitas e fiscalizações parlamentares, e a avaliação da necessidade de regulamentar o uso de redes sociais institucionais.
O protocolo de visitas visa coibir abordagens abruptas e gravações com viés de autopromoção. A sugestão surgiu após a análise de uma representação contra um vereador acusado pelo ex-prefeito Rafael Greca de invadir espaços de saúde e assistência com câmeras, sem prévia comunicação, para produzir conteúdo voltado às redes sociais.
Já a possível regulamentação do uso das redes sociais institucionais e pessoais de agentes públicos, quando vinculadas a ações parlamentares, tem o objetivo de evitar a propagação de fake news, resguardar a imagem institucional da CMC, prevenir o uso indevido da função pública para autopromoção e garantir o respeito aos direitos dos usuários dos serviços públicos e aos limites legais e éticos da atuação política.
Presidente reconhece ideologias em pauta
O presidente da Câmara, Tico Kuzma, reconhece que a atual legislatura reúne diferentes vertentes. “Os primeiros meses de Sessões mostraram que temos diferenças de visões e ideologias entre os vereadores. Mas, com o apoio da Mesa Diretora, tenho presidido a Casa respeitando as diferenças de ideias e de opiniões, pois acredito que é no diálogo que encontramos as melhores soluções. Essa legislatura reflete a diversidade da nossa sociedade. E cada opinião proposta e em debate contribui para soluções mais completas e inclusivas”, destacou o vereador por meio de nota.
Kuzma lembrou ainda do episódio sobre a vestimenta dos vereadores. “Logo na primeira semana de Sessões, quando tivemos uma divergência quanto à questão da vestimenta dos parlamentares, a mesa agiu rápido e fez um Ato da Mesa regulando a questão de forma que deixamos claro a questão formal e não foi tolhida a liberdade de posicionamento durante as sessões”, lembrou o presidente.
Principais desafios da Câmara Municipal de Curitiba
Apesar das discussões acaloradas e polarizadas, a Câmara de Vereadores conseguiu votar importantes projetos neste início de legislatura. “A Casa está sendo um espaço de debate, aprimoramento, apoio e fiscalização. Em parceria com a Prefeitura, mas respeitando a nossa autonomia. Precisamos continuar sendo um pilar de sustentação para as políticas que garantam o avanço de Curitiba”, afirmou o presidente da CMC. “Os maiores desafios que a Câmara terá esse ano serão os debates sobre a nova licitação do transporte e do novo Plano Diretor”, diz Kuzma.
Conforme balanço da Câmara, de janeiro a março, foram apresentados 172 projetos. Outros 101 estão tramitando, mas têm origem na legislatura passada. Foram realizadas 27 sessões plenárias, votados 170 proposições e requerimentos e encaminhados mais de 300 pedidos de informação à prefeitura.
Pautas importantes já foram votadas na CMC
Entre as medidas importantes já discutidas e enviadas para sanção do prefeito, Tico Kuzma destaca: a ampliação do público para pequenos eventos ao ar livre, a revisão da Lei do TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade); a redução do prazo para limpeza de terrenos com focos de dengue para 48 horas, projeto votado em regime de urgência; a liberação de transporte de Pets no transporte Público e a aprovação do Vale-Creche.
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