Caso passe em todos os testes, a vacina contra covid-19 desenvolvida pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) não precisará de insumos importados, podendo ser fabricada totalmente em território nacional. A necessidade de se adquirir de outros países o chamado ingrediente farmacêutico ativo (IFA) dos imunizantes em uso Brasil é um dos fatores que tem dificultado a produção local e a distribuição de doses para estados e municípios.
O grupo da UFPR trabalha com uma técnica inédita para imunização contra o Sars-CoV-2. A Coronavac, da chinesa Sinovac, por exemplo, utiliza o vírus inativo para estimular a produção de anticorpos. A russa Sputnik V, do Instituto Gamaleya, e as vacinas de Oxford/AstraZeneca e Janssen (Johnson & Johnson), por sua vez, baseiam-se no método do vetor viral, em que um vírus diferente – como o adenovírus, causador do resfriado comum – recebe um gene capaz de produzir uma das proteínas do novo coronavírus, o que faz o organismo “aprender” a também combater o patógeno.
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Na UFPR, os pesquisadores utilizam o polihidroxibutirato (PHB), um tipo de polímero inócuo produzido por bactérias, recoberto com partes específicas da proteína Spike, que é a que liga o vírus Sars-Cov-2 às células humanas, provocando a infecção e a covid-19. Além de mais fácil de se obter, o composto tem um custo muito menor de fabricação do que as substâncias utilizadas nas vacinas já disponíveis internacionalmente.
Na UFPR, o PHB é estudado há mais de três décadas como substituto de similares derivados do petróleo. “A estrutura necessária para produzir o polímero é básica”, diz Marcelo Müller dos Santos, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da universidade e um dos responsáveis pelo estudo. “Temos indústria aqui no Brasil que produz a molécula. Além disso, não se trata de um material com alta demanda, ou seja, não há risco de escassez no mercado.”
Segundo o pesquisador, mesmo os insumos utilizados para formular o meio de cultivo das bactérias têm grande oferta nacionalmente. “Comparado ao cultivo de células humanas infectadas pelo vírus, o cultivo de bactérias é muito mais simples”, explica. Durante a pesquisa, o grupo criou um método próprio para obtenção de nanopartículas do polímero de forma simples e a um baixo custo.
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Vacina está na última etapa antes da fase clínica
No momento em fase pré-clínica, em que ainda não são realizados testes com humanos, o método tem mostrado potencial. Camundongos que receberam doses do imunizante produziram uma quantidade de anticorpos superior ao que o composto de Oxford/AstraZeneca em experimentos realizados no fim do ano passado.
A última etapa que falta para começar os experimentos com humanos é o ensaio de neutralização, que confirmará se esses anticorpos realmente neutralizam a entrada do vírus no organismo. Como o laboratório da UFPR é classificado com nível de biossegurança 2, e a manipulação do novo coronavírus só pode ser feita em unidades com nível 3, os pesquisadores têm duas alternativas para realizar os experimentos.
O primeiro é buscar um laboratório parceiro com a classificação que permite o trabalho. “Existem laboratórios desse nível em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Estamos vendo se alguém tem agenda disponível para essa parceria”, conta Santos. Paralelamente, os pesquisadores já encaminham o plano B: utilizar um pseudovírus, ou seja, uma “versão” do novo coronavírus incapaz de se replicar e que, por esse motivo, pode ser manipulada em laboratórios com nível de segurança 2.
A equipe já adquiriu uma sequência de DNA do vírus modificada geneticamente para expressar uma enzima chamada luciferase, capaz de produz energia luminosa. “Ao se introduzir esse DNA em uma célula humana cultivada, produz-se o pseudovírus, que imita o Sars-CoV-2 e interage com o mesmo receptor”, conta o pesquisador.
“Usando a medida de luminescência, dá para saber quantas partículas virais entraram na célula, e se o anticorpo está barrando a entrada do pseudovírus”, explica. “É um experimento bem aceito. Várias publicações de fase pré-clínica e até clínica são baseadas em testes com pseudovírus.”
Enquanto isso, outro experimento já em andamento investiga a duração da imunidade dos roedores que receberam a dose. “Estamos deixando os camundongos mais tempo no biotério e coletando amostras para saber se ainda temos resposta imune após dois meses, por exemplo.”