A Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) decidiu, nesta segunda-feira (28), arquivar a reclamação disciplinar contra a juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba, acusada de racismo por ter associado um réu negro a uma organização criminosa “em razão de sua raça”.
Por unanimidade, os desembargadores do Órgão Especial do TJPR seguiram o voto do relator do caso, desembargador José Augusto Gomes Aniceto. Ele concluiu que não houve intenção discriminatória ou racista por parte da magistrada.
Na sentença, do dia 19 de junho, Inês escreveu que Natan Vieira da Paz, um homem negro de 48 anos, “seguramente” integrava a organização, “em razão de sua raça”. A frase foi repetida em três partes do documento de 115 páginas. A decisão ganhou repercussão com a revolta da advogada do réu, Thayse Pozzobon, que compartilhou o caso nas redes sociais.
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Os desembargadores avaliaram que tudo não passou de um erro de português e de interpretação da sentença, tal como alegou a defesa da juíza em sustentação nesta segunda. No trecho destacado por Thayse, consta que Inês escreveu que Natan “seria seguramente integrante do grupo criminoso, em razão de sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e seu comportamento”.
Francisco Zardo, defensor da juíza, afirmou que o trecho em questão se refere ao que se escreveu depois, e não antes, da frase. Ou seja, que Inês citou o fator raça para descrever a conduta discreta que ele mantinha para cometer os crimes em grupo, remetendo a conclusões de depoimentos, imagens de câmeras de segurança e outras provas colhidas durante a investigação.
Zardo citou ainda outras partes da sentença em que se constatou que o próprio grupo criminoso, composto por outras seis pessoas, utilizava características físicas de cada integrante para enganar vítimas e praticar furtos e roubos no centro de Curitiba.
Segundo o advogado, as provas colhidas no processo comprovaram a forma de atuar do grupo: um dos integrantes da organização empurrava ou abraçava a vítima enquanto outro recolhia seus pertences e um terceiro jogava uma jaqueta por cima dos comparsas para evitar a identificação dos criminosos. Por ser “magro e negro” e “de fácil reconhecimento”, Natan atuaria nessa última fase, para acobertar os demais.
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Além da interpretação do próprio texto e de outros elementos da sentença, os desembargadores levaram em consideração que as penas impostas pela juíza a Natan e aos outros seis réus foram parecidas e que apenas atenderam às circunstâncias do crime e às características dos acusados, não havendo distinção de raça e cor entre eles.
Ao final da sustentação, Zardo citou que Inês confiava no julgamento do TJ-PR, apesar de ter sofrido “graves ofensas à sua honra” desde a divulgação do caso pela imprensa.
No relatório final, que ainda será submetido ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o desembargador Aniceto, que é negro, destacou que a questão deveria ser decidida com “bom senso, isenção e equilíbrio” e que insinuações não seriam levadas em consideração. “Em momento nenhum a cor da pele do condenado foi utilizada como elemento de convicção para a condenação ou para a conclusão de o mesmo integrar o grupo criminoso”, observou.
Ao proferirem os votos, alguns desembargadores criticaram duramente a repercussão do caso e a atuação de jornalistas por terem divulgado os fatos de maneira distorcida.
Um dos julgadores sugeriu que Inês cobre reparação de danos e uma posição da OAB-PR (Ordem dos Advogados do Brasil) sobre a conduta da advogada de Natan e do próprio presidente da entidade, Cássio Telles. Em entrevista à reportagem, ele disse que a juíza havia cometido um erro gravíssimo. Um dos desembargadores criticou ainda a postura do Senado Federal, que na ocasião divulgou nota de repúdio contra a magistrada.
Em geral, os desembargadores também exaltaram a carreira da juíza, que tem cerca de 25 anos de magistratura. Alguns citaram ainda que foram colegas de trabalho do marido dela, o desembargador Luiz Zarpelon, que morreu há pouco mais de um ano.
Entre os mais críticos, o desembargador Clayton Coutinho de Camargo defendeu uma lei de imprensa com penas duras para veículos que “distorcem e exacerbam” acusações.
“Nunca tive medo de jornalista, a magistratura não tem que ter medo, a imprensa é o quarto Poder para quem a coloca como quarto Poder. […] Imprensa livre não significa que se possa publicar o que se bem entende, não significa que se possa denegrir a imagem de alguém que está em evidência. […] Como diz a nobre ministra, ‘cala a boca já morreu’, o ‘cala a boca não morreu, não’, porque a mídia está exacerbando acusações equivocadas, para não dizer que houve má-fé, porque sabe que a punição é mínima”, discursou, citando a fala da ministra Cármem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao liberar biografias não autorizadas.
Procurada pela reportagem, a advogada Thayse Pozzobon não quis se manifestar sobre o resultado do julgamento. A OAB-PR não respondeu aos questionamentos da reportagem.