O espaço cultural 92 Graus – The Underground Pub, famoso por ceder seu palco às bandas de rock’n roll autoral, em Curitiba, deve fechar as portas definitivamente até dezembro deste ano. Fundado em 1991 pelo empresário e músico JR Ferreira, 56 anos, o lugar já mudou de endereço seis vezes, mas sempre carregou um acervo cultural imenso. Além da música, há vários itens de artistas plásticos em exposição, coleção de fitas cassete, fanzines e discos que ajudam a contar a história do rock alternativo curitibano.

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O músico JR recebeu a Tribuna e contou que a casa onde fica atualmente o 92, no comecinho da Avenida Manoel Ribas, no São Francisco, é alugada, mas foi vendida no ano passado. Caso os direitos da marca 92 Graus não sejam cedidos, este será o último ano para o público aproveitar.

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“Vou fazer outra coisa. Um ramo completamente diferente. Pode ser até que essa seja a última entrevista que darei sobre o assunto. Quando abri o 92 Graus, eu tinha 24 anos. Acho que cumpri um sonho de vida. Contribuí para colocar Curitiba no mapa da música underground, com a cara da capital do rock no Brasil. Pensa! A média sempre foi de 500 espetáculos por ano, entre 48 e 50 bandas autorais por mês. Em 2022 foi isso”, reflete JR.

Empresário JR Ferreira está a frente do 92 graus. Foto: Gerson Klaina / Tribuna do Paraná.
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O nome 92 Graus é inspirado na música 92° Fahrenheit Degrees, da banda inglesa Siouxsie and The Banshees, lançada em abril de 1986. A melodia, para quem ouve pela primeira vez, soa psicodélica, uma das características do movimento pós-punk. E é quase essa a sensação visual de quem entra no 92. “As paredes têm história. Aliás, faltam paredes para tanta coisa. As pessoas de fora gostam de vir aqui e, por incrível que pareça, as pessoas daqui da cidade, quando vem pela primeira vez, sempre se impressionam com a história musical da cidade ilustrada nas paredes da casa”, brinca JR.

Segundo ele, manter um comércio funcionando, em Curitiba, não é fácil. Tudo tem que estar em ordem. Todo ano é preciso renovar todos os alvarás de funcionamento, fazer as manutenções básicas na estrutura e equipamentos, para que tudo corra bem no decorrer de cada temporada. “A cidade é bem exigente com suas leis. A cada ano de renovação de alvará, surge um detalhe novo. Acho que tem que ser assim. Mas agora, com 28 em cada perna, se você me perguntar se eu começaria em outro local, do zero, a resposta é não”, explica.

Histórias cheias de recomeços

O empresário conta que todas as vezes que o 92 Graus começou (e recomeçou) foi do zero. Um porão da Rua Visconde do Rio Branco, 290, no Mercês, foi o começo de tudo. “Fui morar no endereço da Visconde quando casei. Quase em frente onde é o La Boca. Tinha uma lavanderia ali e um tio agrônomo tinha, no primeiro andar, o que seria um espaço pet. Não deu certo para ele porque, na época, ninguém cuidava de cachorro como hoje. Brinco que ele era um visionário, só errou no tempo. Acontece que o porão ficou vago e montamos o negócio”, relembra.

Com o 92 Graus, Curitiba ganhou uma casa de rock autoral onde os músicos eram bem-vindos e o público era democrático. Isso fortaleceu a ideia de capital do rock, a partir dos anos 1990, quando Curitiba era tida como um celeiro de bandas. E o caminho na cidade foi se pavimentando para o surgimento de bares rock e se fortalecendo para os que já existiam, como o Berlim, no porão do Hermes Bar, o Lino’s Bar e o Hole Bar.

“A própria galera de fora via Curitiba como cenário, queria vir tocar aqui, mas não conhecia as bandas da cidade. Isso começou a mudar. Enquanto eles achavam que vinham para cá para se mostrar, a gente estava fazendo o inverso. Assim, os talentos daqui apareciam para as pessoas e artistas de fora, entrando na cena cultural. Várias foram parar na MTV e tiveram contratos com gravadoras”, conta JR..

Passaram pela casa nomes como Relespública, Pinheads, Crápulas e Boi Mamão. “O público sempre veio aqui para escutar o que não estava acostumado a escutar. Fora do comercial”, destaca o empresário. Na geração anterior de Curitiba, bandas como Blindagem e Beijo AA Força já faziam sucesso. “Mas o boom foi ali, nessa época. Só não teve estouro nacional porque as gravadoras seguravam. Davam preferência para Raimundos, Charlie Brown Jr., Planet Hemp, Chico Science e companhia”, lamenta.

Dono de uma personalidade marcante, voz firme, raciocínio coeso e de um conhecimento histórico da música de Curitiba que parece estar sempre na ponta da língua, o empresário define o 92 Graus como “uma casa de passagem”. “Muita gente acha que isso aqui é um bar. Não é um bar. Se a gente abrir sem ter um show marcado, não vem ninguém. Ninguém vem aqui tomar uma cerveja se não tiver uma banda. Isso é uma casa de espetáculos. Está mais até para um teatro. Tem de tudo aqui”, ressalta.

Dá para considerar que o 92 Graus é um sobrevivente. JR conta que a casa se sustenta, mas não é fácil. Ao todo, são cerca de sete a oito colaboradores. Desde o início deste ano, já se apresentaram no local bandas da Argentina, Finlândia e, em fevereiro, terá uma banda da Alemanha. Pela primeira vez, também neste ano, uma banda da Coreia do Sul virá se apresentar.

“Vem banda do mundo inteiro. Os músicos sempre nos procuram. Curitiba realmente mantém um nome forte no underground. Mas eu não trabalho por reconhecimento. Eu me realizo quando vejo um talento no palco. Sempre penso que o próximo talento pode se tornar uma grande estrela da música no futuro”, orgulha-se.

Decisão de fechar

Não é a primeira vez que o 92 Graus entra em rota de fechamento. Na pandemia, por exemplo, as atividades ficaram paralisadas de março de 2020 a outubro de 2021. “Não foi fácil. As contas para pagar continuavam, o casa não. Fechamos 18 meses, um ano e meio. Na pandemia, cheguei a morar aqui no palco. Montei minha cama, aí, durante uma crise financeira”, revelou.

O aluguel foi negociado com os proprietários. “Fizemos um bom acordo. Eu reabri. Mas a casa acabou sendo vendida nesse meio tempo. Entrou uma placa de vende-se aí na frente. Pessoas ligando para visitar o local. É triste passar por isso”, diz JR emocionado.

Ele conta que, antes da pandemia, os proprietários informaram a intenção de venda. “Corri atrás para comprar. Não achei uma linha de crédito em banco, fui atrás de parceria, investimento. Não tinha nada, nem uma lei de incentivo, nem um patrocinador, nada. Incrível como a cultura termina desse jeito”, reflete.

Mesmo com dificuldades, houve uma tentativa de compra por parte dele, com uma proposta incluindo um tanto em dinheiro e outro em imóveis, mas não foi aceita. “Então, acabaram vendendo para um investidor que comprou mais áreas do entorno e fará uma construção. Ele tinha me pedido para sair na metade do ano passado. Mas expliquei que trabalho por temporadas, que precisava de um tempo. Ficou combinado que dezembro é o prazo final. Será um ano desafiador, cheio de emoções, mas estamos preparados para isso. O coração é forte”, descreve.

Cronologia

O 92 Graus funcionou na Visconde do Rio Branco de 1991 até 1994. JR tinha a parceria do irmão e da esposa. Ainda nesse intervalo, em paralelo, o empresário e músico criou o selo Bloody Records, em parceria com Victor França, do Estúdio Solo, que chegou a gravar em vinil 13 bandas de Curitiba.

Depois, de 1995 até 1996, foi para a Alameda Cabral, a uma quadra do Lino’s Bar. “Aí, em 1996, voltei para a Visconde, onde fiquei até 2006. Nessa época, ainda tinha o QG aberto, na Avenida Manoel Ribas, 146, onde fica hoje o VU Bar. O QG fechou em 2001”, descreve JR.

Na época, conta JR, o público frequentava os shows no 92 Graus, das 17h às 22h, depois se dirigia ao QG. “Eu, o Hibraim e o MR. X abrimos juntos o QG. E no 92, já nessa época, tinha banda do mundo inteiro. Grécia, Finlândia, Eslovênia, Argentina, Chile, Bolívia, Canadá, Japão, Itália”, relembra.

Em 2006, o 92 Graus mudou para perto do Cemitério Municipal de Curitiba, onde era o restaurante Porão Italiano e hoje funciona o Basement Cultural (Rua Desembargador Benvindo Valente, 260). “Ficamos ali até 2010. Foi quando resolvi fechar. Pensei, agora chega, vou abrir um café. E fui mesmo, lá para a Trajano Reis, em frente ao Wonka Bar. Depois, virou o Bar da Produção”, conta.

Nesse meio tempo, JR. lembra que passou em frente a atual casa da Manoel Ribas e ficou encantado. “Estava para demolir. Pensei, não vai demolir, vou montar o 92 Graus aqui. Meu negócio é fazer barulho”, brinca.

Feita a proposta aos proprietários, a condição era retirar do local algumas pessoas que tinham invadido o espaço. “Levei quatro meses para convencer todos a saírem. Como eu disse, montei tudo do zero até conseguir o alvará. Estou aqui até hoje”.

Sobre o novo ramo que pretende assumir depois que o 92 Graus encerrar as atividades, JR. Ferreira não quis dar pistas. Só disse que é algo totalmente diferente do que faz hoje. “Nem pistas, nem entrevistas”, finaliza o empresário e músico.

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