Terminal Guadalupe, ponto de partida e chegada de linhas de linhas de ônibus que carregam esperança, fé e dedicação nas pessoas que deixam suas casas na Região Metropolitana de Curitiba em busca de trabalho e sustento. O Guadalupe de tantos olhares de preconceito é democrático, vai de cachorro caramelo a bonequeiro, a pombos a mulheres nuas circulando e músicos disputando o gogó com moradores em situação de rua exaltados. É a novela da vida real em pleno Centro de Curitiba.
O Terminal Guadalupe existe desde agosto de 1958 e, até 1972, serviu como rodoviária de Curitiba, quando essa função foi transferida para o atual prédio da Rodoferroviária. Teve seu projeto assinado pelo engenheiro Rubens Meister, um dos expoentes da arquitetura moderna da capital, sendo responsável pela concepção do Teatro Guaíra e do Centro Politécnico.
Atualmente o terminal é ponto de partida para nove cidades da Região Metropolitana. Chamam atenção seu piso de cerâmica na cor vermelha ou preta e o comércio popular de alimentos, bebida, salão de beleza, petshop, banheiros, caixas eletrônicos, tudo ao redor do Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, que atrai fiéis de todo o Brasil. Por dia, 40 mil pessoas passam pelo local e com alguma relação com as 27 linhas de ônibus.
Diferente de outros terminais de Curitiba, o Guadalupe não é cercado por grades e para entrar não é preciso pagar a tarifa. Esse fator ajuda os comerciantes que não ficam reféns dos usuários do transporte coletivo, ou seja, o público consumidor é maior. Quem mora perto ou trabalha na região pode comprar no terminal. Naturalmente, por ser aberto a todos, os problemas chegam juntos também.
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A loja mais antiga é o Minimercado Guadalupe, da família Chin. Descendentes de chineses, o ponto começou na parte central do terminal e hoje está mais próxima da entrada pela Rua Pedro Ivo. Anibal Chin, um dos filhos do “Seu Lima’, fundador do minimercado, admite que é preciso ter atenção e jogo de cintura para não ter perda de produtos para aqueles mal-intencionados.
“Não pode ficar muito tempo de costas, pois sempre tem gente passando e olhando. Nunca sofri assalto a mão armada, são apenas pequenos furtos. Tem de tudo aqui, é pomba atravessando a loja, mulher pelada entrando sob efeito de drogas, mas a grande parte é de boa. Não troco o Guadalupe por uma loja chique”, garantiu Anibal.
Outro comércio que chama a atenção é a Lanchonete Rodo Velha, bem no centro do Guadalupe. Com estufas cheias de salgados, cartazes com promoções de lanches com sucos coloridos e dois grandes balcões de cada lado para atender a vasta clientela, os funcionários chegam às 4h30 da madrugada. Um dos primeiros a aparecer é o Vicente Lima, um espécie de faz tudo, um verdadeiro maratonista do lanche e do gole.
“Ainda chego na madrugada e tem gente gritando, eu ficava assustado. Confesso que hoje estou mais acostumado, brincamos aqui, se passar 15 minutos sem algo estranho ocorrer, você não está no Guadalupe. Vendemos tudo, é bem movimentado o dia inteiro, fazemos o lanche e servimos uma cervejinha. Aqui passa de tudo, até Deus duvida”, brincou o simpático Vicente.
Aliás, simpatia deveria ser sobrenome ou apelido do Marcelo Veiga, um cadeirante que três vezes por semana anima às tardes do Guadalupe com o trabalho de bonequeiro, profissão nobre que fabrica bonecos para manipulação. A ideia de Marcelo é levar alegria para as pessoas que estão indo ou voltando do trabalho utilizando as mãos e a voz para dar vida ao fantoche Titico.
“É um desafio, é tirar o adulto da depressão quando ele está indo para o serviço que está dando tudo errado ou quando ele está voltando para casa depois de um dia em que o chefe deu bronca nele”, afirmou Veiga que teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC), trombose no pé direito e poliomielite.
Dia de Princesa
Na extremidade da Pedro Ivo, um salão de beleza com mais de 30 anos altera a estética e reforça a autoestima. Com preços mais em conta para o bolso ( R$ 25 homem e R$ 40 mulher), e com um trabalho de qualidade no corte do cabelo, lavagem, tratamento capilar e compra de cabelo, o salão Jai-Alai tem cliente das antigas e das mais novinhas.
Janete Sanches, 53 anos, é cabeleireira há 30 anos do estabelecimento, e relatou que o diferencial é ter clientes de várias localidades do Brasil que chegam diariamente para sentar na cadeira do Jai. “Estou enraizada aqui, o legal que toda hora pinta uma pessoa diferente, de outros estados e países. Atendo em média de 10 a 15 pessoas, tenho clientes antigos que preferem o nosso trabalho”, valorizou Janete.
Uma das clientes é a Veridiane Chamberlain, frequentadora do salão há um ano e meio. Segundo a jovem morena de cabelos longos, o diferencial é a localização e o trabalho das cabeleireiras. “Fica no Centro, fácil de chegar. Elas são experientes, o trabalho é de qualidade, e sempre volto”, comentou Veridiane.
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Para a outra ponta do Guadalupe, na Rua André de Barros, o pet shop Praça dos Bichos atende ávidos clientes que procuram uma simples ração ou mesmo a compra de um animal de estimação como passarinhos e coelhos. Esmael Silva de Santana , trabalha no pet shop há duas semanas, e está se acostumando a correria do serviço, e aos pedidos de moradores em situação de rua que aparecem ao lado dos seus companheiros de quatro patas.
“O segredo para quem trabalha em um terminal de ônibus é ser ligeiro, não tem muito papo. A venda é rápida, percebi que as pessoas estão levando para casa coelhos e passarinhos. Quanto aos cachorros de rua, a gente ajuda com uma quantidade de ração, faz parte da nossa filosofia em ajudar quem precisa”, completou o vendedor.
Revitalização não saiu do papel
Em 2017, a prefeitura de Curitiba chegou a anunciar que pretendia revitalizar a área do Terminal do Guadalupe, onde transformaria em um polo de turismo religioso. No entanto, o estudo não foi transformado em projeto, e não existe atualmente nenhum plano de alteração ou melhoria significativa no local.
Para Raul Guilherme Urban, jornalista, especializado em planejamento e mobilidade urbana, transporte multimodal e pesquisador da memória histórica urbana de Curitiba, o Guadalupe precisa voltar a ser a essência do que foi um dia, de um lugar seguro e de estrutura para o curitibano de modo geral.
“O Guadalupe é o centro agregador do transporte metropolitano de Curitiba, e penso que a prefeitura deveria rever a questão estrutural, dar melhor condição ao usuário que na média ganha de um a dois salários mínimos. A edificação precisaria de uma alteração e um replanejamento da condição fisica do espaço devido ao Santuário”, opinou Urban, um dos participantes do livro “Guadalupe”, lançado há poucos dias em Curitiba, assinado pelo fotógrafo Aurélio Peluso.
Vida longa ao terminal mais democrático de Curitiba, e que Nossa Senhora de Guadalupe, protetora das vocações e das famílias, siga abraçando esse ponto tradicional e importante da capital. “Certeza que ela protege todos, eu gosto daqui. É só olhar para o alto que vai perceber a proteção”, avisou Maria Teresa dos Santos, 69 anos, moradora de Campina Grande do Sul.
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