Se receber uma alta hospitalar já é um momento de alegria, imagina a alta de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal, onde os bebês que nasceram de partos prematuros são cuidados. Para as famílias, a saída da UTI com o bebê nos braços é um momento em que se comemora uma vitória.
A fotógrafa curitibana Evelen Torrens, 38 anos, uma das mais premiadas do tema família no Brasil, iniciou em 2018 o projeto SobreViver, que registra este momento. Ela passou pela experiência da UTI Neonatal com seus filhos gêmeos, que hoje estão com 10 anos, e há mais de oito trabalha como fotógrafa.
“Com 25 semanas de gestação tive deslocamento da placenta. Meus filhos nasceram com 30 semanas, ficaram em hospitais diferentes. Eu fui conhecer meus filhos oito dias depois que nasceram. E um deles acabou permanecendo mais tempo na UTI com várias e enormes decorrências. Quase perdi um. Foi um período muito difícil”, lembra.
“Iniciei o projeto como uma forma de me curar também. Ressignificar o que eu vivi. E tem muitas histórias, famílias que passam muito tempo na UTI. O projeto SobreViver é específico para Neonatal, retrata a emoção”, diz Evelen Torrens, que não tem registro de sua experiência com os bebês na UTI. “O foco do projeto é contar histórias que são diferentes, que são inspiradoras, que comovem. Que mexem com o pensamento das pessoas. Quero histórias motivadoras para que as pessoas olhem e digam: eu consigo”, explica.
Projeto SobreViver
Evelen Torrens era profissional de Marketing. Após a gravidez ficou cuidando dos filhos em casa e a fotografia que era um hobby acabou se tornando profissão. Foi alimentando a ideia do projeto SobreViver, e através de uma conhecida, a médica pediatra neonatologista Juliana Daudt von der Heyde Moro, que iniciou o projeto.
“Conheci a Evelen porque ela fotografou o aniversário de um ano da minha filha mais nova que hoje está com oito anos. Eu tinha voltado a fazer plantão em UTI Neonatal e conversando ela me contou do projeto. Eu tinha uma conexão com a família da Fernanda, mãe do Antônio, e eu comentei sobre a ideia. Elas se conversaram e foi a primeira família que Evelen fez”, conta Juliana Moro.
Desde 2018 foram atendidas mais de 15 famílias nos hospitais Nossa Senhora das Graças, Nossa Senhora de Fátima e Maternidade Curitiba, todos na capital paranaense. O Nossa Senhora das Graças é onde mais teve registros, pois é onde Evelen tem contato com a médica pediatra e intensivista Lígia Kern. O projeto é voluntário e depende de indicação do médico que vai autorizar a entrada da fotógrafa no ambiente da UTI. Lígia Kern também passou pela experiência da UTI Neonatal com seus filhos gêmeos prematuros e destaca a importância de registrar esse momento.
“É um tempo de medo, de incertezas. Às vezes as mães não conseguem fazer o chá de bebê, as fotos de gestante, são pegas de surpresa diante da situação de emergência. E a saída do hospital é uma festa, uma celebração, é um momento para ser registrado, do seu prematuro”, salienta a médica. “Eu conheço os dois lados dessa situação”, comenta.
Como conhece essa realidade, Evelen conta que registra elementos que foram muito importantes na sua caminhada dentro da UTI. “Por exemplo a mãe lavando as mãos na pia, porque você tem que se esterilizar para tocar no teu filho, colocar o avental. As reuniões que tem fora, antes da entrada com os pais, o jeito que abre a incubadora. São detalhes bem pequenos que só quem passou por UTI sabe o valor que cada elemento tem. E eu entrego para as famílias todas as fotos da história completa”, declara Evelen Torrens.
Histórias de superação
O primeiro registro do SobreViver foi do Antônio, filho da Fernanda Cristini de Lima Coelho e do Thiago Avelino Correia, residentes em São José dos Pinhais. Antônio completou sete anos no dia 28 de outubro, e Fernanda ainda se emociona quando lembra. Ela teve uma pré-eclâmpsia o que levou ao parto prematuro. Antônio nasceu com 1,125 quilos e 35 cm. Ele ficou 75 dias na UTI do Nossa Senhora das Graças. Com 45 dias de vida passou por uma cirurgia do coração, depois precisou fazer outra cirurgia para hérnia. “O problema é que ele ficou muito tempo no oxigênio, não conseguia desmamar do oxigênio. Foi um processo muito cansativo. Quis desistir’, lembra a mãe.
“A sensação que esse projeto me proporcionou é indescritível. Eu gostaria que todas as mães de UTI, todos os pais de UTI pudessem ter essa oportunidade que eu tive porque é muito marcante, é o nosso renascimento, é muito mais significativo a alta da UTI do que o próprio parto em si. Porque ali sim você está tendo a certeza da vitória. Que o seu filho está vivo, que ele está bem, que você e ele superaram, conseguiram”, afirma. “E eu não esperava que fosse marcar tanto. A Evelen não tem foto da alta dos bebês dela e ela fez isso por mim. Ela foi maravilhosa, até hoje eu vejo as fotos, eu choro, eu lembro como se fosse ontem. Foi muito bonito”, conta Fernanda Coelho.
Além do registro no hospital, Evelen também registrou quando a avó materna encontra Antônio embaixo da árvore de Natal de sua casa. A avó não tinha sido avisada da alta e fizeram esta surpresa para ela, que se ajoelhou quando viu o pequeno Antônio. Hoje ele está saudável, e tem uma irmã, a Helena Maria Coelho Correia.
Outro caso registrado, também de superação foi do pequeno Davi, filho da Eli Maiara Bordignon e do Ismael Cardozo. Moradora de Francisco Beltrão, ela conta que teve que fazer o parto às pressas quando estava na 33ª semana de gestação. “Eu estava em uma consulta de rotina no ultrassom, o médico não soube ver o que aconteceu, mas o Davi apresentava várias alterações. Nesse momento fui transferida para Curitiba, a 480 km da cidade onde moro. Foi feito um parto de emergência. Quando nasceu no hospital ele não chorou, eu não o vi, ele foi direto para a UTI”, lembra Maiara.
“Com dois dias de vida ele fez a primeira cirurgia. No total foram quatro cirurgias, 123 dias internado na UTI e retirada de 16 cm do intestino”, conta a mãe de Davi. “Graça a Deus hoje ele é uma criança super inteligente está com seis anos sem nenhuma limitação”, comemora.
Maiara lembra que uma noite na UTI a doutora Lígia falou sobre a Evelen e o seu projeto “se eu queria receber essas fotos, ela me passaria o contato. Parecia um sonho que eu iria poder levar meu filho para casa. Na mesma hora já chamei a Evelen. Hoje tenho lembranças lindas da nossa família além de uma grande amizade. Ela é nossa fotógrafa e registra o crescimento do Davi”, conta Maiara Bordignon.
Emoção à flor da pele
Neste ano de 2024 Evelen fez registros de duas famílias, indicadas pela dra. Lígia Kern. A médica diz que fala do projeto para aquelas famílias que percebe que vão aceitar, com quem tem um bom relacionamento durante o tratamento, que passam muito tempo na UTI, que tem muitas intercorrências.
“Não que todas não mereçam, mas como a Evelen tem um projeto voluntário, tem a agenda dela, a gente acaba selecionando. Nunca recebi um não”, pontua a médica. “O projeto alivia a dor de não ter o registro de gestante. Você fica muito grata, como mãe, de ter conseguido levar seu filho para casa. É uma forma de expressar e agradecer, tem toda equipe do hospital que fica envolvida com as famílias também. É um momento de muito choro, muita emoção”, descreve Lígia Kern.
Mesmo já tendo fotografado tantas histórias de bebês prematuros em UTI Neonatal, Evelen Torrens ainda se emociona. “Toda vez que eu fotografo uma família eu lembro do dia que eu ganhei alta, e da força que é esse dia. É o dia mais importante de uma família de prematuros. E é uma emoção poder oferecer um dom que eu tenho, uma experiência que vivi com essas famílias e saber que elas se identificam com cada foto do que eu entrego para elas”, declara a fotógrafa.
“É de tão grande coração, de tanta verdade que eu sei que eles reveem essas fotos e sentem amor. Tanto que tenho contato com várias famílias. Eu me sinto privilegiada de entrar numa UTI, com uma câmera na mão e absorver aquele sentimento tão impactante. Você se despedir de cada um, sair empurrando a incubadora e passar por aquela porta. É valoroso demais passar pela porta, é um sentimento único”, afirma Evelen Torrens.
Prematuridade é a maior causa de morte infantil
Conforme a Organização das Nações Unidas (ONU), a prematuridade é a principal causa de morte infantil no mundo. O dia 17 de novembro é o dia Mundial da Prematuridade, e a campanha Novembro Roxo busca conscientizar sobre o tema. Segundo Ministério da Saúde, no Brasil a média é de 340 mil partos prematuros por ano.