Há alguns dias, o personagem Zé Gotinha, ícone do Programa Nacional de Imunizações (PNI), foi o protagonista de uma postagem nas redes sociais, na qual ele aparecia segurando uma arma de fogo para incentivar a vacinação contra o coronavírus (covid-19). Um dos motivos para a imagem repercutir foi ela ter sido postada pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, após o governo federal mudar o discurso para ser a favor da vacina. Outro motivo é que o Zé Gotinha é famoso e foi criado por um paranaense. São 34 anos de história e surpreendente importância para o sucesso das campanhas de vacinação brasileiras. O personagem reforça a necessidade de se prevenir doenças.
Na época de sua criação, por uma portaria de dezembro de 1987, o então ministro da Saúde era o médico, empresário e ex-deputado federal Luiz Carlos Borges da Silveira, 80 anos, natural da Lapa, região metropolitana de Curitiba, que ficou no cargo por um ano e meio até 1989. Com tantas polêmicas sobre a vacina da covid-19 no Brasil, e em meio às trocas de ministros da Saúde em um ano de pandemia, Borges da Silveira diz ter duas certezas: “sim para a vacina” e ”sim, o Ministério da Saúde (MS) não vem cumprindo a sua missão para com a nação”.
Com as declarações, o ex-ministro dá ênfase ao papel básico do MS, que, resumindo, é zelar pela saúde da população brasileira de forma estratégica, dando condições para estados e municípios fazerem isso. “Na verdade, na pandemia, vemos um ministério omisso, quando ele que tinha que ser o grande coordenador. O momento requer união porque o inimigo, o vírus, é forte. O que vemos são divergências com governadores, prefeitos… Virou um caso difícil de contornar. Politizaram uma situação que não poderiam politizar”, apontou.
Mas o lapeano admite que o cargo de ministro da Saúde é um lugar político. “Todo o cargo de confiança é político. Só que você precisa de alguém com o mínimo de conhecimento técnico da área para ocupar um ministério, principalmente o da Saúde. Pelo que consta, hoje, é o presidente que manda. Um crime”, diz, reforçando que a vacina é a única maneira de vencer a pandemia. “A vacina é o único caminho. Para virose, não tem tratamento específico. Tem antibiótico para bactéria, mas não tem força contra vírus. Tem tratamento sintomático”.
Referência em vacinação
A criação do Zé Gotinha deu a Borges da Silveira, e ao governo do presidente José Sarney, a possibilidade de iniciar uma caminhada para tornar o Brasil uma referência em vacinação, algo que se expandiu no Sistema Único de Saúde (SUS) e foi um marco. No Nordeste brasileiro, havia começado um surto de poliomielite, doença da paralisia infantil. “Precisávamos conter. O Zé Gotinha foi pegando, não teve imposição. As crianças se apegaram. Criamos o Dia da Vacinação. A cada três meses tinha uma vacinação e eu viajava para uma capital do Brasil. Hoje, o país mantém o melhor sistema do mundo de vacinação, exemplo para vários países”.
O nome do personagem foi escolhido por concurso escolar. “Quase que não ficou Zé, porque o presidente era o José Sarney”, brinca Borges da Silveira. “Mas o nome foi o que mais apareceu no concurso. Depois, teve um sorteio para premiar um dos alunos entre os vários que tinham escolhido o mesmo nome”, relembra.
O desenho do Zé Gotinha é do artista Darlan Rosa. Na época, o surto de poliomielite era mundial e havia uma campanha do Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para combater a doença. A Unicef patrocinou a criação de personagens em vários países, onde o surto existia. O objetivo era tirar o medo das crianças e das famílias de se vacinarem. A vacina da pólio foi desenvolvida pelo médico e cientista Albert Bruce Sabin. “Ele veio ao Brasil para a campanha. Estive com ele”, destaca Borges da Silveira.
Liderança
Segundo Borges da Silveira, o que falta ao MS neste momento é liderança. “Só assim podemos ter esperança de que tudo caminhe bem para o fim da pandemia. O MS não assumiu o controle de toda essa vacinação, mas precisa fazer isso. Tem que comprar vacinas. Acabar com a insegurança porque está havendo um relaxo. Com a pandemia, isso ficou claro”, argumentou o ex-ministro em favor da vacinação.
Borges da Silveira já se vacinou em Curitiba, no grupo dos 80 anos. “Aguardei a minha vez”, comemorou.
Montagem de mau gosto
A imagem deu o que falar nas redes sociais e afetou a memória afetiva que muitos brasileiros têm do famoso personagem Zé Gotinha, que apareceu segurando uma arma com uma seringa acoplada na ponta.