Muito me intrigou uma rua no Boa Vista. Estava fazendo visitas às casas do bairro, algo rotineiro, já participo de missões realizadas por uma paróquia perto dali. Perguntando o nome das pessoas, notei algo curioso: todas tinham o mesmo sobrenome. Sim, Geronazzo no nome era comum a todos os indivíduos daquela via, da maior casa a mais singela moradia.

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Preparando-me para escrever este texto, fui a um sobrado azul, na Rua Manoel de Souza Dias Negrão, uma das poucas que não carrega o sobrenome italiano. Neste sobrado, uma moça me atendeu.

– Converse com o pai, ele conhece tudo dos Geronazzos, é aqui na casa do lado.

Fui até lá e uma senhora abriu a porta.

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– Ele está dormindo, mas você pode ir naquela casa amarela da esquina, lá mora minha cunhada e depois você pode ir na casa da minha neta, que mora na terceira casa daquela rua – falava dona Loete, enquanto me apontava as direções.

A cunhada de dona Loete se chama Matilde, uma senhora muito simpática e bem solícita comigo.

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– Seu Ludovico Geronazzo veio pra cá mais ou menos em 1880. Comprou os terrenos que pertenciam à Escolástica Silveira Meira, o que era toda essa região do Boa Vista e ainda pegava o Cabral e o Bacacheri. Aqui tinham muitas plantações de erva-mate e os Geronazzo começaram a plantar cereais, contava dona Matilde.

Ela tentava se lembrar de várias coisas, mas talvez pela idade não conseguia. Então, ela emprestou-me um livro que conta toda a história da família e do bairro e me alertou:

– Olha meu filho, vou te emprestar, mas me devolva. Só são três pessoas que têm essa raridade. Se você não me devolver, vou buscar na sua casa, já que conheço sua vó.

Aquilo me assustou, mas aceitei de bom grato e prometi devolver. Depois disso, fui à casa da neta de dona Loete. Por um espanto, conhecia ela. Foi minha catequizanda, o que facilitou a entrevista. Ela me contou que existem de 20 a 30 famílias com o sobrenome Geronazzo naquela rua e se orgulha da origem que tem.

– É muito legal você pensar que sua família é importante para a região, e que contribuiu para o surgimento do que hoje é o Boa Vista. A família é muito grande, eu não conheço a maioria dos meus primos, pois só temos contato até o quarto grau. Alguns nem moram aqui, mas a maioria é da região.

A Letícia estava contando também que a diferença da grafia do nome gera preconceito entre os membros da família e que existe muitas disputas internas.

– Têm muitas grafias diferentes para o nosso sobrenome. Eu tenho a original, mas tem com dois “s, com um “z”, com um “s”, isso devido a erro dos cartórios, que não reconheciam que era com dois “z”. Por causa disso, muito preconceito é gerado e muitas disputas internas, por outros motivos também, acontecem.

O Livro que Dona Matilde me emprestou

“Boa Vista, o bairro na história da cidade” conta como surgiu o bairro do Boa Vista. História esta que se confunde com a história da família Geronazzo no Brasil. Tudo começou com o patriarca Ludovico Geronazzo que nasceu em 1843, na Itália. Quando chegou em Curitiba, morou anteriormente na região do Tarumã. Era um visionário, pois trouxe uma nova forma de cultivo ao bairro. Foi casado com Judith Coper, com quem teve sete filhos. Destes, nasceram 47 netos, o que explica a multiplicação da família na região.

Segundo o livro, com a morte de Ludovico em 1918, seus 500 hectares de terras foram divididos entre os herdeiros, cercas foram postas e estradas foram abertas para facilitar o fluxo de mercadorias. Isto facilitou o nascimento de povoados em volta das estradas e o bairro se tornou mais populoso.

Com uma população maior, o bairro necessitava de algumas obras. Pelos anos 50 foi a revolução. Os Geronazzos ajudaram a construir os colégios Nossa Senhora do Rosário, Ermelino de Leão, Papa João Paulo I e Ricardo Krieger, além da maior construção arquitetônica da região, a P,aróquia Santo Antônio da Boa Vista.

Toda esta rica história veio a confirmar a importância que o visionário Ludovico Geronazzo e toda a sua geração tem para o crescimento de um bairro tradicional da cidade. Como dona Matilde me disse quando estávamos andando pelo bairro:

– É de se ter orgulho de se fazer parte dessa família. Os Geronazzos fizeram de tudo pelo crescimento do Boa Vista, porque amamos este chão.