Faleceu na madrugada desta quinta-feira (3), aos 95 anos, a jornalista Rosy de Sá Cardoso, pioneira entre as mulheres no jornalismo paranaense e importante figura na imprensa. Primeira mulher a ter registro profissional de jornalista no estado, Rosy atuou por mais de seis décadas nas redações paranaenses — quatro delas na Gazeta do Povo.

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A jornalista estava internada no hospital da Cruz Vermelha, em Curitiba.

De cantora a jornalista

Rosy entrou ao jornalismo por um infortúnio: um calo nas cordas vocais que encerrou prematuramente uma promissora carreira de cantora de boleros. Mas foi (principalmente) no jornalismo que Rosy se encontrou e fez história. Primeira mulher a ter registro profissional de jornalista e a se filiar ao sindicato da categoria no Paraná, Rosy começou a escrever nos jornais e frequentar redações quando a ideia ainda rendia a quem tentasse o título de vergonha da família – como a própria avó lhe disse. Isso sem contar os mais de 60 anos de atuação na imprensa paranaense.

O primeiro trabalho oficial no ramo foi como colunista social do jornal O Dia, quando Rosy tinha 21 anos. O ano era 1948 e, até aquele momento, ela trabalhava como servidora pública – primeiro do governo do estado, depois da prefeitura de Curitiba – e como cantora na Rádio Guaraicá – o que fazia desde os 14 ou 15 anos, quando ainda morava em Paranaguá.

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Os empregos contribuíam para o sustento de sua família, composta pela mãe, Xaguana Gomes de Sá (filha do herói da Guerra do Contestado João Gualberto Gomes de Sá), e os irmãos Regina e Jayme – o pai, também Jayme (Machado Cardoso), havia falecido oito anos antes, fazendo com que as mulheres da casa tivessem que se virar para sustentá-la enquanto o irmão, mais novo, estudava.

Sem coragem para operar o calo descoberto, deixou de cantar e passou a escrever roteiros de – e eventualmente até a apresentar – um programa em que misturava dicas de cuidados com a casa e crônica social. Chamou a atenção e recebeu o convite. O primeiro texto escrito por Rosy foi publicado n’O Dia em junho e, em agosto, veio a contratação, com carteira assinada e tudo.

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No início, ela mesma não se sentia tão à vontade no novo papel e, inspirada no cronista social Gilberto Trompowski, o G. de A., de O Cruzeiro, assinava seus textos como F. de X.: Filha de Xaguana. Mas a “saída do armário”, como ela mesma chamou o momento em que passou a assinar os textos com o próprio nome em relato, de 2008, ao jornalista e amigo José Carlos Fernandes, não tardou: em poucos meses, já havia adotado o “Rosy” ao fim dos textos.

Rosy trabalhou n’O Dia até 1951, quando uma troca na direção do jornal rendeu demissões generalizadas. “Vassoura nova varre bem”, escreveu ela em um texto de despedida publicado no jornal Diário da Tarde em 31 de maio de 1951, já que O Dia não cedeu a ela o espaço desejado. A frase, assim como o texto todo, já deixavam bastante claro um dos traços de sua personalidade pelos quais ficou conhecida. “Ela é esse tipo de pessoa que fala as coisas muito na tampa. Se ela não quer algo, por exemplo, não quer e pronto, já fala para você”, conta a jornalista Marleth Silva, que conviveu com Rosy por muitos anos na redação da Gazeta do Povo.

Foto: Arquivo/Daniel Castellano.

D’O Dia à Gazeta do Povo, do colunismo social ao turismo

De O Dia, Rosy foi para o Estado do Paraná, onde tinha uma página inteira para preencher com notas sociais e serviços culturais. Durou cerca de dois anos. Depois, passou a escrever para revistas como Panorama, Divulgação e Alta Sociedade. Seguia trabalhando com o colunismo social, mas já tinha experimentado de tudo um pouco no jornalismo.

Em 1950, por exemplo, não só entrevistou o candidato à presidência Cristiano Machado, como também cobriu o jogo do Brasil contra a Espanha pela quadrangular final da Copa do Mundo – aquele em que o 6 x 1 garantiu a vaga do Brasil na final contra o Uruguai. Onze anos mais tarde, se aventurou pela televisão, fazendo tudo – da produção à apresentação – para um programa de variedades que ia ao ar no canal 6, a TV Paraná, afiliada da Tupi. Até emprestar eletrodomésticos e utensílios em lojas como a Hermes Macedo para viabilizar suas ideias para o programa ela ia.

Entre uma experiência e outra, fez a primeira e muitas outras viagens ao exterior – e também suas primeiras incursões na editoria de turismo, à qual se dedicaria exclusivamente de 1969 a 1999. Aliás, até 1969, os trabalhos sem carteira assinada lhe garantiriam flexibilidade para se dedicar à paixão que herdou do pai – e que dividiu com a irmã, sua grande companheira de viagens. Depois, enquanto trabalhou no Diário do Paraná (oficialmente entre 1970 e 1976, apesar de ter começado no jornal cerca de sete anos antes) e na Gazeta do Povo (1977 a 2017), aproveitou as oportunidades criadas pela própria editoria e as férias para meter o pé na estrada.

Em 95 anos de vida, visitou cerca de 90 países nos cinco continentes – todos devidamente sinalizados em um mapa que mantém em casa -, fora as inúmeras viagens nacionais. Em uma ocasião, passou cinco meses em um navio chinês que abrigava carga e passageiros fazendo um cruzeiro de volta ao mundo. Regina estava junto. Em outra, levou Maria Theresa Brito de Lacerda, uma das mais de 20 primas com quem ia a barzinhos da cidade toda semana, para um passeio em Las Vegas. Logo no início da viagem, Maria Theresa se machucou e Rosy não pensou duas vezes: despachou a prima de volta para casa e seguiu viagem. As duas já beiravam os 80 anos.

O pique para viajar era o mesmo que tinha para trabalhar. Em 1999, depois de 22 anos à frente da editoria de turismo na Gazeta – e de 51 de carreira, retirou-se da função de editora para dar espaço a colegas mais jovens – mas seguiu na redação, escrevendo matérias, revisando o jornal e compartilhando experiência com os colegas mais novos. Só deixou de ir ao jornal em 2017, depois do fim do impresso diário e da mudança para o Tarumã – e muito depois do que ela mesma havia estabelecido para si como um limite. “A hora que o computador entrar, eu saio”, declarou em entrevista em 1990 para o projeto Memória Viva do Paraná, do extinto Banco Bamerindus.

“Ela é uma mulher forte e arrojada, que enxerga o todo e tem uma força para superar qualquer obstáculo. Ela uma visão de mundo muito interessante e um desapego monstruoso pelas coisas materiais. O valor das coisas para ela era diferente e estava nas viagens, em conviver com as pessoas, na busca incansável pelo conhecimento interno. são coisas assim que me inspiram nela”, diz a amiga e ex-chefe Ana Amélia Filizola – que foi também pupila de Rosy, trabalhando com ela na editoria de turismo logo que se formou.

Rosy de Sá Cardoso – que poderia ter sido chamada Asfaltina, por ter nascido na manhã em que o primeiro asfalto de Curitiba foi inaugurado – nasceu em 19 de dezembro de 1926, em uma casa que ficava na rua Pedro Ivo, à beira do rio. Passou a infância em Paranaguá, devido ao emprego de bancário do pai, e voltou a Curitiba pouco depois da morte dele, em 1942.

Quando não estava trabalhando ou viajando, escreveu poemas, dedicou-se ao estudo de história, pagou cursos e graduações de uma série de colegas que não tinham as mesmas condições financeiras que ela e desafiou regras da sociedade, sendo uma das primeiras curitibanas a usar calças em público, a dirigir – uma paixão – e a entrar em bares como o Rei das Batidas, que não atendiam mulheres. Nos Natais, fantasiava-se de Papai Noel, para a alegria dos filhos de seus amigos e de outras crianças. Não casou ou teve filhos, assim como seus irmãos, mas tem uma neta “de coração”, que ganhou pela proximidade com a família de uma grande amiga.

Correção
Inicialmente o texto citava o Rei do Mate como um dos bares em que Rosy foi uma das primeiras mulheres a entrar. A citação estava errada. O bar em questão chamava-se Rei das Batidas. Conforme relatos, o episódio em que Rosy e um grupo de amigas convencem o dono do estabelecimento a atender mulheres ocorreu na década de 1950. A franquia de alimentação Rei do Mate que existe em Curitiba hoje não existia à época.
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