Verdadeiro terror dos pais, a birra das crianças tem o poder de tirar do sério até os mais pacientes e compreensivos. Pior ainda é quando o escândalo acontece em lugares públicos: no supermercado, no shopping, no parque. Nessas situações, não é incomum que pais e mães se irritem, chegando à beira de “perder as estribeiras”. O problema é quando a irritação – reação normal de qualquer um diante do constrangimento – se transforma em fúria, e o que deveria funcionar como correção acaba se traduzindo em episódios de verdadeira desproporção.

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Um vídeo divulgado essa semana nas redes sociais chamou a atenção para o tema. Nas imagens, uma mãe ao volante ‘abandona’ a filha – uma menina de aproximadamente 6 anos – em uma via pública do bairro Novo Mundo, em Curitiba. Desesperada, a menina grita pedindo para não ficar na rua. Mesmo assim, o carro arranca e vai embora.

Foto: Reprodução

Replicadas aos milhares na Internet, as imagens filmadas em câmera escondida impressionam. A menina, aos gritos, tenta entrar novamente no carro enquanto a mãe continua dirigindo. Em um determinado momento, a criança cruza a frente do veículo para tentar impedir que vá embora.

O caso chegou ao conhecimento das autoridades e segundo informações do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente (Nucria) – responsável pela investigação – a motorista já foi identificada e deve ser intimada em breve. Não fica bem claro, no entanto, se o ato foi praticado como um tipo de punição à criança. Com a repercussão do vídeo, as Web entrou em polvorosa e comentários raivosos encheram as redes sociais, criticando a atitude da mulher.

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O caso traz à tona uma série questionamentos a respeito da criação de filhos e qual a forma correta de lidar com a birra. Afinal, punição é o caminho? De acordo com a psicóloga e coordenadora do Núcleo de Infância Adolescência e Juventude do Conselho Regional de Psicologia do Paraná, Talita Veloso, o método não apenas é ineficaz como também viola os direitos das crianças.

“Desde a entrada em vigor da Lei 13.010/2014, também conhecida como Lei Menino Bernardo, qualquer forma de punição física, como tapas e surras, além de xingamentos e castigos, perderam o status educativo. Atitudes como essas além de não gerarem nenhuma aprendizagem, provocam medo e esquiva por parte das crianças, além de serem passíveis de sanções legais sobre quem pratica”, explica.

Forma de comunicação

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Segundo a especialista, episódios de pirraça e manha, representam nada menos que uma forma da criança tentar conseguir o que quer, seja o doce na prateleira, o brinquedo na vitrine ou a atenção dos adultos. “Crianças tendem a fazer escândalo quando querem alguma coisa que não podem ter. É uma forma de comunicação. O problema é que muitos pais não sabem como lidar com esse constrangimento e acabam exagerando na forma de corrigir. Quando acontece em público então, é pior ainda, porque tende-se a querer resolver de forma rápida por conta do constrangimento e é comum perder o controle ou ceder à vontade da criança, o que acaba reforçando esse comportamento”, diz.

De acordo com a psicóloga, é necessário estabelecer limites desde os primeiros anos e acostumar os ouvidos dos pequenos a uma palavra simples: “não”. “Na vida adulta a gente ouve muitos ‘nãos’. A criança tem que se acostumar e entender que não poderá ter absolutamente tudo o que quiser, na hora que quiser. Isso faz parte do processo educativo”, afirma.

Ainda segundo Talita, casos como o do vídeo divulgado essa semana merecem toda a atenção, uma vez que refletem a realidade familiar de muitos lares brasileiros. “Para isso ter acontecido desse jeito é sinal de que essa relação provavelmente já havia sofrido episódios parecidos. Coisas assim não acontecem de uma hora pra outra. Essa, infelizmente, é a forma com a qual muitos pais ‘educam’ os filhos: cedem a todos os pedidos das crianças e depois não sabem como lidar com a birra que elas fazem quando ouvem ‘não’”, explica.

Atitudes extremas como essa, segundo Talita, não trazem consequências negativas somente a curto prazo. A falta de confiança nos pais e o sentimento de menos valia, resultado destes pequenos “sustos”, podem afetar a relação não somente com os pais, mas também com futuros companheiros.

“O sentimento de não pertencimento, de não confiança ou de desamor, a partir de eventos traumáticos, influenciam totalmente a personalidade da criança que, em muitos casos se torna um adulto que não consegue confiar em ninguém. A partir da adolescência isso acaba ficando ainda mais evidente e muitos não conseguem se manter em relacionamentos por medo do abandono. Não se pode, no entanto, generalizar. Nada é determinante, mas isso subjetivamente acaba aparecendo depois ”, finaliza.

Como lidar com a birra?

Para trazer algumas dicas de como lidar com a birra, a Tribuna conversou também com a psicóloga e professora de psicologia da Universidade Positivo (UP) Maísa Pannutti. Confira:

1 – Comece cedo: de acordo com a psicóloga, desde os primeiros anos a criança entende o poder que o choro tem sobre os pais. “Muitos acham que os bebês são pequenos demais para saber seu poder de influência. Não se engane. Eles sabem e entendem desde muito pequenos o quanto afetam os adultos. Não espere a criança crescer para educar. Desde que nascem eles entendem que podem repetir determinado comportamento a partir do reforço do mesmo. Ou seja, cada vez que a birra é atendida a criança tende a repeti-la depois”, explica.

2 – Faça acordos: antes de ir às compras, combine com os pequenos quantos itens cada um poderá escolher no supermercado, por exemplo. Ou que o limite será de uma guloseima, ou de brinquedo para cada um. Deixe claro que o acordo deverá ser cumprido e respeitado. Sem ‘chororô’. “O diálogo é essencial e pode evitar constrangimentos públicos. A criança entende que num acordo, os pais fazem uma parte e ela faz a outra”, ressalta.

3 – Ignore o escândalo: a partir do momento no qual a criança percebe que está conseguindo atenção o comportamento tende a piorar. “O ideal é não ‘dar audiência’. Se começar a birra, peça à criança, com calma e olhando nos olhos, para que pare. Caso não obedeça, ignore o ‘show’. Vire de costas e diga que a conversa só pode continuar quando todos estiverem calmos”.

4 – Em hipótese alguma ceda à birra: não se pode atender o pedido de uma criança nesses termos. “Isso apenas reforça o comportamento negativo e convida a criança a repetir a atitude”, afirma Maísa.

5- Em casos extremos vá pra casa. “Se o escândalo for público, primeiro respire. Tente recuar e se acalmar diante da birra. Se nada adiantar e o diálogo estiver impossível, interrompa a atividade e se retire com a criança do local. Em casa, e com a cabeça fria, o diálogo deve acontecer de forma que a criança entenda as consequências do seu comportamento e compreenda que não pode agir desta maneira”, finaliza.