O presidente da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), Ademar Traiano (PSD), está sendo pressionado a deixar o cargo após vir à tona um acordo em que ele admite ter recebido propina. O caso aconteceu em 2015 e está relacionado a outras investigações sobre corrupção que envolvem o grupo J. Malucelli, que inclui a empresa responsável pelo pagamento dos valores indevidos.
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A confissão de Traiano foi revelada pela RPC (afiliada da TV Globo no Paraná), pelo portal G1 e pelo jornal Plural após ser incluída pela defesa do deputado Renato Freitas (PT) em um processo movido contra o parlamentar pelo próprio Traiano. O presidente da Alep entrou com uma representação no Conselho de Ética da Casa após um bate-boca entre os dois durante uma sessão plenária, que culminou em Traiano ser chamado de corrupto pelo petista.
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Traiano chegou a conseguir uma liminar que proibia a veiculação das reportagens, mas a decisão foi derrubada pelo desembargador Rosaldo Elias Pacagnan, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).
Delação revelou pedido de propina
O acordo foi firmado no âmbito da delação premiada do empresário Vicente Malucelli. Na delação, firmada com o Ministério Público do Paraná (MP-PR) e homologada pela Justiça, Malucelli afirma que Traiano pediu R$ 300 mil em propina. Na reunião em que o valor foi acordado também estava o ex-deputado Plauto Miró (hoje União Brasil), que era primeiro secretário da Alep.
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A propina dizia respeito a uma licitação vencida pela TV Icaraí em 2012, que estava sob responsabilidade de Malucelli. A TV ganhou a concorrência para planejar e produzir conteúdos para o canal da Alep, a TV Assembleia. À época, a Casa divulgou que a licitação traria economia de R$ 1,51 milhão à instituição. O contrato teve vigência de três anos, com pagamento de R$ 318 mil por mês. Havia a possibilidade de renovação por mais dois anos.
Na delação, Malucelli diz que entendeu que, se a propina não fosse paga, o contrato com a TV não seria renovado.
Após negociações, o valor foi reduzido para R$ 200 mil – R$ 100 mil para cada deputado. O empresário gravou conversas com Traiano, que foram entregues ao Ministério Público.
Traiano e Miró confessaram pedido
O valor foi pago a Traiano em duas parcelas. A primeira, em dinheiro, foi entregue dentro da própria Alep. A segunda, em cheques, foi paga no prédio em que o deputado mora. Já Miró recebeu os valores na sede do Grupo J. Malucelli, segundo a delação.
Em dezembro de 2022, Traiano e Miró firmaram um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), no qual confessaram que pediram e receberam a propina. Pelos termos do acordo, ambos concordaram em devolver R$ 187 mil em uma única parcela. Com isso, não serão processados na Justiça. O processo que inclui o acordo está sob sigilo.
Outras empresas do grupo Malucelli participaram de ilícitos
O caso da TV Icaraí é apenas um envolvendo empresas do grupo J. Malucelli. Em agosto de 2020, o grupo firmou um acordo de leniência com o Ministério Público Federal (MPF) e com o MP-PR reconhecendo a participação em atos criminosos.
No acordo, as empresas confessaram ter pagado propina para obter favorecimento em licitações desde 2009. O acordo previu o pagamento de R$ 100 milhões como forma de reparação. Além disso, as empresas se comprometeram a fornecer informações e provas relevantes sobre a participação de outras pessoas em esquemas investigados pelo MPF e pelo MP-PR.
Uma das investigações que ganhou mais notoriedade foi a da operação Rádio Patrulha, que se debruçou sobre um esquema de pagamento de propina envolvendo o programa “Patrulha do Campo”, voltado à recuperação de estradas rurais no Paraná.
Deflagrada em setembro de 2018, a operação do Ministério Público Estadual prendeu o empresário J. Malucelli. Em delação premiada em 2021, Malucelli afirmou que participou, em 2011, de uma reunião em que houve pedido de propina.
O principal destinatário dos valores seria o ex-governador do Paraná e hoje deputado federal Beto Richa (PSDB). Richa chegou a ser preso na mesma operação, quando era candidato a uma vaga ao Senado. Segundo o MP-PR, o tucano seria o chefe de uma organização criminosa que fraudou licitações do programa, no valor de R$ 72,2 milhões. À época, o ex-governador negou acusações.
Mais investigações
O grupo J. Malucelli também foi investigado em desdobramentos da Operação Lava Jato, do MPF. Segundo o órgão, uma delas foi a Sépsis, de 2016. A operação apurou desvios em Fundos de Investimentos da Caixa Econômica Federal. Segundo as investigações, Joel Malucelli teria pago propina a Roberto Carlos Madoglio, que era superintendente da Caixa. O empresário negou as acusações.
A Operação Integração, outra que envolve o grupo, teve foco em irregularidades em contratos do governo do Paraná com concessionárias de pedágio que atuavam no Anel de Integração. A operação foi deflagrada em fevereiro de 2018.
Em março do mesmo ano, a J. Malucelli foi alvo da 49ª fase da Operação Lava Jato, que investigou o pagamento de propina no valor de R$ 135 milhões nas obras de construção da usina de Belo Monte, no Pará. O grupo fazia parte do consórcio que foi contratado para a obra.
Ainda em 2018, em setembro, foi deflagrada a Operação Piloto, na qual o grupo J. Malucelli também está implicado, segundo o MPF. A operação investigou irregularidades na duplicação da PR-323, entre as cidades paranaenses Maringá e Francisco Alves.
O que dizem os citados
O deputado Ademar Traiano afirmou não haver nenhuma investigação sobre os documentos, que estão em segredo de justiça. Ele afirma que o acordo foi vazado ilegalmente, já que era sigiloso.
O ex-deputado Plauto Miró não retornou o contato feito pela Gazeta do Povo. O governo do Paraná – que, segundo Traiano, apoiou a sua candidatura de reeleição à presidência da Alep – não comentou o caso.
Ao G1, a TV Icaraí disse que Vicente Malucelli teve o contrato rescindido em 2021, por “condutas incompatíveis com as regras de governança da empresa”. Já Malucelli afirmou que a nota da TV é “inverdadeira”, e disse ser colaborador do MP nos escândalos de corrupção investigados.
O MP-PR afirmou que não pode se manifestar, e que as investigações sob sua responsabilidade já receberam os encaminhamentos necessários.
Cronologia do caso envolvendo Ademar Traiano (PSD)
Dezembro de 2012
Licitação
A TV Icaraí, do grupo J. Malucelli, vence licitação para produção de conteúdo para a TV Assembleia.
Agosto de 2015
Pedido de propina
Segundo Vicente Malucelli, à época responsável pela Icaraí, o pedido de propina de R$ 300 mil foi feito pelo deputado Ademar Traiano. Plauto Miró estava presente na reunião.
Julho de 2016
Operação Sépsis
J. Malucelli é mencionado em desdobramento da Lava Jato que trata de desvios em Fundos de Investimentos da Caixa Econômica Federal.
Fevereiro, março e setembro 2018
Mais operações envolvem o grupo; J. Malucelli é preso
A J. Malucelli é implicada nas operações Integração, Buona Fortuna e Piloto. Em setembro, na operação Rádio Patrulha, do Ministério Pùblico Estadual, o empresário Joel Malucelli é preso.
Agosto de 2020
Acordo de leniência
Empresas do grupo J. Malucelli, incluindo a TV Icaraí, fecham acordo de leniência com o MPF e o MP-PR, confessando ter participado de atos ilícitos.
Dezembro de 2022
Acordo de Não Persecução Penal
Com o avanço das investigações, Traiano e Miró assinam um acordo em que admitem ter pedido e recebido e propina. Eles devem devolver R$ 187 mil como reparação.
Outubro de 2023
Processo no Conselho de Ética
Em outubro de 2023, Traiano move uma representação contra o deputado Renato Freitas (PT), após ter sido chamado de “corrupto” em uma sessão plenária.
Dezembro de 2023
Defesa de Freitas inclui trechos do processo
Nas alegações finais do processo no Conselho de Ética da Alep, a defesa de Freitas inclui trechos do processo que contêm a delação de Malucelli. O acordo com a confissão do presidente da Alep vem à tona.