A doença celíaca – que impede o consumo de glúten -, é uma condição que passa invisível por muitas pessoas que não possuem ou não convivem com quem é diagnosticado. Além de provocar inúmeras restrições alimentares, o que inclui até mesmo a impossibilidade de consumir alimentos feitos em panelas contaminadas com glúten, por exemplo, ela também pesa no bolso. Alimentos que geralmente possuem glúten e são reformulados em receitas sem essa proteína se tornam muito mais caros que os tradicionais.
Uma estimativa feita em 2022 pela Associação dos Celíacos do Paraná (Acelpar) aponta que a doença celíaca afeta 1% dos curitibanos. Ou seja, cerca de 20 mil pessoas. Desde meados de 2019, aqueles que possuem o laudo podem fazer o cadastro no Armazém da Família para adquirir produtos sem glúten por preços mais acessíveis. Pelo menos é isso o que está na teoria do projeto. Entretanto, na prática, o sistema apresenta alguns problemas.
Recentemente a prefeitura de Curitiba divulgou que possui cinco alimentos específicos para os celíacos nos Armazéns da Família. São eles: Cookie doce integral, Farinha de arroz, Fécula de mandioca, Fécula de batata, Macarrão (penne ou parafuso).
Apesar de ser uma iniciativa positiva, a oferta de alimentos é pouca e, conforme os relatos de celíacos que compram nesses locais, a reposição dos produtos nem sempre acontece com frequência e os preços, ocasionalmente, não são mais baixos.
A empresária Juliana dos Anjos conta que em 2015 foi diagnosticada com doença celíaca. Desde 2020, pouco tempo depois que a permissão do cadastro foi lançada, ela faz compras no Armazém da Família e diz que antes a variedade dos produtos era maior.
“Sempre valia muito a pena, tinha bastante variedade. Eu lembro que teve uma vez até que comprei bolachas, umas coisas diferentes, misturas para bolo, pão. Principalmente no último ano senti que caiu bastante a variedade. Ano passado eu fui várias vezes e não encontrei a farinha de arroz, que sempre tinha antes. Sempre só tem o macarrão. Da última vez que eu fui tinha farinha de arroz, mas o macarrão estava mais caro que em outros supermercados”, afirma.
Juliana geralmente faz compras no armazém da região do Boa Vista. Ela relembra que no ano passado, após ver uma matéria falando sobre os produtos para celíacos, questionou em qual endereço era, pois nessa unidade não achava o que estava sendo mostrado.

“Falaram que era no Santa Efigênia. Fui lá e não tinha tudo aquilo. E não é sempre que tem. Farinha de arroz, por exemplo, foi bem nessa época que eu perguntei para as atendentes e ela falaram que fazia meses que não tinha. É uma iniciativa muito boa, no começo era melhor mesmo, mas agora não está servindo tanto”.
Outra reclamação da empresária é sobre ter produtos apenas de marcas que não cuidam com a contaminação cruzada. As vezes o produto não possui glúten, mas ele pode ser contaminado por conta da falta de separação dos itens durante uma produção na fábrica, por exemplo. É o caso do polvilho disponibilizado no Armazém da Família.
“Sempre tem polvilho doce, azedo, mas é de uma marca que não cuida com contaminação. Então apesar de ter, a gente não pode comprar porque vai ter contaminação igual. Se pelo menos tivessem as farinhas básicas que a gente tem que usar”, comenta Juliana, que acrescenta que para uma receita básica sem glúten são necessárias pelo menos três farinhas diferentes.
Para tentar driblar os preços altos, ela revela que faz bastante coisas em casa. “Um pão caseiro é R$ 35 reais. É caro. Então tenho tentado fazer bastante coisa em casa. Só que o custo das farinhas também é alto. Tem uma receita de pão que eu faço que são seis tipos de farinha. E no armazém só tem a de arroz que eu posso comprar. Se tivessem pelo menos essas farinhas básicas e fossem de marcas seguras para nós por um valor mais baixo, realmente, já facilitaria”.
Pouca variedade e poucos produtos
Quem também confirma as poucas opções para celíacos nos Armazéns da Família é Bianca Camile dos Santos Filla. Diagnosticada há cerca de sete anos, ela começou a frequentar há pouco tempo os armazéns do São Braz, Fazendinha e o de Santa Felicidade – fechado em janeiro para mudança de endereço e sem previsão de abrir novamente.
“Para celíaco, especificadamente, as únicas coisas que eu encontrei até hoje foram o macarrão parafuso, só esse tipo, e as vezes tem a massa de bolo sem glúten. Até hoje encontrei uma vez só o cereal e não encontrei mais. O restante das outras coisas que geralmente tem e são repostas com frequência é para restrição com lactose e diabéticos”, conta.
Bianca reconhece que é uma boa iniciativa da prefeitura, mas acredita que poderiam ter mais produtos disponíveis, como o pão. “Eles só colocam um tipo de macarrão, um tipo de bolo. A gente não come só isso. Tem tanta coisa que pode por. O que o pessoal mais reclama é que não tem opção de um pão. Seria importante, se pudesse, ter um pão para gente. Poderiam ter biscoitos, bolachas, pensando no café. Porque é o básico que as pessoas comem”, reclamou.
Outro ponto levantado por ela é a pouca quantidade de produtos. “O de Santa Felicidade era bem maior [em comparação com o do São Braz] e mesmo assim a quantidade de produtos era igual. Você vai e tem disponível, por exemplo, quatro pacotes de massa de bolo. Macarrão também, tem no máximo oito pacotinhos. Então assim, acaba muito rápido. Até mesmo para pessoas com restrição a lactose. Eu também tenho, além da doença celíaca. Tem que ir com frequência, porque não é sempre que tem. As vezes na próxima você quer pegar um iogurte e não tem e não se sabe quando vai ter de volta. A variedade é bem pequena mesmo” reclama.

Como nem sempre consegue encontrar os alimentos que precisa, Bianca vai, geralmente, duas vezes por mês nos armazéns. Ela relembra que em dezembro de 2024, quando foi na metade do mês, não encontrou nada. “Não tinha mais absolutamente nada de restrição. Em nenhum dos três: Fazendinha, Santa Felicidade e São Braz. Perguntei e falaram que a reposição era só em janeiro. Eles [funcionários] não tem muita informação para passar para gente. Já ouvi um funcionário lá falar que depende do que mandam para gente”.
“O problema é a gente saber se vai ter reposição na próxima vez que a gente for. Sempre tem que estar indo. Eu tenho disponibilidade, mas e quem não tem? Eu conheço muita gente que nem tem cadastro porque fala que não vai valer a pena, porque não tem como ficar indo”, acrescenta.
Falta de reposição é um problema geral no Armazém da Família?
Diferente de Juliana e Bianca, que fizeram o cadastro no Armazém da Família com a intenção de comprar os produtos sem glúten, Claudia Aline Divino já tinha a inscrição quando começou a visitar a seção de alimentação especial. Isso porque, em janeiro deste ano, a filha dela, de oito anos, foi diagnosticada com doença celíaca.
Mesmo com a mudança recente na alimentação, a família já percebe a diferença dos preços. “O preço é bem mais alto. Normalmente o pão fatiado paga R$ 8. O pão fatiado sem glúten é na casa dos R$ 20. Então tem produto que duplica ou triplica o preço. Uma farinha de trigo normal, a gente paga no mercado R$ 4 mais ou menos. Um mix de farinha é na média de R$ 17”, relata.
Sobre os valores dos produtos disponíveis no Armazém da Família, Claudia afirma que o preço da farinha de arroz é bom. Em contrapartida, comparando com supermercados, o macarrão, da mesma marca, é mais caro. Ela acredita que poderiam ter mais produtos para celíacos, como o pão, outras farinhas necessárias para as receitas e outros tipos de bolachas.
“Tem uma massa de bolo pronto que é deliciosa. Só que não é sempre que eu vou que eu acho. A última vez que eu fui não encontrei polvilho, nem o doce e nem o azedo, que são produtos que o celíaco pode comer também”.
Sobre a falta de reposição dos itens, Claudia percebe que não é um problema exclusivamente dos alimentos sem glúten ou lactose. “Acho que é meio geral, é meio enrolado esse processo. Quase sempre faltam alguns produtos, não só desse nicho. A questão da reposição e da maior variedade seria muito bom, principalmente para quem tem criança. Tem muito produto que tem glúten, as vezes até gelatina, então a gente tem que ficar muito de olho nos rótulos na hora de comprar”.
Claudia vai duas vezes por mês nos armazéns e frequenta as unidades do Boa Vista e Barreirinha. Ela confirma que os dois enfrentam os mesmos problemas.
E aí, prefeitura?
Procurada pela reportagem da Tribuna do Paraná, a prefeitura de Curitiba disse que os 35 Armazéns da Família comercializam produtos especiais. Incluindo opções sem lactose e para diabéticos, são 21 itens.
“A Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (SMSAN), responsável pelo programa, busca ampliar permanentemente a lista de produtos especiais. Alimentos isentos de glúten, lactose e açúcar, como leite, manteiga, queijo, gelatina, arroz integral, polvilho, massa, achocolatado e adoçante, são adquiridos por meio de licitações públicas, um processo que leva, em média, 60 dias para ser concluído”.
De acordo com a prefeitura, “eventuais atrasos de reposição ou mesmo menor oferta de produtos ocorrem devido aos trâmites normais de um processo licitatório. Além disso, em muitos casos ocorrem ausência de fornecedores interessados, pela própria exigência de preço mais em conta”.
Secretaria quer melhorar atendimento aos celíacos
Na nota também consta que a SMSAN estuda melhorar o atendimento aos celíacos. “Realiza estudos contínuos para ampliar a oferta de farinhas alternativas, permitindo a fabricação caseira de pães integrais e outros alimentos sem glúten e sem lactose. Ainda para os celíacos, os Armazéns da Família oferecem diversos produtos naturalmente sem glúten, como arroz, polvilho, amido de milho e outros itens essenciais”.
Sobre os preços mais baixos em alguns mercados, a prefeitura afirmou que algumas redes varejistas fazem grandes promoções, o que pode atrair clientes, inclusive, do Armazém da Família.
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