Valorizar a estética negra. Foi com esse objetivo que a Marcha do Orgulho Crespo começou em Curitiba. A primeira edição aconteceu em 2016, depois que algumas mulheres negras decidiram fazer um evento para valorizar os cabelos afro e realçar a beleza de cada um. Neste ano, a 9ª marcha aconteceu no dia 09 de novembro.

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A Tribuna do Paraná divulgou o evento e pelas redes sociais, e muitos usuários debocharam e criticaram o movimento. “Tá na hora de nós, os polacos, descendentes de poloneses criarmos o dia dos polacos, seria top também”, comentou um. “É uma ‘forçação’ de barra para tudo ao que diz respeito aos afrodescendentes que dá até raiva”, escreveu outro.

Afinal, por que criar um evento que valoriza o cabelo crespo em Curitiba incomoda tanto? Apesar de Curitiba ser a capital da região Sul com maior percentual de pessoas negras, 24% de acordo com o Censo de 2022 do IBGE, o racismo estrutural ainda é muito forte na cidade.

Proprietária do Deby Tranças, um salão especializado em cabelos afro que fica no bairro São Francisco, em Curitiba, Debora Caroline Pereira foi uma das incentivadoras do evento.

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Ela revela que a marcha saiu do salão, quando mulheres como ela, Neli Gomes da Rocha, Michele Mara e Cássia Melissa conversaram e disseram “não temos nada a perder, vamos”.

Além da caminhada anual, a Marcha também realiza outras ações durante o ano. “A marcha é uma das minhas realizações mais satisfatórias. A gente vai nas escolas. Tem comunidade que a gente chega e as meninas não tem cabelo para trançar porque teve corte químico ou cortou. Mas a gente põe uma florzinha, dá um kit, conversa, arruma uma maquiagem e elas já se sentem acolhidas. Elas começam a perceber que tem outras iguais a elas. Quando você não se sente mais sozinho, isolado. Você sabe que tem outros indivíduos que se conectam com algo semelhante a você, já se sente mais forte, muito mais potente. A Marcha vem fazer esse contato. Quando a gente se junta, eles entendem que não estão mais sozinhos. São indivíduos diversos, mas existe essa comunidade que está aqui: a Marcha do Orgulho Crespo”, conta Deby.

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Ao pensar no resgate da autoestima das crianças e mulheres, ela se emociona ao relembrar uma situação que viu em uma escola, enquanto trançava o cabelo de uma menina.

“Um menino passava e xingava ‘cabelo de bombril’ para a menina. Ela viradinha de lado ‘ai tia, eu to com vergonha’. Quando eu terminei o trançado, uma trança simples, do ladinho, ela levantou e o mesmo menino passou correndo. A hora que ele foi correr, ele parou ‘epa, nossa, cara, você ficou bonita’. Ela olhou para mim ‘tia, ele parou de me xingar’. Mas eu falei pra ela ‘não espere o elogio dele. Você já é linda. Eu só dei um toquinho’. Ela olhou para mim e disse ‘tia, eu posso te abraçar?’. Foi um abraço tão apertado, um abraço tão acolhedor. Isso já tem mais de 10 anos e eu não esqueço o abraço dela. Eu acho que é nessa hora, quando você leva porrada todo dia, mas vem alguém, esse foi o abraço da minha vida. Eu digo que não é sobre o cabelo, é sobre acolher. A gente tem que transformar sim, tem que mostrar que nós somos potentes, cada um dentro da sua diversidade, cada um dentro da sua individualidade, todos nós somos especiais”, diz.

Deby também comenta que a Marcha também surgiu para ressaltar a importância da estética negra em todos os ambientes, algo que nem sempre é respeitado.

“Em muitos lugares que você vai fazer entrevista eles perguntam ‘mas você vai vir com esse cabelo assim?’. Tenho várias meninas que mudam o cabelo por conta do ambiente de trabalho e que nas férias assumem o cabelo, trançam. Acho que a importância é sobre como a gente usa essas ferramentas da estética para não só viver, mas também passar a pensar que você pode ir além. Empreender, profissionalizar, capitalizar, ganhar, aumentar, investir. O que você veste é o seu posicionamento. É como você passa sua linguagem de quem você é, de onde veio, para o mundo. Então usar dela e de tudo o que ela tem é nossa ferramenta. Claro, mês de novembro tem esse boom, mas a gente está todos os dias fazendo e reinventando”, acrescenta.

Um legado contínuo

Para ela, o trabalho da marcha, as conversas que acontecem no salão, o apoio entre as mulheres negras resulta em fortalecimento para as outras gerações. Isso também resume o legado de Deby.

“Se eu não estiver mais, minhas sementes vão estar de alguma forma pulverizando que outras mães tenham autonomia, independência para conseguir criar os filhos. Porque uma mãe bem resolvida, são filhos potentes. São filhos que vão ter menos arestas para aparar. Não que não vão ter, o mundo é um grande leão. Mas que eles tenham outras ferramentas. Se um dia eu chorei porque me xingaram na escola, hoje minha filha não faz isso. Minha filha diz ‘eu sou linda, meu cabelo é crespo. Não entendi, você que tem problema comigo, eu não tenho problema nenhum’. Então essa ferramenta ela tem. Eu não tive, mas ela tem e a gente espera conseguir transformar e que o mundo seja, de formiguinha em formiguinha, cada vez melhor”, acrescenta.