O crescimento no número de casos confirmados de covid-19 em Curitiba nos dois últimos dias tirou a confiança da secretária municipal de Saúde, Márcia Huçulak, de que a capital paranaense já tenha passado pelo pior da pandemia. O plano de desabilitar leitos de UTI, anunciado na última sexta-feira (28), já foi revisto e a cidade se prepara para lidar com o aumento de casos por causa da maior movimentação de pessoas após a revisão da bandeira da cidade para amarela. A flexibilização das regras de combate ao novo vírus permitiu o funcionamento da maior parte dos estabelecimentos comerciais do município. Em entrevista à Gazeta do Povo, a secretária enfatizou que a taxa de transmissão do vírus voltou a crescer, disse que o esforço, no momento, é para manter o município sob bandeira amarela, mas lembrou que os critérios são matemáticos e que, se o índice passar de 2 novamente, a bandeira volta para laranja. Para ela, a pandemia virou uma espécie de “Atletiba”, onde se tem torcidas por diferentes decisões envolvendo lockdown ou até mesmo o uso ou não de remédios em tratamentos contra a doença.
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Confira a íntegra da entrevista com Márcia Huçulak:
Estávamos na quarta semana de redução no número de novos casos diários, até o crescimento registrado nesta terça-feira. Dá para afirmar com segurança que o pior já passou?
Não sei mais se o pior já passou. Esperamos que sim. Nas nossas análises, nas nossas curvas, tivemos o pico no final de julho. Entre os dias 15 e 30 de julho foi o pior momento da pandemia. A gente chegou a ter, até o dia 7 de agosto, 3.895 casos novos em uma única semana e 127 óbitos em uma semana. Batemos a casa de 97% de ocupação de leitos em Curitiba. Foi um período tenso, porque a gente só viu a curva subindo. Nos preocupou muito porque se continuasse subindo naquela proporção a gente teria que acionar os planos B, C e D da nossa estratégia de contingência. Mas, de 7 a 28 de agosto, tivemos uma redução de 32% nos novos casos, de sete pontos porcentuais na ocupação de UTIs, e redução de 42% nos óbitos. Fechamos a última semana com 74 óbitos, comparado com 127, é muito significativo. Tem uma redução, sim, a gente percebe, mas o que nos preocupa é que as pessoas ficaram muito eufóricas com a bandeira amarela e parece que esqueceram do vírus. O vírus segue aqui na cidade, não vai nos deixar. Nossa bandeira verde será com a vacina. E já vimos muita aglomeração no final de semana e o reflexo disso já aconteceu nas UPAs desde terça-feira. Por isso fiz o alerta novamente. Nosso R voltou a passar de 1 e agora vem o feriadão. Toda vez que há uma circulação maior da população, a gente percebe um aumento no número de casos.
A bandeira voltou para a amarela no limite, com o indicador em 1,9, sendo que a partir de 2, é laranja. Há o risco de voltarmos para a laranja a partir desta oscilação desta semana?
É o critério, quando se tem uma linha de corte, sempre tem o questionamento. Mas é o que está estabelecido, acima de 2 é laranja, abaixo é amarelo. Estamos mesmo no limiar, qualquer alteração mais sensível na curva nos devolve para o laranja. Não sei ainda. Tenho comentado a questão da bandeira laranja porque afeta todo mundo. É uma coisa muito chata e a gente também está cansado disso, de ficar regulando a sociedade, abre isso, fecha aquilo. Temos tentado fazer o equilíbrio das coisas, mas precisamos muito da cooperação do cidadão: do comerciante, do prestador de serviço, do dono do bar. A gente tem feito o esforço de acompanhar todos os casos, ampliar a testagem. Estávamos bem feliz que depois de chegar a quase 8 mil casos ativos em um dia, a gente tinha baixado para 3.900, mas ontem, chegamos a 4.100, subimos 200 em um dia. É uma gangorra, a gente tem que estar sempre equilibrando as coisas e precisa muito que a sociedade entenda que o vírus não foi embora.
Há risco de uma segunda onda com o abrandamento das medidas a partir da bandeira amarela e o relaxamento natural da população a partir disso?
Eu vi umas fotos do Largo da Ordem que custei a acreditar que eram de agora. Essa questão de equilibrar é fundamental. Entendemos que as pessoas estão perdendo emprego e renda e isso abala. É muito difícil para o cidadão ver a economia paralisada. Nosso esforço tem sido buscar esse equilíbrio o tempo todo. Não sei se volta para o laranja. A gente tinha programado a desativação de alguns leitos, até por questão de custo, já que pagamos pelo leito disponível, mesmo que não ocupado, mas, nesta semana, recuamos deste plano, deixamos ele em stand by, até porque a disponibilidade de leito tem peso grande na definição da bandeira também. A gente já observou, até analisando outros lugares, que toda vez que flexibilizou, voltou a ter um pico. Vimos na região norte do país, vimos na Europa. A Espanha está com um número de casos próximo ao que teve em fevereiro. Se esse aumento, aqui, for dentro do que esperamos, poderemos prosseguir; se extrapolar, não nos sobra outra opção a não ser recuar, para proteger o nosso cidadão. É um vírus que ainda não sabemos por que age de forma diferente em cada pessoa. Então não é só disponibilizar leitos de UTI – e nosso plano previa até mais leitos dos que habilitamos. Não faltou leito para ninguém e mil pessoas morreram. Temos que evitar a contaminação para evitar mais mortes.
A cidade chegou a ter 97% de seus leitos de UTI ocupados e chegou a faltar medicamentos para sedação de pacientes em alguns hospitais. Até agora, e torcendo para que não tenhamos novidades ruins até o dia da vacina, qual foi o momento mais duro deste enfrentamento da crise?
O mais difícil foi o começo, porque a gente tinha muita insegurança. A gente só recebia as notícias da mortandade na Espanha, no Reino Unido, que é referência para nós, um país superdesenvolvido, e ficava muito assustado. Se estava acontecendo aquilo no mundo desenvolvido, imagina o que aconteceria aqui. E o vírus era totalmente desconhecido para nós. A gente ainda lida com muito desconhecido, mas, agora, já temos muito mais informação, nossas equipes de UTI sabem como manejar, adquirimos expertise. E o fato de termos segurado a onda nos ajudou muito por isso. Se a pandemia tivesse chegado com tudo aqui em março, a mortalidade seria muito maior, por causa da falta de informação. Além disso, teve aquele problema com a dificuldade de comprar os EPIs, com a escassez de itens básicos como as máscaras cirúrgicas e o sobrepreço. Mas o pico em julho nos deu tempo para nos organizarmos e para nossas equipes ganharem segurança.
Houve, ainda, o problema com a testagem, que fez muita confusão na cabeça das pessoas. Ninguém quer receber esse diagnóstico, pois ele te condena a 14 dias de inferno, isolado e sem saber como vai evoluir. O teste padrão ouro é o PCR, e ele era escasso. E o teste sorológico era muito pouco útil, já que não é diagnóstico. Tinha gente que testava positivo no PCR e corria para a farmácia fazer um teste sorológico para contrapor. É óbvio que vai dar negativo. Fala-se muito em testagem em massa, em testar todo mundo, mas, pelas características deste vírus e do teste, que precisa ser realizado no momento adequado para não dar falso negativo, eu precisaria testar toda a população de Curitiba todos os dias. Hoje, conseguimos ampliar a testagem para todos os casos suspeitos leves, desde que a pessoa se apresente ao sistema de saúde.
O Ministério da Saúde mudou sua orientação sobre o momento de procurar um serviço de saúde, pedindo que as pessoas procurem já nos primeiros sintomas. A prefeitura tinha o protocolo de acompanhar o paciente leve à distância, com telefonemas diários e a recomendação para procurar a UPA só em caso de agravamento. A recomendação, aqui, segue sendo essa?
Essa pandemia virou um Atletiba: a turma da cloroquina contra o pessoal da ciência; a turma do lockdown conta a turma do libera tudo. E a gente sabe que não é bem assim. Eu entendo que a cloroquina é o desespero das pessoas que querem achar alguma coisa para se apegar e defender que a sociedade pode funcionar. O ministro esteve aqui, conversei sobre isso com ele, e deixei bem claro nosso protocolo: a gente não mudou nada. A gente sabe, hoje, pelo nosso mapa viral, que qualquer quadro respiratório que chega a uma UPA, 50% vai confirmar Covid, pois esse é o vírus que está circulando, nem gripe está circulando. Antes, a gente não tinha teste, então adotamos a conduta de testar todos os óbitos (independentemente da causa) e todos os pacientes que internaram. Como a gente não tinha teste para os leves e 87%, na nossa casuística, são casos leves, a orientação é ficar 14 dias em casa. Monitoramos as pessoas por telefone. Passou de 60 mil pessoas acompanhadas e mais de mil videoconsultas. Não se largou ninguém à própria sorte em Curitiba. Agora, estamos testando os casos leves, mas a conduta não muda: é 14 dias em casa. Outra coisa que adotamos foi a introdução da oximetria. Desde julho, a gente está indo na casa de todo paciente acima de 60 anos fazer a oximetria em casa, pois aprendemos que a pessoa, muitas vezes, não percebe a falta de ar da Covid.
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Além dos leitos de UTI, o SUS de Curitiba se equipou e se estruturou para o enfrentamento da Covid-19. Qual será o legado da pandemia para a saúde pública da cidade? Qual o destino, pós-Covid, do Hospital Vitória e do Instituto de Medicina, por exemplo?
O Hospital Vitória não é nosso, foi cedido pela Amil, numa parceria muito boa para Curitiba, uma estrutura maravilhosa, hospital pronto, que evitou que fôssemos para hospital de campanha. O contrato de comodato encerra-se em dezembro e vamos devolver para eles. Mas a cidade tem ganhos sim: primeiro, ganha o SUS. A sociedade percebeu a importância da saúde pública para a vida das pessoas. A gente também rompeu algumas barreiras que precisavam ser rompidas no Sistema de Saúde, como a da telemedicina, que era uma bobagem o Conselho Federal de Medicina ter travado isso, com toda essa tecnologia disponível. Agora, veio para ficar. A gente montou uma central do zero e ela vai ficar para a sequência. A telemedicina veio para ficar. Não tem sentido a pessoa sair de sua casa, às vezes num bairro distante, para fazer um retorno com o médico para ouvir dele “está tudo bem com seus exames, siga com o mesmo tratamento”. Também evoluímos muito em integração da atenção primária ao leito de UTI, sem espera, sem dificuldade de internação, sem falta de leito. Até no aperto que passamos com a falta de medicação, nosso trabalho em rede ajudou a contornar, com cada serviço disponibilizando a outro o pouco que tinha a mais. Estamos estudando a permanência de alguns desses leitos novos, principalmente no hospital do idoso, onde devemos ficar com 16 leitos a mais. Mas o grande legado é o reconhecimento do nosso sistema de saúde, que se mostrou capaz de atender a todos os curitibanos.
Nesta gestão de crise, sabemos que não foi só a visão da saúde que foi ouvida e respeitada. Teve toda uma questão econômica e social envolvida também e, algumas vezes, decisões foram tomadas pela prefeitura tentando equilibrar a posição da saúde com a de outros setores da cidade. Como foram esses embates internos e como lidar com a pressão de todo o empresariado, por exemplo?
A gente entende as pessoas. Entendo o comerciante que vive da sua loja, que tem um ou dois funcionários que também dependem: o dono do restaurante. Hoje nós já temos segurança sobre algumas coisas, que aprendemos com a convivência com o vírus. Como, por exemplo, as três atitudes efetivas da população para conter a propagação: o uso da máscara, o distanciamento social e evitar aglomerações. Abrimos os shoppings de segunda a sexta até para avaliar o impacto, e não teve impacto. Porque se as pessoas forem ao comércio seguindo esses três protocolos básicos, não há problema. A gente foi aprendendo. Claro quer foi difícil, foram os dias mais difíceis da minha vida profissional e pessoal. Fui muito ameaçada, fiquei assustada, fiquei com medo. Teve manifestações, tentaram chegar na minha casa, minha família ficou muito assustada. Entendo meu papel institucional e que não eram protestos contra a minha pessoa, mas contra o que eu represento. Sou a porta-voz de um comitê enorme que toma essas decisões, com muita gente de fora da Secretaria, inclusive. E tenho que fazer jus à figura do prefeito, que nunca me determinou que liberasse isso ou aquilo, sempre foi respeitoso com as decisões do comitê. Foi muito difícil para ele também, teve manifestações na prefeitura, na casa dele. Ninguém queria essa situação. Esse vírus virou o mundo de ponta-cabeça, todas as economias foram abaladas. Hoje compreendemos o que pode e o que não pode, a ponto de permitirmos, até, a abertura do bar, mas nos ajude, dono de bar, não deixe o povo fazer “muvuca”.
Olhando para o que aconteceu nos últimos meses, a pandemia sofreu flutuações nítidas, conforme maior ou menor adesão da população às orientações, ou acabou seguindo seu próprio rumo?
Fica muito clara a mudança da curva de acordo com o isolamento social ou a movimentação da sociedade. Naqueles dias mais frios de agosto, tivemos índices de isolamento maiores que no período de quarentena restritiva. E os números baixaram bem. Neste final de semana, houve toda essa movimentação que já falamos e nossos relatórios das UPAs já mostraram para ontem e hoje [quarta-feira, 2], entradas de quadros respiratórios semelhantes aos de julho, e isso que nos assustou.
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Como foi lidar com as diferentes decisões e orientações do governo federal, que trocou o ministro da saúde duas vezes durante a pandemia e, também com os diferentes decretos estaduais?
Acho que o Supremo agiu certo. Nós temos uma diferença muito grande, primeiro porque as curvas são diferentes, a pandemia chegou em momentos diferentes em cada região. Não tem sentido uma decisão única para todo o país, cada estado, cada município precisa decidir de acordo com seu momento epidemiológico. Com o governo do estado, a gente trabalhou muito alinhado. Não teve divergência. Teve um período que eu falava diariamente com o secretário Beto Preto. Procuramos alinhar toda nossa conduta de vigilância, de protocolos com o governo do estado. Com o governo federal, apesar de alguns pensamentos diferentes, isso não influenciou, pois a gente já tinha nosso protocolo definido, estávamos preparados desde janeiro. Confiamos na nossa equipe técnica e fomos olhando para a nossa realidade, pois, no Brasil, a situação é muito diversa, é um mundo à parte. Não classifico como divergência, pois, no cenário nacional, não há como seguir uma regra todo mundo ao mesmo tempo.
Já dá pra voltar cinco meses no tempo, avaliar as decisões tomadas em março e ponderar se, naquele momento elas fora muito duras, se poderíamos ter esperado mais para adotar as medidas de isolamento, já que no pico, em junho, os índices de isolamento foram bem menores do que em março e abril. Ou o tempo que se ganhou para preparar o sistema de saúde para ter leitos, insumos e profissionais neste momento de pico, valeu o esforço inicial?
Eu não gosto de falar disso porque eu apanhei muito depois que falei isso. Em março, eu fui ao conselho das universidades pedir para não fecharem em 16 de março. Era muito cedo, a gente sabia que o vírus não era comunitário. A gente tinha uma dúzia de casos e todos de pessoas que retornaram da Europa. Foram identificados e isolados. A transmissão comunitária, aqui, começou no final de abril. Então, nós podíamos ter caminhado até lá sem fechar. Mas não tem um decreto nosso, porque eu discuti muito isso com o prefeito, determinando o fechamento de nada lá atrás. A gente disse apenas o que era essencial e não poderia fechar. A sociedade foi que decidiu fechar. Mas entendo aquele momento também porque tinha um temor muito grande por conta do que estava acontecendo no mundo e começava a acontecer no Norte do Brasil. A gente não tinha certeza de nada. Vai que não fecha e explode a pandemia aqui? Não sabemos. Talvez tenha nos ajudado a segurar a curva e trazer o pico para o momento em que estávamos melhor preparados. É fácil, depois que passou, dizer que faria diferente. Difícil é tomar a decisão no momento em que ela precisa ser tomada. Olhando para trás, claro que identificamos e reconhecemos alguns erros, mas passamos pelo pior da pandemia sem ter faltado nada para nenhum paciente.
A questão da volta às aulas, agora, é o problema mais delicado que a administração pública tem que lidar? Depois que praticamente toda a cidade voltou a funcionar, as pessoas estão trabalhando normalmente e as crianças seguem em casa?
É um assunto polêmico. Olhando os outros países, os primeiros setores que voltaram quando a pandemia baixou foram as escolas. No mundo desenvolvido, na Europa, as escolas voltaram. Tem uma resistência que é muito mais das corporações e que tem assustado os pais. E eu acho que a sociedade não fez uma discussão que é vital. Eu entendo que, para aquela mãe classe média, classe média alta, que está em home office, que tem em casa um bom computador, uma boa internet, se não quiser que não volte. Mas a gente trabalha muito com vulnerabilidade em saúde. E, quando penso na escola pública, é diferente. Eu tive no início da pandemia pedido das administrações dos hospitais para deixar algumas creches abertas para os filhos dos trabalhadores dos hospitais: do pessoal da limpeza, da cozinha, da portaria, que não tinham com quem deixar seus filhos e precisavam ir trabalhar. Agora, essa demanda aumentou, com muito mais gente trabalhando fora de casa já. Como essas pessoas estão fazendo hoje? Essas crianças estão sendo largadas na vizinhança, sabe Deus como. Às vezes era a única alimentação equilibrada que elas tinham. Tinham atividades lúdicas, tinham aprendizado. Do ponto de vista epidemiológico, o índice de casos confirmados em crianças que precisam de internamento é de 1%. Óbitos, tivemos um, de uma criança que tratava leucemia, então, não estaria na escola. E do ponto de vista de sociedade essa discussão precisava ter sido feita e não foi. Eu tentei colocar isso em pauta, de abrirmos algumas escolas, para casos específicos, para dar suporte para as mães que são arrimo de família, para crianças que não têm internet e computador para fazer estudo em casa, mas fui massacrada. Não houve discussão sensata, houve questão ideológica, sem fundamento nenhum do ponto de vista da epidemiologia. Quem quer e pode manter o filho estudando em casa, que mantenha, mas e essa mãe que não tem alternativa e que está sem voz na sociedade. Está tendo abuso, está tendo violência, com essas crianças expostas nas periferias da vida. E a gente não estaria expondo, pois teria todo um protocolo e um trabalho para acompanhar essa criança. Mas não fizemos essa discussão como sociedade. A pandemia revelou uma coisa muito ruim do ser humano, que é o “cada um por si”. É muito triste. Algumas escolas deveriam ter sido mantidas para dar suporte a essas mães. E, agora, poderiam voltar mais escolas, mas é muito difícil, pois não está tendo conversa com as corporações. Isso me incomoda profundamente, mas a discussão com os professores não avança, não se pensa no papel social.
A imagem que se tem da senhora, até por ouvir servidores da saúde do município, ou mesmo o prefeito, é de uma pessoa bastante técnica, dura, mas discreta. De repente, a senhora passou a estar ao vivo, diariamente, falando com o curitibano. Muitas vezes expondo sentimentos e mesmo frustrações. Como foi ter toda essa exposição.
Primeiro, eu gosto do que eu faço. Estou aposentada da Prefeitura, poderia ter ido para casa. Mas não poderia me isentar neste momento da cidade. Tenho um compromisso. Não gosto mesmo da exposição, mas entendo que sou porta-voz de um grupo, represento uma instituição. Foi muito difícil. Também tivemos que fazer toda uma reorganização interna, perdemos 800 colegas afastados por estarem no grupo de risco. Tivemos reuniões tensas com os hospitais, que tinham remédio para mais dois dias. Mas aprendi a lidar com isso. Fez parte deste processo esses momentos de exposição e entendi que precisava me colocar como representante da instituição que tinha uma mensagem para passar. Sou firme, sou objetiva. Fomos muito transparentes. Não me acho dura, sou pragmática, talvez as pessoas lidem mal com isso.
Um dos momentos marcantes nas lives da prefeitura foi a bronca que a senhora deu, principalmente, nos jovens da cidade, depois daquele evento com pagode ao vivo em uma vila gastronômica da cidade. A senhora acha que a prefeitura conseguiu colocar na cabeça das pessoas a importância das medidas individuais de proteção?
Eu nem esperava falar daquele jeito. Fui para a live para fazer mais uma apresentação dos números, como sempre, mas, naquele final de semana, recebi muitas fotos, muitas ligações de gente cobrando atitude. Aquilo me incomodou e, na live, aquilo veio de improviso. Mas acabei sendo aplaudida pela bronca. O que aprendi com a pandemia é que a maioria não se manifesta. Tem uma sociedade que está fazendo tudo certinho, cuidando das pessoas de risco, seguindo os protocolos e está vendo uma sociedade que não está fazendo a sua parte. Eu acho que a parte boa daquela bronca – claro que foi pesada, mas eu não queria ter subido tanto o tom – serviu para mexer com os comerciantes. Depois daquele episódio eles vieram para a conversa. Mexemos com os brios deles e a partir dali eles vieram discutir com a gente, apresentaram seus protocolos. Até então, eles só estavam nos xingando por ter fechado, mas não apresentavam proposta de reabertura. Eu não entendo de restaurante, de loja de shopping de academia, eles que tinham que mostrar para nós como poderiam funcionar respeitando as regras sanitárias. A bronca serviu para esses setores saírem da paralisia e serem propositivos.
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Quanto às pessoas que insistem em não usar máscara, em não seguir as orientações, não tem muito o que ser feito. Mas, de modo geral, o curitibano aderiu e o comerciante tem sido muito importante para isso, exigindo a máscara dentro dos estabelecimentos. Vemos casos isolados, mas creio que tem uma boa adesão da população às medidas de precaução. Claro que há relaxamento, principalmente quando a pessoa vai para o bar. Ela já vai para o bar com o objetivo de relaxar. Tira a máscara para comer e beber, já não coloca de novo, é a juventude, quer ficar perto, quer abraçar e beijar. Até por isso fomos mais resistentes com os bares. Acho que a gente está bem, mas, sempre que for necessário, faremos essa chamada, como a de ontem. Quando você é diabético e não se cuida, a sua irresponsabilidade só traz consequências a você. Mas quando estamos falando de um vírus, sua atitude traz consequência para toda a sociedade. Então contamos com a compreensão de todos para conseguirmos manter o comércio aberto. Porque ir para a bandeira laranja, hoje, seria o caos, eu ia apanhar de novo, teria que me mudar de Curitiba.