O Ministério Público do Trabalho (MPT) ingressou, nesta semana, com uma ação civil coletiva cumulada com ação civil pública contra o Sindicato das Empresas de Transporte de Curitiba e Região (Setransp), o Sindicato dos Motoristas e Cobradores (Sindimoc) e dez empresas de ônibus. A acusação é de que as entidades sindicais e os empresários se articularam em conluio ao longo dos últimos cinco anos, para forçarem greves. Segundo o MPT, as paralisações eram usadas pelos acusados para pressionar o poder público a aumentar a tarifa e o repasse às empresas e, por conseguinte, o lucro dos empresários e a arrecadação sindical.
A ação é assinada pela procuradora Margaret Matos de Carvalho, que pede que os dois sindicatos e as dez empresas de ônibus sejam condenados a pagar, cada um, R$ 1 milhão, a título de danos morais coletivos – causados à população pelas sucessivas greves e aumentos do preço da passagem. Ela solicita, ainda, que os réus sejam condenados solidariamente a pagar R$ 50 mil, por dano moral individual a cada empregado lesado pela orquestração das paralisações.
Para a procuradora, o conluio entre as empresas de ônibus e os sindicatos configurou locaute – greve deflagrada com participação ou por interesse do empregador, artifício vedado pela legislação trabalhista. Entre as evidências que constam da ação, estão declarações prestadas judicialmente em audiências de conciliação, em que há menção à prática. Em uma delas, o presidente do Sindimoc, Anderson Teixeira, apontou que as empresas fecharam os portões, impedindo os trabalhadores de encerrar uma greve, em 2014.
“Se nós optamos pela greve branca e o empresário não solta o ônibus, a culpa não é nossa… Os motoristas estão aqui para trabalhar… (…) Os empresários não soltam o ônibus: Locaute!”, declarou Teixeira, na audiência judicial de conciliação.
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Mecanismos
A ação civil pública aponta que as greves começavam a ser gestadas com a alegação (falsa, segundo o MPT) do sindicato das empresas de que não haveria condições financeiras para pagar os salários, vales ou 13º salários dos motoristas e cobradores. De acordo com a procuradora, as empresas e os sindicatos provocavam nos trabalhadores a ideia de que precisavam fazer greve para que não houvesse atraso nos pagamentos. Margaret afirmou que as empresas chegavam a atrasar propositalmente os salários para criar “pânico real” nos motoristas, a ponto de levá-los a aderir à paralisação total.
Na avaliação da procuradora, era a partir das greves que as empresas conseguiam forçar o aumento da tarifa e o adiantamento de repasses da Urbs. De 2012 a 2017, o valor da passagem saltou de R$ 2,60 a R$ 4,25: aumento de 63,4%. O MPT menciona a auditoria do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), que “concluiu que a tarifa imposta à sociedade está excessivamente cara” e que os valores repassados às empresas “são mais do que suficientes”. Logo, os reajustes no preço da passagem não seriam necessários à manutenção do sistema, como alegavam os sindicatos e empresários.
A procuradora destaca ainda o papel do Sindimoc no que chamou de “enredo macabro”. Segundo a ação, o sindicato, em conjunto com as empresas, usava os motoristas e cobradores como “massa de manobra” para a satisfação de “interesses estritamente econômicos das empresas rés” e para “aumentar ganhos do próprio Sindimoc sempre que há aumento da tarifa”.
Segundo o MPT, o Sindimoc se beneficiava do aumento da passagem por causa do Fundo Assistencial, que é vinculado ao valor da tarifa. O fundo é repassado pela Urbs às empresas e parte desse dinheiro vai para o sindicato dos motoristas.
Outro ponto diz respeito a repasses para o custeio da assistência de saúde dos motoristas e cobradores, que ultrapassa R$ 10 milhões por ano. Segundo o MPT, se nas convenções coletivas o Setransp se recusasse a manter esses repasses, os recursos do Sindimoc “minguariam substancialmente”. O Sindimoc já é investigado pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR) e pela Polícia Civil – entre outros elementos – por indícios de fraudes na execução de serviços de sua assistência de saúde.
Análise
Para embasar a ação, a procuradora fez uma análise de todas as greves e ameaças de paralisações ocorridas desde 2012. Além das atas e declarações prestadas judicialmente pelos representantes dos sindicatos e das empresas, a autora da ação utilizou diversas matérias jornalísticas (que foram anexadas aos autos) de veículos que cobriam as negociações. Nas reportagens, há vários trechos que sugerem o conluio entre os sindicatos ou que fazem menções a suspeitas da orquestração de greves.
Uma das matérias traz entrevistas com o então prefeito Gustavo Fruet (PDT), que aventava a possibilidade de locaute. “Nós tivemos uma paralisação de dois dias em Curitiba em razão da não antecipação dos salários de algumas empresas para os trabalhadores. Estamos falando de 5 milhões. É expressivo, mas não é lógico que um sistema que movimenta R$ 1 bilhão em um ano paralise por R$ 5 milhões. Há algo muito maior em jogo ou algum tipo de pressão ou uma tentativa de locaute para estabelecer pressão e paralisar o serviço público”, disse Fruet, em matéria publicada pela Gazeta do Povo, em janeiro de 2015.
Outro lado
O Setransp informou que nem o sindicato nem as empresas haviam sido notificados até a tarde desta quinta-feira (20). Assim que tiver acesso à denúncia, a entidade deve se pronunciar.
Já o Sindimoc emitiu uma “nota de repúdio às calúnias criadas” pela procuradora Margaret Matos de Carvalho.
Veja a nota do Sindimoc:
É lamentável que tais calúnias sejam criadas e propagadas justamente por uma pessoa que integra um órgão tão importante de defesa dos trabalhadores, que é o Ministério Público do Trabalho. Margaret Matos de Carvalho evidencia um total desconhecimento para com a realidade da classe trabalhadora, o que é preocupante não só para motoristas e cobradores, mas para milhões de trabalhadores do nosso estado. São acusações completamente levianas, infundadas, fantasiosas e sem um mínimo de respaldo na realidade, uma total falta de respeito para com os trabalhadores do transporte coletivo, que sofrem, no dia a dia, problemas como atraso de salários e más condições de trabalho.
Todas as ações e negociações envolvendo motoristas e cobradores entre 2013 e 2017 foram realizadas com mediação do próprio Ministério Público do Trabalho (MPT), por meio do Sistema de Conciliação PROMO, mediadas pelo procurador Alberto Emiliano de Oliveira Neto. Em 2016, a mediação da negociação salarial foi feita diretamente pelo procurador-chefe do MPT 9ª Região, Gláucio Araújo de Oliveira.
As acusações também evidenciam desconhecimento do transporte coletivo. Margaret afirma que “aumentos da tarifa” aumentam arrecadação do Sindimoc. A afirmação é mentirosa. Não existe nenhuma relação entre tarifa e arrecadação sindical e fundo assistencial. O fundo assistencial é proporcional ao salário dos trabalhadores, e não à tarifa. Uma rápida apuração da Lei 12.597/08 (que determina como funciona o transporte coletivo em Curitiba) já é suficiente para trazer a verdade à tona. A arrecadação do Sindimoc só aumenta quando aumentam os salários, não quando aumenta a tarifa.
Mantemos nosso mais profundo respeito à instituição do Ministério Público do Trabalho, mas repudiamos veementemente essa atitude pessoal da procuradora Margaret que, ao que tudo indica, configura uso político do órgão por parte de um membro. Já é a quarta ação judicial infundada e caluniosa por parte dessa pessoa, em clara perseguição política aos dirigentes sindicais da atual gestão do Sindimoc. Em todas essas ações, o Poder Judiciário não acatou as denúncias feitas e deu ganho de causa ao Sindimoc. Eram ações nitidamente políticas, exclusivamente midiáticas, repletas de fragilidades jurídicas e inconsistências.
Lamentável que a procuradora do MPT faça vistas grossas a mais de um milhão de irregularidades cometidas por empresas, conforme levantamento do próprio MPT no âmbito do Grupo Especial de Fiscalização do Trabalho em Transporte (Getrac), e, deliberadamente, opte por dedicar tempo para fazer política sindical e atacar levianamente uma das entidades sindicais mais combativas do sul do Brasil. Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revelam que entre 2011 e 2017, cobradores de Curitiba e Região tiveram aumento real de 58% em seus ganhos e motoristas tiveram 46% de aumento real. Aliás, no mundo real, que “conluio” entre empresas e sindicato poderia resultar em ganhos tão expressivos para os trabalhadores?
Por fim, justamente por zelar pela instituição Ministério Público do Trabalho, sagrado organismo de defesa dos trabalhadores, é que entraremos com representações no Conselho Nacional do Ministério Público e na Corregedoria do Ministério Público do Trabalho denunciando o partidarismo e perseguição política de Margaret Matos de Carvalho. Não podemos admitir que o órgão seja utilizado como ferramenta política de grupos que não suportam ver os avanços salariais recentes dos motoristas e cobradores.