“Eu sou forjada na pressão”. É assim que Márcia Huçulak retrata a missão de coordenar a Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba (SMS) na pandemia do coronavírus. Exigente por natureza, a curitibana de 58 anos se classifica como uma obsessiva compulsiva. “Me vejo como síndica do interesse do cidadão. Eles pagam meu salário para que eu devolva com trabalho”, sustenta a secretária, que tem 34 anos de carreira na saúde pública.
+Leia mais! Curitiba vê o número de novos casos de coronavírus diminuir pelo segundo dia consecutivo
Com perfil mais técnico do que político, Márcia não é muito fã de entrevistas. Mas os puxões de orelhas pelo descaso da população, feitos diariamente no boletim oficial da prefeitura, já viraram sua marca registrada.
Nota do editor: A pedido de Márcia, a entrevista exclusiva para a Tribuna do Paraná foi gravada por telefone para respeitar o distanciamento social.
“Agora na pandemia as pessoas estão enlouquecidas. Vão na opinião de qualquer um no Facebook. Usam remédio sem comprovação científica. Eu fico até com pena. Vou dar o exemplo da invermectina. Ela serve para matar piolho, sarna. Mas para covid-19 não serve para nada”, cita Huçulak. “É muito difícil tomar decisões. A pandemia virou uma politicagem total”, desabafa.
As broncas ao vivo nas lives fizeram com que Márcia ganhasse fãs. O desabafo representa o que pensam milhares de pessoas, que não se conformam com a parcela da população que não respeita as orientações na pandemia.
“Eu podia estar em casa isolada. Estou aposentada e já cumpri meu tempo de prefeitura. Mas tenho uma contribuição a dar, não posso me ausentar. Tenho certeza que a melhor equipe para enfrentar a pandemia no Brasil está em Curitiba. As pessoas que estão aqui vestem a camisa”, garante.
Vamos entrar em bandeira vermelha?
Curitiba está em alerta laranja, com risco moderado e restrições para o funcionamento de serviços. Mas afinal, estamos caminhando para a bandeira vermelha, o famoso lockdown?
“Posso estar enganada, mas acho que a nossa bandeira não vai ficar vermelha em nenhum momento. Estamos trabalhando para isso”, revela. “Há um equívoco das pessoas que acham que se a gente fizer uma boa quarentena, tudo volta ao normal. Não vai voltar. Nós vamos conviver com esse vírus por pelo menos por dois anos. A vacina vai demorar. Eu sou pragmática quanto a isso”, presume a secretária.
Um dos fatores que pesaram para a análise de Huçulak foi o último decreto imposto pelo governador Ratinho Junior, no início de julho, que teve baixa adesão. “O decreto não mudou nada. A cidade não parou. Não foi culpa do governador. Mas as pessoas estão desesperadas precisando se sustentar. No nosso painel, o índice de isolamento ficou apenas de 2% a 3% maior”, justifica.
Para a secretária, o fechamento generalizado, feito em março, foi cedo demais: “Dia 15 de março eu pedi na reunião com os reitores que para que as universidades não fechassem. A gente tinha ponderações a fazer, mas eles fecharam e todo mundo foi atrás. Curitiba fechou antes da hora. Não era hora de fechar. Agora, ninguém aguenta mais”.
Sobre a flexibilização do decreto municipal, que liberou recentemente academias e estendeu o horário do comércio, Huçulak crê na cooperação dos setores: “Entendemos que precisávamos fazer uma parceria com a sociedade. Nós não iríamos a lugar nenhum fazendo um apartheid. Tem a turma do fecha tudo e a turma do abre tudo. Não é nem um, nem outro”, pondera.
Experiência com epidemia do Sarampo e formação em Londres
O jeitão firme da secretária vem da família, muito religiosa e ascendência ucraniana e italiana. Márcia sempre foi aquela aluna crânio de ferro, a famosa “CDF”, que acumulava estrelinhas douradas nos cadernos desde os tempos de Colégio Madre Clélia. E foi brincando de ajudar as Irmãs a cuidar dos colegas que se machucavam no recreio que surgiu a vontade de estudar enfermagem.
“Minha formação na PUCPR foi excelente. Recém-formada, trabalhei no Hospital Evangélico e fui chefe de enfermagem. Lá cuidei do primeiro transplante cardíaco do Paraná, feito pelo falecido Dr. Danton da Rocha Loures”, conta.
A entrada na prefeitura veio no final de 1985, quase sem querer. Duas amigas chamaram Márcia para prestar o concurso para o departamento de saúde – a secretaria ainda não existia na época – e só ela passou. “Foi engraçado porque estava trabalhando na época, mas eu sempre fui muito focada no que faço”, relembra.
Chamada em 1986 para a Saúde, ela ainda trabalhou por seis meses intercalando plantões no hospital à noite e na prefeitura durante o dia. “Eu montei o primeiro posto Atenas Augusta e peguei a epidemia do sarampo, em 1987. Na época, eu tinha um Fiat Oggi e botava a mãe no carro para sacudir criança morrendo. A gente fazia de tudo, suturava, dava soro. Era uma época mais precária”, recorda.
A paixão pela gestão pública foi intensificado quando Márcia decidiu se aperfeiçoar. Ela se especializou em Saúde Pública pela Oswaldo Cruz e ficou um ano na Inglaterra, estudando Planejamento e Financiamento em Saúde na Universidade de Londres. Nos 34 anos anos de carreira, Márcia Huçulak ocupou os principais cargos na Secretaria Municipal de Saúde e também na Secretaria Estadual de Saúde do Paraná.
“O problema na gestão no SUS aqui no Brasil é que infelizmente virou um cargo político. Não pode ser uma indicação meramente política. Os recursos precisam ser melhor utilizados. Mas eu já viajei e conheci a saúde pelo Brasil. Posso garantir que Curitiba está um passo à frente”, assegura.
Família é a fortaleza da secretária
A pressão e as noites sem dormir são amenizadas pela força da família, já enraizada no bairro Pinheirinho, que Márcia descreve como “sua fortaleza”. O maior cuidado é com os pais, Vladmir e Dilza, que têm 82 anos e estão no grupo de risco. Ela tem um filho, de 20 anos, e está no segundo casamento.
“Nossa casa sempre foi um ponto de encontro. Minha mãe é uma cozinheira de mão cheia. Eu vou ver meus pais, mas não entro e nem fico perto. Minha irmã é quem está cuidando deles. Meu pai é um churrasqueiro nato e agora ele inventou churrasco drive-thru. Aos domingos, a gente fica sentado na área mantendo a distância. E o copo de caipirinha não roda mais de mão em mão. É o novo normal”, finaliza Márcia.