Com a reabertura gradual da atividade econômica em muitas regiões e a necessidade de deslocamento da população, principalmente dos trabalhadores dos serviços elencados como essenciais, o transporte público passou a ser o principal elemento de risco na propagação da covid-19, mesmo nos locais que ainda aplicam medidas mais restritivas de isolamento e distanciamento social. Afinal, para que alguns possam ficar em casa, tantos outros precisam se deslocar diariamente em veículos muitas vezes apertados e pouco arejados, um ambiente ideal para a proliferação das contaminações. Seja nos ônibus, trens, metrôs ou terminais, a aglomeração de passageiros é um desafio a ser solucionado pelas operadoras do transporte coletivo e o poder público para tentar reduzir o risco que esses serviços oferecem.

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Na contramão do que vem sendo aplicado atualmente na maioria das grandes metrópoles brasileiras, que estão limitando a frota de veículos do transporte público em circulação para se adaptar a redução do número de passageiros, o professor de arquitetura e urbanismo da PUC-PR e especialista em gestão urbana, Carlos Hardt, sugere que a solução mais viável para o momento, num curto prazo, seria justamente a ampliação na oferta do transporte coletivo com o subsídio do poder público para manter o sistema funcionando normalmente, mesmo com menos usuários.

Aumentando a oferta de veículos, e não diminuindo, se consegue uma menor aglomeração de passageiros e com isso se reduz o risco de contágio. Essa análise, de acordo com Hardt, precisa ser socioeconômica e não financeira. “Esse gasto a mais, que necessariamente o poder público teria que subsidiar, custa mais ou menos do que o tratamento médico, ausência de trabalho para quem ficar doente ou um eventual óbito? Somando esses três fatores, certamente, é muito mais barato você subsidiar o transporte. Para curto prazo, não vejo outra saída”, analisa.

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Os riscos de contágio associados ao transporte públicos são mais críticos do que muitos usuários pressupõem. Um estudo realizado por epidemiologistas chineses, por exemplo, apontou que o passageiro de um ônibus na província de Hunan infectou outros usuários do transporte mesmo a uma distância de 4,5 metros. Na ocasião, tanto o passageiro contaminado quanto os demais infectados por ele não usavam proteção facial e as janelas do veículo estavam fechadas. Este caso, segundo os pesquisadores chineses, destaca a extrema importância do uso da máscara durante esses deslocamentos.

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O estudo também concluiu ainda que o vírus permanece dentro do veículo por aproximadamente 30 minutos. “Pode-se confirmar que em um ambiente fechado com ar-condicionado, a distância de transmissão do novo coronavírus excederá a distância segura geralmente reconhecida”, concluíram os médicos em um artigo publicado na revista Practical Preventive Medicine no mês de março.

Linhas exclusivas e escalonamento

Recentemente a prefeitura de Curitiba criou uma linha exclusiva para atender os profissionais que trabalham na área da saúde na capital paranaense. Aproximadamente 9,5 mil pessoas ligadas à saúde usam os ônibus na capital diariamente. O trajeto, inicialmente limitado à linha que faz o sentido Pinheirinho/Rui Barbosa, atenderá uma rota onde estão concentrados 13 hospitais, clínicas e centros de diagnóstico na cidade.

A Urbs realizou também um mapeamento inédito nos meses de maio e junho para identificar os setores que mais estão utilizando o transporte público durante a pandemia e com isso traçar estratégias para escalonar o funcionamento e horários de determinadas atividades para tentar reduzir o fluxo de passageiros nos períodos de maior movimento. Foi identificado que no período da manhã (7 h), o setor de serviços chega a responder por 58% do total de passageiros, seguido pelo comércio (17%), pessoas físicas (15%), indústria (4,4%), serviço público (3,4%) e agronegócio (1%). Já período da noite (17 h), os serviços representam 57% do total de passageiros, pessoas físicas (16,7%), comércio (15,8%), indústria (5,4%), serviços públicos (3,4%) e agronegócio (0,9%).

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Durante a apresentação da iniciativa o presidente do órgão, Ogeny Pedro Maia Neto, explicou que a medida tem justamente o objetivo de reduzir o fluxo de aglomerações de passageiros e diminuir o risco de contágio entre os usuários. “Com a plataforma de dados, podemos identificar as particularidades do sistema e propor uma nova distribuição dos horários de entrada e saída das empresas. Desta forma, somos capazes de reduzir os picos de utilização do transporte público”, afirmou.

Dentre outras medidas adotadas na capital estão a marcação de 1,5 metro nos terminais para manter o distanciamento dos passageiros, distribuição de folders e colocação de cartazes com dicas de prevenção, como a necessidade do distanciamento, uso do álcool em gel e a etiqueta respiratória (como tossir junto ao braço, se for o caso). A orientação de filas nos terminais é feita pelos fiscais, que chegaram a contar com o apoio da Guarda Municipal e do Exército neste tipo de controle.

Fiscais da Urbs acompanham e controlam a aglomeração de pessoas nos terminais de ônibus de Curitiba. Foto: Gerson Klaina/Tribuna do Paraná

Redução da frota

Na área de operação, os ônibus de Curitiba só podem circular com 50% de ocupação. Nos terminais, as principais linhas saem com ocupação máxima de 30% da capacidade. A medida, porém, nem sempre é eficaz. De acordo com a Urbs, mesmo com a redução do número de passageiros em relação ao período antes da pandemia – o movimento é cerca de 35% do registrado em uma situação de normalidade – várias linhas operam com 100% da capacidade. Nesses casos, há um reforço de ônibus reserva em caso de aumento repentino da demanda.

Higienização reforçada

Com relação à higiene, foram feitas assepsias especiais em todos terminais da cidade – incluindo o metropolitano Guadalupe – e na Rodoferroviária, além de todas as estações-tubo. A sanitização é realizada com peróxido de hidrogênio, conhecido pelo poder desinfectante. Atualmente, está sendo feita a sanitização dos pontos de ônibus metálicos. De acordo com a prefeitura, a higienização especial será realizada em todos os 2,6 mil pontos desse tipo na cidade. Dentro de alguns dias, o Exército deve fazer uma assepsia especial nos ônibus da capital. A frota operante será higienizada com quaternário de amônia e a ação deve durar 20 dias.

Limpeza no terminal do Campina do Siqueira contra o novo coronavírus. Foto: Luiz Costa /SMCS.

Integração fora dos terminais

Algumas mudanças no já tradicional sistema de integração da frota de ônibus da capital, que normalmente é realizada nos terminais, também tenta evitar aglomerações nesses espaços. A Urbs informou que atualmente várias integrações já não são mais feitas em terminais. De acordo com o órgão, o maior movimento nesses locais tem sido provocado pela integração com os veículos que vêm da Região Metropolitana de Curitiba. Os ônibus, administrados pela Comec, estão autorizados a transportar no máximo 65% da capacidade. Recentemente a prefeitura de Curitiba ofereceu 50 ônibus para o órgão estadual reforçar essas linhas.

Limitações

Já a Comec, que administra o transporte público em 19 municípios da Região Metropolitana de Curitiba, afirmou que também tem aumentado as orientações de higiene nos veículos, além da implantação de sinalizadores, avisos sonoros e materiais de orientativos nos ônibus. O órgão diz acompanhar a operação dos ônibus diariamente, fazendo a contagem do número de passageiros e realizando ajustes em linhas que apresentam lotação superior ao limite de 65%. Desde março já foram realizadas mais de 116 ajustes em linhas.

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“A Comec mantém conversa diária com os demais órgãos como prefeituras, Urbs, secretaria de saúde, associações, sindicatos, entre outros, na busca por soluções e melhorias na atuação do enfrentamento do covid-19, mas é preciso ter razoabilidade e entendimento de que esta é uma situação extremamente atípica, sofrida em todo o mundo e que não existe uma solução simples”, finaliza.

Paralisação do sistema

A Comec reconhece também a impossibilidade de se aplicar o distanciamento mínimo dentro dos ônibus e diz que a falta de colaboração por parte dos usuários e também do setor produtivo tem dificultado as ações de prevenção contra a covid-19. “Não existe como transportarmos 105 mil passageiros por dia, com 24 pessoas por ônibus, que seria uma lotação de bancos. Reforçamos que uma pandemia é uma situação que precisa ser combatida por toda a sociedade e que por isso é preciso que cada um faça a sua parte, ficando em casa ou utilizando o transporte em horários alternativos. A lotação dos ônibus em horários de pico demonstra claramente que a população (principalmente os empregadores), não está colaborando com tais medidas e que o transporte coletivo não pode ser penalizado por isso”, diz o órgão, que não descarta ainda uma interrupção na circulação dos ônibus caso as medidas de contenção não surtam o efeito desejado para evitar a propagação da doença. “Todas as alternativas são sim estudadas, inclusive uma eventual paralisação total do sistema”.

Estudo de prevenção

A visão de soluções para o transporte público não é consensual entre os gestores públicos e cada região acaba tomando ações que entende como mais efetiva à sua realidade. Determinações como demarcações no piso para garantir o distanciamento mínimo, marcação de lugares para evitar a aproximação das pessoas, disponibilidade de álcool em gel nos veículos, limitação de passageiros e restrição temporária do pagamento em dinheiro são medidas comuns e quase unânimes tomadas pela maioria das operadoras e prefeituras.

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Pensando em unificar e ampliar ainda mais essas ações, o Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura, da Fundação Getúlio Vargas (FGV CERI), desenvolveu um documento elencando uma série de alternativas para serem aplicadas por todos os atores do transporte público – usuários, operadoras e poder público – durante a pandemia de coronavírus no país. O estudo elaborado pelos pesquisadores Joisa Dutra, Gregório Costa, Rafael Schechtman, Luciana Costa e Miguel Zobaran é baseado em documentos técnicos e orientações de organismos de transporte e saúde e aponta soluções que podem ser aplicadas durante a pandemia.

O documento elaborado pela FGV orienta que mesmo as operadoras do transporte público que já possuem planos robustos de gerenciamento de emergências, devem adaptar seus projetos para a situação de pandemia. As medidas, segundo o estudo, devem ser aplicadas não somente aos passageiros, como aos funcionários do sistema de transporte público, que muitas vezes se encontram vulneráveis numa situação como a que estamos vivendo.

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Às operadoras, o documento sugere a adoção de barreiras de proteção de acrílico ou vidro para separar funcionários e passageiros, limpeza reforçada, seja por meio a vapor, desinfetantes ou infravermelho em estações e veículos para minimizar o risco de contaminação, ventilação de ambientes, limitação da ocupação de veículos, embarque pelas portas traseiras para se evitar o contato de passageiros e funcionários, como motoristas e cobradores, evitar o pagamento de passagens em dinheiro, pontos de checagem de temperatura de passageiros, além do fornecimento gratuito de máscaras de proteção facial, além do registro e controle de viagens para controles de infecção em caso de contaminação.

Exemplos de outros países

O mesmo estudo da FGV cita alguns exemplos para a prevenção da propagação da covid-19 que estão sendo aplicados em outros países e poderiam ser implantados também no Brasil. Em muitas metrópoles a proibição da venda de passagens em dinheiro, dentro dos veículos, tem sido utilizada para se evitar o contato físico entre passageiros e cobradores. Algumas cidades implementaram a compra de passagens exclusivamente por aplicativo, como Berlim (Alemanha), Barcelona (Espanha) e Auckland (Nova Zelândia). Já em New South Wales (Austrália) foram os próprios trabalhadores do transporte coletivo que deixaram de aceitar o pagamento em dinheiro, alegando o direito legítimo de se proteger contra práticas inseguras.

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Na China algumas cidades têm apostado em métodos eficazes, porém, pouco convencionais para a desinfecção dos veículos do transporte público. Em Xangai estão sendo utilizadas luzes ultravioletas para a desinfecção de ônibus. O processo leva entre 5 a 7 minutos e elimina mais de 99,9% dos vírus. Já em Hong Kong a operadora local está utilizando um robô para a desinfecção dos vagões dos trens. Eles se movem de forma autônoma nestes espaços enquanto pulverizam peróxido de hidrogênio vaporizado. Já em Pequim, a operadora de transporte público utilizou o agendamento eletrônico para que os passageiros pudessem acessar duas das mais movimentadas estações de metrô da cidade durante o horário de pico. Depois de escolher o melhor horário, via aplicativo, os usuários recebiam no celular no QR code válido por 30 minutos.

Operadora de transporte chinesa implantou robôs para fazer a higienização dos veículos. | MTR/Divulgação

Novos modais

Outras cidades preferiram deixar as soluções tecnológicas de lado e ampliar a estrutura para promover novos modelos de transporte e assim tentar evitar novas contaminações. Em Bogotá, na Colômbia, o governo local implantou 76 quilômetros de ciclovias temporárias na cidade para tentar reduzir a lotação do transporte público. Já na Filadélfia, nos Estados Unidos, algumas das principais vias foram fechadas temporariamente para o uso exclusivo das bicicletas, fazendo com que o tráfego de ciclistas em algumas vias tivesse um aumento de 471%.

Mudanças aumentam risco de contágio

A Rede de Políticas Públicas e Sociedade, formada por mais de 40 pesquisadores de diversos campos de estudos e instituições com o objetivo de aperfeiçoar a qualidade das políticas públicas do governo federal, governos estaduais e prefeituras, realizou um levantamento em junho alertando que as mudanças no transporte público das grandes cidades brasileiras têm aumentado o risco de contágio dos grupos mais vulneráveis.

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Segundo a pesquisa, elaborada pelas pesquisadoras Mariana Giannotti, Tainá Bittencourt e Pedro Logiodice – todos da USP e do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – a redução da frota adotada por várias cidades brasileiras durante as medidas de distanciamento social tende a piorar as condições de contágio por conta das aglomerações e da lotação. “No caso do metrô e trem em São Paulo e Rio de Janeiro, nas regiões periféricas, as mudanças no sistema de transporte elevaram em até 80% a frequência nas estações”, aponta o levantamento.

De acordo com o estudo, a redução da circulação de ônibus pode fazer algum sentido do ponto de vista financeiro, mas provoca lotações, aglomerações e aumenta, assim, o risco de contágio da população. Como solução, a pesquisa aponta que a utilização de veículos adicionais em trechos de maior lotação, juntamente com veículos expressos e diretos entre grandes terminais e polos de origem e destino de viagens, pode criar pontos de alívio e reduzir os custos associados ao maior número de veículos em operação. “O reforço de linhas locais e capilares que conectam as diferentes áreas da cidade às linhas estruturais de transporte público de média e alta capacidade também pode contribuir para reduzir a pressão por mais ônibus e aumentar a frequência do serviço”, conclui o estudo.


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