A partir desta terça-feira (18), com o decreto 1080/2020, Curitiba muda da bandeira laranja para amarela, o que permite uma flexibilização do comércio e outras atividades, com liberação de bares, parques, feiras e escolas de natação, mas ainda proíbe o retorno de aulas presenciais nas escolas. Sábado (15), durante uma missa em uma capela no bairro Alto da Glória, o prefeito Rafael Greca adiantou a novidade, justificando a decisão com a frase “o pior já passou”.
Segunda-feira (17), a secretária municipal de Saúde, Márcia Huçulak, explicou que a cidade vem apresentando cada vez menos casos ativos de covid-19 – pessoas contaminadas que podem passar a doença a outras pessoas. “Tivemos quase 8 mil casos ativos no dia 27 de junho e naquela semana a mais alta taxa de ocupação de leitos de UTI, que chegou a 97%. Hoje, temos 4.501 casos ativos. Para quem teve quase 8 mil duas semanas atrás, isso tem mostrado para que estamos numa decrescente”, revela a secretária o motivo o qual levou à flexibilização.
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Mas a Tribuna foi ouvir um pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e um representante da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) para fazer a pergunta de acordo com a afirmação do prefeito para justificar a mudança para a bandeira amarela: o pior realmente já passou em Curitiba?
Números ainda são altos
De acordo com os últimos boletins da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), já é possível dizer que Curitiba vem estabilizando o contágio dos casos de coronavírus. Mas afinal, é sinal mesmo de que o pior já passou? Para o presidente da Comissão de Enfrentamento e Prevenção à Covid-19 da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o bioquímico e professor Emanuel Maltempi, a capital e o estado passam sim por estabilidade, mas os estão números ainda altos e estáveis, o que não significa de jeito nenhum um bom quadro.
“Tenho que concordar que estamos numa aparente estabilidade, mas de forma nenhuma a estabilidade é boa. Estamos com números altos de casos e mortes diárias”, enfatiza o pesquisador. Na visão de Maltempi, a mudança de bandeira nesse momento é precipitada. “Se eu comparar com cidades da Espanha, Itália, França, onde houve grande números de mortes, atingiu-se uma estabilidade. Manteve-se uma rigidez de isolamento até que os números estivessem claramente decaindo. Os casos teriam que cair por várias semanas, duas a quatro semanas, para justificar uma mudança”, aponta.
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Para o professor da UFPR, a troca para a bandeira amarela pode causar sensação de que está tudo indo bem e assim causar uma nova onda de contágios. “Nesse caso, qualquer descuido pode gerar um descontrole da doença. Podemos ter um repique muito intenso por causa de uma falsa sensação de que está tudo bem. O mais aconselhável seria esperar mais duas semanas”, reitera o professor.
Estudos matemáticos revelam que apenas 10% a 20% das pessoas infectadas foram de fato são detectadas. “Baseado em modelos matemáticos, podemos dizer que para cada pessoa identificada existam mais cinco ou dez que não foram diagnosticadas, entre eles assintomáticos e oligossintomáticos [quando apresentam poucos sintomas]. O número não é tão pequeno. Estamos falando de algo próximo de 100 mil pessoas com vírus no Paraná”, alerta o pesquisador.
Como ainda não há uma certeza do número real de infectados, Maltempi acredita que seria melhor trabalhar com a possibilidade de um cenário menos otimista. “É melhor sempre ter mais cuidados”, reforça.
“Não existe bandeira verde”
A mudança para a bandeira amarela na visão do vice-presidente da Sociedade Paranaense de Infectologia (SBI), o médico Jaime Rocha, é uma grande aposta. “A gente só consegue dizer se já passamos pelo pior lá no futuro. Existem grupos tentando entender a pandemia se baseando em número de leitos, de óbitos, de casos. Isso que permite a gente passar de laranja para amarelo. Mas não existe bandeira verde, sempre vai haver um risco”, explica o médico.
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Para Rocha, o andamento da pandemia está ligado ao comportamento das pessoas daqui pra frente. “A bandeira pode até mudar para vermelha, tudo depende do comportamento das pessoas. Podemos ter academias com pessoas que vão respeitar o distanciamento, máscara, higienização. Mas podemos fechar tudo e ter pessoas fazendo encontros e festas com os amigos em casa, sem nenhum controle”, exemplifica o infectologista.
Rocha sugere um olhar para situação sem julgamentos ideológicos. “Vamos acertar ou errar. Essa possível abertura pode trazer sim o maior número de casos. Agora, esse número vai estar dentro do aceitável ou não? São apostas. Ficar tudo fechado também preocupa”, reflete.
Para o representante da SBI, as pessoas precisam se acostumar com a realidade da pandemia. “A gente sabe que não vai ter vacina e cura rápidas. Então a mudança depende do comportamento das pessoas”. Ou seja, distanciamento de 1,5 m de outras pessoas, uso de máscara e higiene de mãos continuam e devem continuar sendo primordiais.