Para muitos dependentes químicos, a Comunidade Hermon, em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba, pode ser um caminho para se livrar das drogas, tendo a fé como pilar. Para os vizinhos, a Comunidade Hermon é sinônimo de problema. São pelo menos 11 anos de desentendimentos, desde que foi feita a primeira reclamação por causa do barulho constante provocado por atividades da comunidade, como os cultos que, segundo depoimentos de quem mora nas redondezas, eram feitos com caixas de som e amplificadores.
Muito por conta dos problemas com os vizinhos da Hermon, uma decisão judicial de Colombo chegou a decretar no mês passado o fechamento e o despejo das pessoas que lá vivem. Entretanto, os responsáveis pela comunidade apresentaram justificativas em audiência e a juíza de Colombo Letícia Zetola Portes designou oito meses de prazo para que a comunidade se adeque às medidas exigidas, como conclusão dos alojamentos, melhora nas condições de higiene e sem perturbação do sossego.
A briga com a vizinhança é antiga. Depois das iniciais reclamações feitas ao pastor Ronaldo Reis Pereira, que na época estava à frente da Hermon, que não surtiram efeito, os vizinhos registraram queixa na delegacia de Colombo, no Ministério Público do Paraná e no Instituto Ambiental do Paraná (IAP), tendo em vista a poluição sonora causada pela música alta.
“Sempre com idas e vindas. Logo após uma queixa, eles paravam. Semanas depois, tudo recomeçava”, conta um dos vizinhos. Numa das visitas do IAP, os técnicos constataram uma pressão sonora bem acima dos limites permitidos, o que levou ao embargo dos equipamentos.
Pelo que observam, os vizinhos colocam em dúvida o atendimento prestado e a recuperação das pessoas dentro da Hermon. E, além do barulho, nos últimos tempos surgiu também a preocupação com o mau cheiro e com a higiene, em decorrência dos alojamentos temporários nos quais os moradores da Hermon estão.
Inspeções anteriores da promotoria de Justiça de Colombo foram feitas para verificar as condições de higiene, alimentação, tratamento terapêutico, administração, alojamento e transtornos aos moradores da região. Embora os responsáveis pela Hermon tenham informado à Justiça que o grupo de pacientes contava com o auxílio de voluntários (como psicólogos, auxiliares de enfermagem e outros), isso não foi comprovado por meio de contrato de trabalho.
O único tipo de acompanhamento realmente constatado pelo qual os pacientes passam é o religioso. Há cerca de três anos, uma visita da promotoria já dava conta que as moradias eram precárias e em número insuficiente para atender todos os internos.
Responsabilidade também é do Provopar e da Cohapar
O problema das moradias temporárias se deve às obras não concluídas das novas casas, de responsabilidade conjunta da Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) e do Programa do Voluntariado Paranaense (Provopar). Enquanto as novas casas não ficam prontas, os internos moram em alojamentos provisórios.
“A construção era para menos de um ano e já esperamos mais de três anos. As fossas sépticas foram construídas para durar seis meses e obviamente elas saturaram”, explica o pastor Marcelo. Segundo a Cohapar, as obras pararam porque a empresa ganhadora da licitação faliu.
Cerca de 75% das obras dos alojamentos já foram concluídas, faltando as instalações elétrica e hidráulica. O processo para a nova licitação começou em fevereiro deste ano e o prazo estimado pela Cohapar é de 90 dias para conclusão.
Questionada sobre a responsabilidade das atividades desenvolvidas dentro da Hermon, a Cohapar afirmou que o governo estadual apenas firmou uma parceria para auxiliar na construção das casas, mas que é a administraç&atild,e;o da comunidade a única responsável pelo que é feito lá dentro.
Capacidade está limitada atualmente
O lugar que já chegou a abrigar 300 homens hoje limita sua capacidade a 100 internos, que precisam frequentar as aulas oferecidas. A preocupação com o barulho também aumentou. Essas são algumas das mudanças que a Hermon está implantando, após 13 anos em Colombo, para melhorar sua imagem perante os vizinhos e a Justiça.”
A Hermon funcionou durante muito tempo de forma muito afetiva e hoje sabemos que não podemos descartar o profissional. De um ano para cá temos uma gestão nova, diferenciada do que era com o pastor Ronaldo. Muitos dos problemas eram causados porque nossos cultos eram realizados em uma igreja de lona que não retinha o som”, compara o pastor Marcelo Rocha.
Quem está à frente da instituição agora é a esposa de Ronaldo, Maria Aparecida. Hoje, dentro da área total de 36 mil metros quadrados, uma nova construção está sendo feita para abrigar os cultos, planejada com revestimento para reter a acústica.
Atender menos pessoas foi pensado para melhorar a qualidade da Hermon. “Das 100 pessoas aqui, pode-se dizer que 80% vão chegar ao final do tratamento. Vamos atender somente o que o nosso espaço permitir, em trabalho com nossa equipe multidisciplinar”, afirma o pastor, que caracteriza a Hermon como um “abrigo de permanência breve”, no qual os internos ficam por um período de até nove meses.
Mas eles podem entrar e sair do local quando quiserem. “Procuramos trabalhar o retorno à família ou, para aqueles que não possuem familiares, trabalhar sua autonomia”. Hoje, a única obrigação para quem estiver na Hermon é frequentar as aulas que são ministradas de segunda a quinta-feira no período da manhã. Muitos dos educadores que atuam na Hermon são ex-internos que continuam na comunidade para trabalhar.
Um deles, responsável pela cozinha, foi usuário de maconha, crack e cocaína dos 16 aos 20 anos. “Abandonei cedo os estudos e hoje trabalhando dentro da Hermon, penso em cursar uma faculdade. Talvez Educação Física”, planeja.
Outro exemplo de persistência é de Sérgio Moreira, responsável por cuidar dos idosos há mais de dez anos. “Meu desejo é ver essas pessoas melhores. São idosos que a família já não tem mais paciência de cuidar. Eu costumava ser mais rígido, mais orgulhoso e esse trabalho faz com que a gente mude várias atitudes”, avalia.