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Nova licitação do transporte público em Curitiba é a próxima batalha após a eleição

Na imagem, ônibus biarticulado vermelho, da linha Santa Cândida/Capão Raso.
Na imagem, ônibus do sistema BRT, da linha Santa Cândida/Capão Raso. Foto: Cesar Brustolin/SMCS

Com o término da disputa eleitoral, a cidade de Curitiba dará espaço para uma nova frente de batalha: a licitação do transporte público, prevista para ocorrer em setembro de 2025. Para decidir sobre o projeto, a prefeitura terá de conciliar um projeto de estruturação, que está sendo conduzido pelo BNDES, com as expectativas de usuários, da sociedade civil organizada e de empresas do setor, além dos apontamentos levantados pelo Ministério Público do Paraná durante investigações de fraudes na licitação anterior, realizada em 2009.

O BNDES foi contratado em outubro de 2023 pela Urbs (Urbanização de Curitiba S/A), empresa de economia mista que administra o sistema de transporte da capital, para estruturar o projeto de concessão – que pode ser também uma parceria público-privada – dos serviços de transporte coletivo. Está prevista a reestruturação dos serviços de mobilidade da Rede Integrada de Transporte (RIT) de Curitiba e implantação de modelo para eletrificação ou outra solução gradual de zero emissão da frota.

Em abril deste ano, o BNDES contratou o Consórcio Oficina-Tylin-Rhein-Addax para apoiá-lo no projeto. Segundo a assessoria de imprensa do banco, nesta primeira etapa estão sendo elaborados estudos de diagnóstico e de demanda. No momento, ambos estão em revisão pelos participantes do projeto (Urbs e demais órgãos competentes). Depois de revisado, o documento será formalmente enviado à Urbs, que deverá se manifestar sobre a continuidade do projeto para a segunda etapa.

Essa fase seguinte prevê estudos detalhados e elaboração de minutas de documentos, como relatórios de avaliação socioambiental, jurídico e institucional; de engenharia, de premissas técnico-operacionais; de avaliação econômico-financeira; e do modelo de concessão. Se o projeto receber sinal verde, a previsão é realizar audiências públicas no primeiro trimestre de 2025, com edital no segundo trimestre e o leilão no terceiro trimestre, seguido de assinatura de contratos.

A Urbs não se manifestou sobre o projeto. Durante a campanha eleitoral, o vice-prefeito e agora prefeito eleito Eduardo Pimentel fez menção aos estudos do BNDES, reiterando a necessidade de uma nova licitação. Os atuais contratos, celebrados em 2010, têm vigência de 15 anos e podem ser renovados por mais 10 anos. Entretanto, as ações da prefeitura indicam que essa cláusula não será utilizada.

Se receber sinal verde, projeto do transporte coletivo de Curitiba prevê audiências públicas no primeiro trimestre do próximo ano.

“Para tornar a passagem de ônibus mais justa, é preciso atrair mais usuários para o sistema. A nova concessão do transporte coletivo, que está sendo estruturada pelo BNDES e pela prefeitura de Curitiba, tem como premissa oferecer ao usuário uma tarifa justa, um serviço eficiente e um sistema moderno e equilibrado financeiramente, fundamental para manter a continuidade do serviço”, prometeu Pimentel durante a campanha.

Além dos questionamentos judiciais a respeito da concessão realizada pela prefeitura de Curitiba em 2009 – quando as mesmas empresas que operavam a frota de Curitiba desde 1970 foram declaradas vencedoras da licitação – os atuais contratos são vistos como economicamente insustentáveis. O assunto foi tratado em audiências públicas na Câmara de Vereadores e é ecoado por especialistas na área.

“O objetivo de uma licitação do transporte em Curitiba deve ser ofertar um melhor serviço ao menor preço possível. Na concessão de ônibus mantiveram o mesmo serviço e o preço da tarifa explodiu”, resume o economista Lafaiete Neves, professor aposentado da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

No momento, Curitiba tem a tarifa de ônibus mais cara dentre as capitais do Brasil, R$ 6,00, valor reajustado pela última vez em 2023. Ainda assim, esse valor não é suficiente para remunerar os custos que as empresas dizem ter no atual contrato para operar o sistema: a tarifa técnica atual é de R$ 7,22, e no ano passado chegou a superar os R$ 8,00. A prefeitura paga a diferença entre o valor pago pelo usuário e a tarifa técnica.

“Esse sistema tende a falir. Há um erro de origem, com cálculo do custo em cima do número de passageiros. Mas se cai o número de passageiros, aumenta a tarifa, daí com esse aumento afasta ainda mais o usuário, daí novamente a tarifa sobe”, afirma Neves.

Os atuais contratos também foram alvo do Ministério Público (MP), que em 2018 propôs ação civil pública requerendo a nulidade dos contratos de concessão do transporte de Curitiba. As investigações da operação Riquixá, que recaíram sobre várias cidades do Paraná e do Brasil, indicaram que empresas teriam fraudado licitações, combinando preços e divisões de lotes.

No entanto, a denúncia estava baseada na delação do advogado de uma empresa, a qual foi rejeitada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em maio de 2024 por configurar quebra de sigilo profissional. Na ocasião, a Sexta Turma do STJ anulou grande parte da operação Riquixá. No começo de outubro, o MP apresentou um recurso extraordinário, pendente de julgamento.

Cidades já estudam substituir BRT para atender demanda

O BNDES, em parceria com o Ministério das Cidades, é responsável pelo Estudo Nacional de Mobilidade Urbana, com o objetivo de “identificar soluções de transporte público de média e alta capacidade (trens, metrôs, VLTs e BRTs) para as 21 maiores regiões metropolitanas do país, em uma perspectiva de longo prazo (30 anos)”, conforme a assessoria de imprensa.

Um dos projetos que o BNDES está conduzindo é o da conversão de um modal ônibus para modo sobre trilhos em 86 quilômetros (ida e volta) da Transcarioca, no Rio de Janeiro. Não é um ônibus qualquer que será substituído, mas o modelo BRT, sistema lançado de forma pioneira em Curitiba em 1965, com corredores exclusivos e veículos com capacidade de passageiros ampliada. Ocorre que o BRT do Rio de Janeiro tem apenas 10 anos: foi inaugurado em 2014, dentro do pacote de obras viárias para a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

“Curitiba criou o modelo BRT e outras cidades do mundo, muitas latino-americanas, com restrições de orçamento, implementaram também. Foi importante por um tempo, mas no resto do mundo continuam pensando em inovações. O sistema em Curitiba é muito parecido com o que era 50 anos atrás, não contemplou o crescimento da cidade”, observa Anderson Proença, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e pesquisador do Observatório das Metrópoles.

Para ele, a capital paranaense precisaria ter um sistema de alto tráfego. “Evidentemente é preciso olhar para o transporte sobre trilhos, aproveitando em um primeiro momento o que já há de estrutura ferroviária, pensando num trajeto centro periferia. Nas regiões mais adensadas, como Pinheirinho, Tatuquara, seria muito importante uma linha de metrô, não necessariamente subterrânea.”

No resto do mundo continuam pensando em inovações. O sistema em Curitiba é muito parecido com o que era 50 anos atrás, diz o Professor da UTFPR e pesquisador do Observatório das Metrópoles Anderson Proença

A vantagem do transporte ferroviário, diz Proença, é o baixo custo de manutenção e maior conforto para o usuário. “É mais previsível, quebra menos, tem frequência maior, mais seguro, há um controle de acesso à estação”. Por mais que a discussão sobre metrô em Curitiba pareça ter sido encerrada, o pesquisador pondera que não há “resposta absoluta”, mas que é preciso especular novas soluções para os problemas que surgem.

“Guardando as devidas proporções, é bom destacar que São Paulo tem investido em diferentes modelos nas últimas décadas. Além do metrô, tem trem de subúrbio, trem metropolitano e começou a se investir em monotrilho, aeromóvel e em outras formas, não necessariamente subterrâneas”, compara ele.

Há também outras capitais, acrescenta Proença, com condições econômicas um pouco inferiores e que começaram a investir no metrô, como é o de Fortaleza e de Salvador. Obviamente não é uma prefeitura que consegue, é verba estadual, federal, mas com articulação política que envolva as três esferas é possível”, exemplifica Proença.

Durante a campanha, o agora prefeito eleito de Curitiba mencionou as tratativas que manteve com o governo federal para aproveitamento da malha férrea que corta o município. Em sabatina à Gazeta do Povo, ele mencionou que os trilhos podem ser aproveitados para projetos de mobilidade, considerando que a concessão da Rumo termina em 2027 e há expectativa da nova licitação prever um contorno ferroviário em torno da cidade.

Modernização do sistema atual já poderia ter sido feita

Independentemente da nova licitação do transporte em Curitiba, algumas melhorias são esperadas há anos pelos usuários e por especialistas da área. “O que é muito negativo é que ainda não há um modelo de bilhete único, algo que existe nas principais capitais brasileiras há muito tempo, já se tem know-how. O último estudo para viabilidade do bilhete único foi inconclusivo, mas precisamos debater. Isso impactaria muito na qualidade do deslocamento, de não ter que fazer mudança de linha em terminal, em um tubo específico”, opina Proença.

Para ele, isso gerou uma superlotação em linhas como Inter 2 e a consequência foi o projeto da prefeitura para aumentar a capacidade, com novos tubos construídos sob árvores derrubadas. “O transbordo seria fragmentado. Esse é um dos principais gargalos e precisa ser discutido. Se a nova licitação não contemplar isso, já estará atrasada”, afirma.

Para Lafaiete Neves, a baixa qualidade da frota e de serviços afasta os usuários. “A acessibilidade é muito complicada, com elevadores sempre enguiçados. O motorista tem que parar o carro, ajudar, já que não há mais cobradores. Nos sistemas mais modernos, os ônibus têm suspensão automática e a carroceria desce até o chão. Cadeirante entra com rampa. Nos ônibus convencionais, amarelos, o degrau é muito alto. Já sugeri ao prefeito Rafael Greca tentar subir em ônibus”, critica o economista.

Ele também sugere mais discussões sobre o subsídio de tarifa em Curitiba. Em 2023, a Comissão Especial do Transporte criada pela Câmara Municipal concluiu que a tarifa zero é inviável no curto prazo. A opção do VLT, o veículo leve sobre trilhos, é defendida pelos especialistas, e também está no radar da prefeitura de Curitiba e do governo do Paraná. A modelagem de uma linha VLT entre o centro da capital e o aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais, está sendo discutida em outro projeto coordenado pelo BNDES.

Empresas defendem participação ativa do governo federal

As discussões sobre a nova licitação do transporte público em Curitiba também devem enfrentar o lobby das empresas do setor. Entretanto, mais do que questões locais, o que está ganhando terreno é a proposta de uma política nacional, envolvendo União e as verbas federais, para fazer frente às ações de inclusão social.

Em 2023, a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) entregou ao governo federal o estudo “Propostas para um Programa Nacional de Mobilidade Urbana”, em que sugere quatro frentes de ação: implantação de programas de inclusão social, com isenção de tarifa para grupos carentes; renovação da frota; investimentos em infraestrutura; e melhoria da governança dos órgãos de gestão.

Leia o conteúdo original na Gazeta do Povo.

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