Corrupção nos pedágios

Lava-Jato manda prender irmão, primo de Beto Richa e atinge cúpula do pedágio no Paraná

Policiais deixa sede da AGEPAR após busca e apreensão em nova fase da Lava-Jato.
Policiais deixa sede da AGEPAR após busca e apreensão em nova fase da Lava-Jato. Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo

Para você que sempre achou esquisita a relação do governo do Paraná com as concessionárias de pedágio que assumiram o controle do Anel de Integração, a nova fase da Operação Lava-Jato mostra que “tinha pelo em ovo” nessa história. Nesta quarta-feira (26) foram determinadas as prisões temporárias (que valem por cinco dias) do irmão do ex-governador Beto Richa e ex-secretário de Infraestrutura e Logística do estado, Pepe Richa, de Luiz Abi Antoun, primo do ex-governador, e outras 14 pessoas, incluindo diretores de empresas de pedágio.

As prisões foram decretadas pelo juiz Paulo Sérgio Ribeiro, da 23ª Vara Federal Criminal de Curitiba, responsável pelos processos da Operação Integração, que investiga o pedágio no Paraná. As prisões fazem parte da 55ª fase da Lava Jato. A investigação policial tem como foco casos de corrupção ligados aos procedimentos de concessão de rodovias federais no Paraná que fazem parte do Anel de Integração.

Os alvos das medidas são as concessionárias Econorte, Ecovia, Ecocataratas, Rodonorte, Viapar e Caminhos do Paraná, além de intermediadores e agentes públicos corrompidos beneficiários de propina, segundo a investigação.

Os investigadores encontraram “movimentações imobiliárias suspeitas” envolvendo o nome de Pepe Richa e citam que Abi “centralizava” as arrecadações de propina do grupo político do esquema. A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), que representa as empresas do setor, informou que está contribuindo com as autoridades e fornecendo todas as informações necessárias.

Leia a explicação detalhada das investigações logo abaixo da lista de presos!

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Todos os alvos de prisões

O juiz decretou três prisões preventivas (sem prazo) e 16 prisões temporárias (de cinco dias). Foram alvos de prisão preventiva João Chiminazzo Neto, presidente da Associação Brasileira de Concessões Rodoviárias (ABCR); João Marafon Júnior, advogado e funcionário da Econorte; e Luiz Fernando Wolff de Carvalho, presidente do Conselho de Administração da Triunfo Participações e Investimentos.

Os outros mandados de prisão temporária são contra:

– Aldair Petry (Neco), que exerceu a função de diretor-geral da Secretaria de Infraestrutura e Logística

– Elias Abdo Filho, que estaria envolvido em suposto esquema de lavagem de dinheiro com Pepe Richa

– Ivano Abdo, intermediário de produção de dinheiro em espécie para as concessionárias

– Beatriz Luciana Assini, secretária de João Chiminazzo Neto na ABCR

– Evandro Couto Viana, diretor superintendente da Ecovia e Ecocataratas

– José Camilo Teixeira, diretor presidente da Viapar

– José Alberto Moraes Rego de Souza Moita, presidente da Rodonorte

– José Julião Terbai Junio, diretor presidente da Caminhos do Paraná

– Ruy Sergio Giublin, articulador e negociador de propinas pagas pela Caminhos do Paraná

– Antônio Carlos Cabral de Queiroz, funcionário do DER e Agepar

– Maurício Eduardo Sá de Ferrante, diretor jurídico da Agepar

– Luiz Claudio Luz, chefe de gabinete de Pepe Richa

– Cláudio José Machado Soares, diretor da Rodonorte

– Mario Cezar Xavier Silva, funcionário da Ecovia.

Os investigados responderão pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, fraude a licitações, lavagem de dinheiro e associação criminosa, dentre outros.

Quer entender todo o B.O.? Então leia mais sobre o que a operação investiga:

A partir da deflagração da Operação Integração, em fevereiro, a força-tarefa reuniu provas e contou com três acordos de colaboração premiada para identificar a existências de núcleos específicos que atuavam de forma criminosa para explorar e obter benefícios indevidos a partir dos contratos de concessão de rodovias federais no Paraná.

Segundo as investigações, até o momento foram identificados os núcleos político (composto por altas autoridades do Paraná, que agiam praticando atos de ofício em benefício das concessionárias e realizando influência política junto aos órgãos técnicos), técnico (composto por agentes públicos com estreita ligação com as empresas contratadas), empresarial (composto por funcionários, diretores e presidentes das concessionárias que se organizavam para ratear o pagamento de propina, propor aditivos com base em desequilíbrio econômico-financeiro fraudulento, cobrar do governo ajustes, o andamento ágil dos pareceres técnicos e a contratação dos aditivos) e de operadores financeiros (composto por pessoas ligadas aos empresários, tanto das concessionárias quanto das contratadas para prestação de serviço).

Há pelo menos dois esquemas paralelos de pagamentos de propinas, de acordo com a investigação. O primeiro, iniciado em 1999, era intermediado pela Associação Brasileira de Concessões Rodoviárias (ABCR). De acordo com a investigação, em reuniões presenciais realizadas na sede do Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER-PR) naquele ano, as seis concessionárias acertaram o pagamento mensal de propinas a agentes públicos a fim de obter “boa vontade” do órgão estatal para a análise de pleitos de aditivos e outros atos que atendessem aos interesses das empresas.

Esses pagamentos contaram com a intermediação do diretor-presidente da ABCR, João Chiminazzo Neto, alvo de mandado de prisão preventiva. As investigações indicam que Chiminazo intermediou o pagamento de propina para agentes públicos relacionados à CPI dos Pedágios e ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). Para efetivar a entrega dessas propinas, o diretor da Caminhos do Paraná, Ruy Giublin, cedeu uma sala comercial no centro de Curitiba, de acordo com os investigadores. O objetivo era obstar as investigações iniciadas na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e também impedir a fiscalização do TCE nas concessionárias.

Segundo o MPF, o valor total da arrecadação mensal de propina era de aproximadamente R$ 120 mil à época, valor rateado entre as seis concessionárias proporcionalmente ao faturamento de cada uma delas. O montante da propina foi atualizado conforme os reajustes tarifários, chegando a aproximadamente R$ 240 mil mensais em 2010. Os beneficiários finais da propina eram agentes públicos do DER e, após 2011, da Agepar. As entregas eram realizadas com dinheiro em espécie, entregues na sede da ABCR Curitiba por emissários das concessionárias.

Para obtenção de dinheiro em espécie, as concessionárias simulavam ou superfaturavam a prestação de serviços com empresas envolvidas no esquema. Entre os operadores financeiros que simulavam a prestação de serviços estavam Adir Assad e Rodrigo Tacla Duran, ambos envolvidos em diversas fases da Operação Lava Jato. Somente para o Grupo Triunfo, controlador da Econorte, Adir Assad faturou R$ 85 milhões em notas frias. Já para o Grupo CCR, controlador da Rodonorte, foram produzidas notas frias que somaram R$ 45 milhões.

O Ministério Público Federal estima pagamento de propina de aproximadamente R$ 35 milhões, sem atualização monetária. Os pagamentos duraram até o final de 2015.

Governo firmou aditivos com as empresas

Mesmo diante do pagamento de vantagens indevidas, entre 2000 e 2002 o governo do Paraná firmou aditivos contratuais com as seis concessionárias. Esses aditivos foram objeto de dezenas de ações judiciais, especialmente porque reduziram investimentos e elevaram tarifas em detrimento dos usuários.

Em 2012, análise de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou diversas irregularidades nesses aditivos. Conforme a corte de Contas, embora os investimentos previstos no contrato original tenham sido remanejados para os últimos anos das concessões, sem quaisquer justificativas técnicas, desconectados das necessidades dos usuários dos trechos rodoviários atingidos, os valores originalmente previstos para restauração, recuperação e manutenção dessas obras não executadas permaneceram incorporadas às tarifas de pedágio cobradas dos usuários, portanto o usuário pagou por um serviço que não foi executado.

Além disso, o TCU identificou que a alteração do critério de medição dos serviços realizados de “área estimada” para “quantitativo de insumos” tornou a fiscalização menos eficaz e facilitou a utilização de materiais de baixa qualidade, em benefício das concessionárias. Os fiscais também identificaram que a ocorrência de significativas mudanças nos cenários econômicos não foram consideradas nos ajustes promovidos, de modo a reduzir proporcionalmente as tarifas cobradas dos usuários. Ao contrário, há indícios de que o fluxo de caixa alterou-se em prol das concessionárias mesmo levando-se em conta, na avaliação dos investimentos, o custo de oportunidade da época em que os contratos foram assinados.

Mesmo após os aditivos, diversos outros atos administrativos e aditivos favoreceram as concessionárias, de acordo com a investigação. Uma alteração feita em 2005, por exemplo, suprimiu mais de 125 km de duplicações da Ecocataratas nos trechos entre Cascavel e Matelândia e de Guarapuava a Três Pinheiros. Já um ato administrativo de 2011 adiou por sete anos a duplicação de 41 km entre Piraí do Sul e Jaguariaíva pela Rodonorte, sem redução tarifária.

Um segundo esquema de propina

Em paralelo ao esquema de arrecadação de propina via ABCR, há evidências de que, em janeiro de 2011, foi implementado no governo estadual do Paraná um segundo esquema de pagamentos de propinas mensais de aproximadamente 2% dos valores de cada contrato vigente com os fornecedores do DER, segundo a investigação. Cabia ao operador financeiro Aldair Petry, conhecido como Neco, também denunciado na Operação Rádio Patrulha, que apura irregularidades na licitação para obras em estradas rurais, o recolhimento mensal dos valores que eram pagos em espécie, que totalizam aproximadamente R$ 500 mil. Esse esquema durou até 2014, período em que teriam sido pagos aproximadamente R$ 20 milhões em propinas.

Para a produção dos valores em dinheiro vivo, as concessionárias superfaturavam a contratação de serviços com empresas indicadas por Pepe Richa (PSDB), então secretário de Infraestrutura e Logística e irmão do ex-governador Beto Richa. A investigação apontou ainda que aproximadamente 70 empresas estiveram envolvidas nesse esquema. Em troca, as empresas obtinham a “boa vontade” do DER para firmar aditivos.

Além do esquema de pagamento de propinas por intermediários, as concessionárias mantinham pagamentos diretos a determinados agentes públicos do DER e da Agepar. De acordo com as investigações, a última propina direta foi paga em janeiro de 2018, pouco antes da prisão do ex-presidente da Econorte, Hélio Ogama.

Quando a investigação começou?

As irregularidades na administração da concessão começaram a ser apontadas por um grupo de trabalho do MPF em 2013. Na época, foram identificados 13 atos secretos que beneficiaram as concessionárias, além de diversas doações eleitorais suspeitas. A investigação da Lava Jato comprovou que tais atos eram editados como contraprestação por propinas pagas sistematicamente pelas concessionárias.

Segundo os investigadores, o ex-secretário Pepe Richa, por exemplo, usou R$ 500 mil da propina para a aquisição de um terreno em Balneário Camboriú (SC), cuja escritura foi subfaturada e a diferença paga em espécie “por fora”.

O que falaram os delatores?

Nelson Leal Júnior, ex-diretor-geral do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-PR), afirmou para investigadores que Beto Richa e agentes públicos ligados ao tucano mantiveram um esquema sistêmico de arrecadação de propina junto a empresas com contratos com a administração estadual. Isso teria ocorrido desde o primeiro mandato do tucano no governo do Paraná, a partir de 2011. Na versão do delator, Abi era o principal operador de recursos públicos para campanhas eleitorais, mas também concentrava as vantagens indevidas recebidas por Beto Richa. Com a prisão de Abi na esteira da Operação Publicano, em junho de 2015, Deonilson Roldo teria assumido tal posto.

De acordo com o delator, todas as seis concessionárias de pedágio que atuam em rodovias administradas pelo governo do Paraná pagaram propinas a agentes públicos.

Nelson Leal Júnior explicou aos investigadores que, logo quando assumiu o DER, em janeiro de 2013, comentou com Pepe Richa, irmão de Beto e ex-secretário de Infraestrutura e Logística, que considerava o salário “muito baixo”.

Ao ouvir a insatisfação, Pepe Richa o orientou a procurar Aldair Petry, conhecido como Neco, que seria o responsável por arrecadar propina junto a quatro concessionárias de pedágio – Rodonorte, Viapar, Ecovia e Ecocataratas. Já as outras duas concessionárias de pedágio, Econorte e Caminhos do Paraná, pagavam propina ao próprio governador do Paraná, de acordo com o delator.

Hélio Ogama, ex-diretor-presidente da Triunfo Econorte, e Hugo Ono, contador da empresa, também tiveram delações homologadas pela Justiça Federal. A colaboração de Ono fala na distribuição de aproximadamente R$ 20 mil por mês aos operadores financeiros e agentes públicos do esquema.

A reportagem está tentando contato com as empresas.

Colaborando com as investigações

Em nota oficial encaminhada à imprensa, a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (SEIL) e o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER-PR) informaram que estão colaborando com as investigações da Lava Jato. Também ressaltaram que, desde abril de 2018, ambos os órgãos estão sob nova direção e seus novos gestores não toleram práticas de corrupção.

O comunicado ainda lembrou que, em junho deste ano, por determinação da governadora Cida Borghetti, todas as concessionárias foram notificadas que os seus contratos não serão renovados. E determinou estudos sobre um novo modelo de concessão de rodovias no Paraná.

Ainda de acordo com o Governo do Estado, a governadora Cida Borghetti determinou a imediata exoneração de todas as pessoas que ocupam cargos em órgãos do Estado e foram alvo de prisão ou de mandados de busca e apreensão. Envolvido diretamente no caso, O ex-funcionário do DER-PR Aldair Wanderley Petry, aposentado em 2014, foi exonerado do cargo em comissão na SEIL no último dia 1º de maio. Cida também determinou à Controladoria Geral do Estado a imediata instauração de um processo administrativo contra todos servidores públicos – efetivos e comissionados – citados na investigação.

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