Duas mortes recentemente confirmadas em Santos, litoral de São Paulo, tendo como causa criptococose, a doença provocada pela inalação das fezes secas contaminadas dos pombos, tem gerado dúvidas à população. O alerta vale para todas as cidades, inclusive para Curitiba.

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Conhecidos como “ratos que voam”, as pombas têm motivo para ganharem essa referência tão desagradável. Para quem vê uma multidão de pombas levantando voo no meio de uma praça não sabe o risco à saúde que eles representam. Nas fezes das pombas cresce um fungo, o Cryptococcus, que quando inalado pode desencadear uma série de doenças, como a criptococose (infecção pulmonar) e a meningite (inflamação da meningite) e a pneumonia (infecção nos pulmões) por criptococose — já que deriva do fungo.

A Secretaria de Saúde da cidade paulista informou que apesar de a criptococose não ser uma doença de notificação compulsória (obrigatória) pelos hospitais e estabelecimentos de saúde aos setores de Vigilância em Saúde, conforme os protocolos e legislação vigente, foram registrados dois atestados de óbitos indicando mortes pela doença: um homem de 56 anos, com óbito registrado em 18 de julho, e outro homem, de 43 anos, com óbito registrado em 23 de julho.

 

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Embora o risco de transmissão dessas doenças não seja tão significativo entre a população saudável, pessoas com problemas na imunidade, como os imunodeprimidos, pacientes oncológicos ou pessoas com Aids, têm mais predisposição ao desenvolvimento dessas condições.

“O fungo se desenvolve em ambientes onde há fezes das pombas e quando essas fezes desidratam, viram pó, qualquer movimentação aérea, seja de vento ou varredura, ou até a pomba voando por cima, coloca os esporos do fungo em suspensão no ar”, explica Flavio de Queiroz Telles Filho, médico professor do departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Pombos estão em toda parte. nesta imagem, num jogo do Coxa de 2005. Foto: Lucimar “Socó” do Carmo / Tribuna do Paraná

O que fazer?

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Caso uma pessoa com problemas na imunidade entre em contato com esses esporos e desenvolva uma doença decorrente do fungo, a gravidade tende a ser alta, segundo Telles. “A doença quando ocorre é muito grave. Pode ter taxas de mortalidade de 30% a 40%. O tratamento é hospitalar, com drogas intravenosas, e a meningite criptocócica é a forma mais comum que ocorre em relação a esse fungo. Ele pode desenvolver também pneumonia, que é menos frequente, mas o que gera maior preocupação nas pessoas é a meningite”, explica.

Meningite por fungos

A meningite, ou a inflamação da meningite, é uma doença que pode ser causada tanto por vírus, bactérias ou, no caso citado, por fungos. Os sintomas e o tratamento, nesse caso, são diferentes, e os médicos precisam ficar atentos ao relato dos pacientes.

De acordo com Jaime Rocha, médico infectologista, cooperado da Unimed Curitiba, e professor da PUCPR, no caso da meningite por Cryptococcus, o paciente não sente aquela rigidez da nuca característica da doença.

“A pessoa não fica com aquela rigidez de nuca, mas costuma ter dor de cabeça, que não é súbita, é persistente e progressiva. Vai aumentando a pressão na cabeça, podendo levar uma mudança na audição, na visão. A pessoa pode confundir com uma dor de cabeça, enxaqueca”, reforça o médico. O diagnóstico final vem com o exame do líquor (líquido cefalorraqueano), de retirada do líquido da espinha.

Dos tratamentos, nada de antibióticos ou antivirais, mas antifúngicos, em doses altas e por longos períodos de tempo. Rocha estima que a pessoa precise ficar sob tratamento durante três a seis meses. Do contrário, “a recaída é muito grande. Há medicamentos injetáveis, se for uma forma mais grave da doença, ou orais se não for tão grave. Se há aumento na pressão na cabeça, é preciso fazer uma punção ou até passar por um procedimento cirúrgico para drenar”, explica o especialista. “Não tem vacina, nenhuma específica. A prevenção se dá pelo controle da imunidade e o controle ambiental”, reforça Rocha.

Não dê comida às pombas

O ‘rato de asas’. Foto: Átila Alberti / Tribuna do Paraná

Embora a meningite seja a doença mais preocupante, há outras relacionadas às aves, em especial as pombas. Conforme explica Flavio de Queiroz Telles Filho, médico da SBI, há quem desenvolva alergias ao material presente nas penas das pombas, e as fezes podem conter a bactéria salmonela que, em contato com alimentos, pode desenvolver salmonelose. Dos sintomas, vômito, diarreia e gastrenterite.

“O mais correto, para prevenir, seria um sistema de limpeza pública que molhasse esses locais onde há o acúmulo das fezes, e que elas fossem recolhidas em seguida. Quando molhado, o fungo não vai para o ar. Mas é uma maneira difícil”, explica o médico.

Evitar que esses animais tenham acesso a água, alimentos, abrigo e acesso em locais com muito movimento de pessoas pode ser uma maneira mais fácil de combater as doenças.

“Não deixar o lixo acumular, nem alimentos expostos. Ainda tem gente que alimenta as pombas, e é uma prática não recomendada. Colocar telas em locais onde o animal possa fazer ninhos pode ajudar também no controle do excesso de pombas. A matança dos animais, além de ser cruel e não autorizada, não resolve o problema“, reforça Telles.

Cuidado ao limpar

Segundo a Seção de Vigilância e Controle de Zoonoses (Sevicoz) da Prefeitura de Santos, para sobreviver e se reproduzir, os pombos necessitam de ‘4 As’: água, alimento, acesso e abrigo. Os três últimos elementos são as áreas que devem ser atacadas no esforço pela prevenção.

“Não oferecer alimentos a qualquer tipo de ave e não jogar restos orgânicos sem o acondicionamento devido já ajuda a afastar os pombos, que costumam se concentrar em regiões onde a oferta de alimento é maior”, diz o comunicado do órgão.

Se a ideia é fazer a limpeza das fezes, Laerte Carvalho, médico veterinário da Sevicoz) indica:

“Limpar as fezes dos pombos requer cuidados, já que os fungos nelas presentes não podem entrar em contato com as vias aéreas dos seres humanos. Para evitar o contágio, basta lavar o local com água clorada; jamais varrer ou usar pano seco. Pode-se ainda proteger o nariz com algum pano ou lenço”,  diz ele.