Às vésperas de completar 50 anos, Eduardo (sobrenome preservado) não se lembra mais quantos anos faz que chegou às ruas. Mas o motivo é difícil esquecer: drogas e desavenças familiares. Filho de família tradicional, pai, esposo e profissional bem sucedido, o então psicólogo viu a vida desmoronar pelo uso contínuo de drogas e álcool, sem poder atender os apelos de mudança da família, escolheu como lar as ruas da capital paranaense.
Nos primeiros anos, Eduardo dedicou-se, como ele mesmo diz, à vida louca. Sem dinheiro para as drogas, entregou-se a bebida mais popular do Brasil: a cachaça. Vez aqui, outra acolá fumava alguma coisa ou outra. Como lar escolheu as marquises da Rua XV e como família um grupo de moradores de rua que costuma de chamar de irmãos. Entre o grupo sobra alegria, organização e solidariedade para sobreviver à realidade das ruas. “Desde que cheguei aqui eles são a minha família. Então a gente está sempre junto, se protegendo. Tudo o que conseguimos, dividimos e não falta nada pra ninguém. Por isso que digo: com eles aprendi muito mais do que quando tinha um lar”.
A vida entre os irmãos de rua está sendo registrada num livro que Eduardo tem a esperança de lançar, em breve. Nas páginas que está escrevendo o morador de rua compartilha histórias que viu ao longo de quase 20 anos de idas e vindas pelas marquises. “Cada pessoa que encontrei é como uma pedra dessas calçadas. E elas, suas histórias, seus ensinamentos estão registrados neste livro. Meu objetivo é que isso não se perca na minha memória. Também desejo compartilhar a sabedoria que as ruas têm para ensinar”.
A exclusão social vivida pelos moradores de rua são um dos temas recorrentes da obra de Eduardo que não esquece agressões policiais, as medidas de limpeza do poder público e o desprezo de algumas pessoas que destratam moradores de rua. “Muitos queriam que nós simplesmente não existíssemos para não sujarmos a cara da cidade. Por isso, passam por aqui e tentam fingir que não existimos. Outros tentam fazer com que isso aconteça escondendo os moradores de rua em períodos de festa, de visitas de autoridades, no inverno ou agora, na Copa do Mundo”.
Em um dos episódios que não saem da mente de Eduardo, registados no Livro, está a lavagem da Rua XV, realizada no ano passado. “Era perto do natal. Então a Prefeitura resolveu higienizar, como eles gostam de dizer, a Rua XV. Acontece que, aqui na Rua XV moram a maior parte dos moradores de rua da cidade. Simplesmente, a Guarda Municipal chegou no meio da madrugada, batendo em todo mundo, recolhendo pertences pessoais e jogando como se fosse entulho num caminhão. Em seguida vinha o pessoal lavando e dizendo ‘circulando’. Foi assustador pra todo mundo. Tudo o que o morador de rua tem na vida é um cobertor pra se proteger do frio, uma mala, talvez com fotos e endereços da família e poucos pertences da família. E tudo isso se perdeu”, lamenta.
Quando o livro estiver totalmente pronto, Eduardo pretender revisar e procurar uma editora interessada em publicar suas histórias. “Estou com quase tudo pronto. Agora quero procurar alguém que queira compartilhar todos esses relatos com o público. Tenho certeza que as ruas têm muito a ensinar”.