O desfecho parece temporário e polêmico. O caso da médica Virginia Soares de Souza, julgada em 2016 pela acusação de antecipar a morte de pacientes no Hospital Evangélico de Curitiba, parece longe de um final definitivo. O Ministério Público já se prepara para uma nova ofensiva contra a profissional, absolvida em primeiro grau pelo juiz Daniel Surdi de Avelar, da 2ª Vara do Júri de Curitiba.
Como a matéria ainda não transitou em julgado [ou seja, não foi julgado em todas as instâncias], o MP trabalha com a expectativa de que um recurso seja analisado até o fim do ano e leve a médica a júri popular. Além disso, o órgão avalia pelos menos 30 outros inquéritos instaurados pela Polícia Civil e estuda transformar parte deles em novas denúncias.
Apesar de este recurso ter sido elaborado há mais de um ano, o debate foi reacendido por conta da publicação do livro “Doutora Morte? – A Medicina no Banco dos Réus – O Resgate da Verdade”, em que os advogados de defesa, Elias Mattar Assad e Louise Mattar Assad, narram a estratégia da defesa desde a prisão preventiva da médica, em fevereiro de 2013, até seu julgamento, em setembro de 2016.
A obra foi lançada no último dia 26 de julho. Virginia foi acusada de formação de quadrilha [com sua equipe médica da UTI] e de antecipar a morte de pacientes com um coquetel de medicamentos e redução dos parâmetros de aparelhos responsáveis por manter os pacientes respirando. Em sua sentença, o juiz de primeira instância a absolveu de três dos crimes dos quais era acusada e decretou impronúncia em quatro outros – esse termo jurídico é usado quando o juiz aponta não haver provas suficientes para levar o caso a júri popular [o processo fica parado, podendo ser arquivado ou retomado se surgirem novas provas].
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Um dos pontos mais polêmicos do livro – seu esqueleto principal – é a investigação e formulação da denúncia. Elias Mattar Assad disse que o Direito “deve ter certa cautela, uma prudência, quando vai processar criminalmente uma pessoa”. “A sentença veio e disse: ‘não há um crime’. Isso poderia ter sido levantado durante a investigação. A polícia deveria ter órgãos especializados para investigar médicos. (…) Eles [polícia e MP] continuem com suas virtudes de investigar e denunciar. Mas aprimorar os métodos é a mensagem”.
A afirmação é contestada pela promotora de Justiça Fernanda Nagl Garcez, que defende não ter havido qualquer falha nas formulações. Ela destaca que a denúncia teve apoio de médicos ligados ao próprio MP e de um profissional gabaritado como assistente, José Mário Meira Teles, que presidia a Associação Brasileira de Medicina Intensiva.
Erro de julgamento
Mas, de acordo com o MP, o ponto mais contestável é o julgamento. O órgão o classifica como “equivocado”. “Essa sentença fez um julgamento insuficiente de todas as provas que existem nos autos. Quando a sentença diz que todos os pareceres médicos foram inconclusivos, ela esquece se de dizer que os do MP foram conclusivos. Todos eles apontaram a existência de liame com resultado morte”, defende a promotora de Justiça Fernanda Nagl Garcez. O laudo apontado pela procuradora é o elaborado por José Mário Meira Teles, que avaliou os prontuários dos sete pacientes citados e prestou assistência para a acusação. De acordo com Teles, os protocolos seguidos por Virginia não eram usuais em UTI e levaram os pacientes à morte.
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Para elaborar a sentença, o juiz contou com um perito oficial, do IML. De acordo com a sentença, a perícia não encontrou indícios de que o protocolo seguido por Virginia pudesse ter causado a morte dos pacientes. E este é outro ponto que o MP contesta. Defesa e acusação pediram esclarecimentos e impugnaram respostas do primeiro laudo, levando à elaboração de dois outros. Segundo Fernanda Garcez, na sequência ao primeiro laudo o perito oficial “alterou a maioria das respostas anteriores, retificando muitas delas em sentido diverso (quando não contrário) e, em outras, apresentando explicações para as respostas”.
Diante disso, o MP sustenta que seria preciso mais cautela para avaliar o laudo pericial. “Em nenhuma das respostas definitivas e válidas, o expert oficial registrou impossibilidade de terem acontecido os delitos, nem afirmou que as vítimas teriam morrido das doenças e complicações de origem, nem atestou que nos prontuários não haveria elementos para corroborar a vertente acusatória”, descreve a promotora. O problema, para ela, é que o juiz levou em consideração muitas destas respostas do primeiro laudo, sem atentar para as alterações nos seguintes.