Policial militar por 35 anos, hoje na reserva, a sargento Tânia Guerreiro (PSL) tem como missão de vida a proteção da criança e do adolescente e levará essa como a principal bandeira de seu primeiro mandato na Câmara Municipal de Curitiba a partir de 2021. Conhecida pela atuação contra o abuso sexual infantil, por meio de publicações, palestras e do acolhimento de vítimas, pretende trabalhar para tornar a capital paranaense referência nacional no combate à pedofilia. “Não podemos lembrar dessa luta apenas no Maio Laranja. A pedofilia acontece 365 dias do ano, 24 horas por dia, uma vez a cada oito minutos”, diz.
Pedagoga por formação, de ascendência libanesa por parte de mãe e espanhola por parte de pai, Tânia é natural de Sapopema, pequeno município na região do Norte Pioneiro paranaense, onde nasceu em 1959. Na infância e juventude, estudou em Telêmaco Borba e terminou o antigo colegial na cidade de Ibaiti. Recém-formada, soube pela televisão da abertura de um concurso para a Polícia Militar (PM) voltado a mulheres. “Como eu sempre gostei disso, não fiz nem formatura; vim direto para Curitiba.”
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Integrou o 1º Pelotão de Polícia Feminina da Academia Policial Militar do Guatupê (APMG), em 1979. “Já havia tido antes um pelotão de polícia feminina, mas era de sargentos e foi no Colégio da PM”, recorda. Pouco tempo após a formação, foi a primeira mulher chamada a trabalhar no serviço de inteligência da corporação, onde atuou por 20 anos. “Eu era a única mulher no meio de 50 homens, então quando tinha uma ocorrência envolvendo criança, eu atuava diretamente.”
No início dos anos 1990, após o desaparecimento do menino Guilherme Caramês Tiburtius, sua mãe, Arlete Caramês criou o Movimento Nacional em Defesa da Criança Desaparecida e Vitimizada. Ao lado de outros policiais militares, como o falecido coronel Darci Dalmas, então chefe da PM2, como é conhecido o serviço de inteligência, Tânia ingressou de imediato na iniciativa. O movimento ganhou alcance nacional e as fotos de crianças desaparecidas passaram a ser impressas em materiais de divulgação de grandes empresas, em sacolas de supermercado e em faturas de luz, por exemplo. “Percorremos o país indo atrás de crianças desaparecidas”, conta.
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Tânia, que é subtenente, embora seja mais conhecida como sargento, perdeu as contas de quantos casos ajudou a solucionar. Com a experiência, notou um padrão nas ocorrências. Vítimas de até 10 anos eram geralmente levadas, muitas vezes por um dos pais que não concordava com um acordo sobre a guarda. “Se existia uma determinação, a gente ia atrás e devolvia a quem a guarda era de direito, mas nesses casos ao menos a criança estava com um familiar.”
Em casos que envolviam desaparecidos mais velhos, não raro os policiais encontravam nas ruas crianças e adolescentes que batiam com as características dos procurados. “Naquele tempo não existia tanto rigor na lei com relação a elas estarem sozinha nas ruas”, diz. “A gente via que se tratava do menino ou menina, mas eles negavam. Não queriam retornar para casa.” Apesar disso, as crianças eram entregues para os pais. “Esse era o nosso trabalho e a nossa obrigação”, explica Tânia. “Mas eu dizia: ‘olha, eu vou fazer visitas, vou voltar outras vezes para acompanhar’. A gente percebia na criança algo de errado”.
Com o tempo, ela foi ganhando a confiança das crianças e foi percebendo que havia abusos. A medida que trabalhava com mais ocorrências do tipo, indignou-se com a punição para casos de abuso sexual infantil, que considerava “insignificante”.
Em 2000, durante um encontro nacional de jovens de que participava em Faxinal do Céu, distrito de Pinhão, na região Central do Paraná, manifestou essa insatisfação publicamente pela primeira vez, no meio de uma dinâmica de grupo. “Eles deram uma bexiga cheia e falaram para cada pessoa estourar por algum motivo. Eu disse que faria para que a pedofilia fosse tipificada no código penal como crime, porque eu, como mãe, mulher, policial, não aceito que o pedófilo estupre uma mulher e uma criança e cumpra a mesma pena.”
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A equipe que organizava o evento perguntou à policial se ela não poderia fazer uma palestra sobre o tema. “Eu falei ‘posso’, mas eu não tinha absolutamente nada preparado”, lembra. Era meio-dia, e a atividade foi agendada para as 14 horas. “Fui para o meu alojamento, ajoelhei, orei e pedi a Deus que me desse sabedoria.” Ligou para o quartel e pediu que sua chefe a ajudasse com um texto para fazer um abaixo-assinado, que foi enviado por e-mail.
Tânia fez a apresentação de improviso, mostrando algumas fotos de casos que atendeu, um deles ocorrido na Bélgica e cuja suspeita estaria no Brasil. Não parou de falar por duas horas. Na sequência, colheu assinaturas para o abaixo-assinado, que pede pena de 30 anos para casos de abuso sexual – “sem indulto, sem benefício para saidinha”. “Dali para frente, nunca mais parei.”
Desde então, fez dezenas de palestras sobre o combate à pedofilia e ao uso de drogas entre crianças e adolescentes. Representou o Brasil em reuniões da Interpol em Budapeste (Hungria) e Ottawa (Canadá), capacitou policiais em outros estados e produziu quatro manuais em parceria com o governo do estado. “Um voltado a policiais, sobre como agir em casos de pedofilia; um para pais, sobre como cuidar dos filhos para que não sejam abusados; um gibi para crianças, sobre como se autodefenderem; e o último para professores, sobre como perceber sinais de abuso e como abordar o assunto com o aluno.” Em 2013, concluiu uma pós-graduação em Metodologia de Enfrentamento à Violência Contra a Criança e o Adolescente.
Em 2012 foi candidata à vereadora de Curitiba pela primeira vez pelo PSC. Fez 3.636 votos e ficou na segunda suplência, com seis votos a menos do que Julião Sobota, que logo assumiu mandato. Em 2018, tentou o cargo de deputada estadual pelo PRTB, mas, com 13 mil votos, ficou na primeira suplência da legenda, que elegeu Boca Aberta Jr. Em 2020, filiou-se ao PSL às vésperas do prazo para poder se candidatar e obteve a terceira cadeira do partido, com apoio de 4.422 eleitores. “Priorizei um partido que já não tivesse vereador, em que eu poderia ser eleita com menos votos.”
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Com dois filhos, hoje adultos, que ressalta ter criado sozinha, diz que a luta é uma constante em sua vida. “Meu lema é ‘o que a vida não me der, eu tomo’. Se as portas se fecharem para mim e eu tiver o direito de estar lá dentro, eu meto os dois pés, derrubo e entro.” A bandeira da proteção à criança e ao adolescente deve pautar seu mandato como vereadora. “Tenho isso como meta de vida.