Os milhares de turistas que visitam o Jardim Botânico de Curitiba todos os dias talvez não imaginem que, além de apreciar as flores nas estufas, também podem conhecer uma vegetação que surgiu há mais de 2,5 milhões de anos, no período geológico Pleistoceno, também conhecido como Era do Gelo. Esse é um tipo de vegetação que praticamente não existe mais na cidade, mas que pode ser vista todos os dias no cartão-postal da capital paranaense.

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A vegetação milenar faz parte da coleção Campos Curitibanos, que fica atrás da estufa. Ela é aberta ao público e, no fim do ano passado, recebeu reconhecimento da Rede Brasileira de Jardins Botânicos (RBJB) ao ficar em primeiro lugar no II Prêmio Helena Quadros, na categoria Ações Conservacionistas.

O prêmio foi concedido ao engenheiro florestal Sacha Lubow e à bióloga Maristela Zamoner. Lubow foi o mentor da iniciativa e trabalha tanto no levantamento das espécies vegetais quanto no manejo florístico da coleção. Maristela demonstrou cientificamente a efetividade da iniciativa para a fauna, pelo estudo das borboletas, que são bioindicadores muito especiais.

“Onde existem borboletas, existem muitos outros seres vivos, outras espécies. Esse é um trabalho inédito no país, que envolve o conhecimento integrado de zoologia e biologia. Esse campo mostra como Curitiba consegue preservar a fauna”, disse a bióloga Maristela.

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Sacha explicou a importância científica da coleção. “Os Campos Curitibanos são um ecossistema primordial de Curitiba, eles já existiam antes das florestas de araucárias. Esse tipo de vegetação é encontrada desde o 1º Planalto, da Serra do Mar, até antes do 2º Planalto em Ponta Grossa, Palmeira e Castro, por exemplo”, explicou Lubow.

“O projeto visa à conservação de algumas espécies de genéticas locais, algumas plantas que são ameaçadas de extinção. A ideia é que mais pessoas venham aqui conhecer a vegetação típica de Curitiba. Também usamos o espaço para nossos estudos científicos”, completou o engenheiro florestal. 

O que pode ser encontrado no ‘jardim milenar’ do Botânico

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A coleção científica viva Campos Curitibanos fica atrás da estufa principal e é aberta à visitação da população. Há uma trilha que percorre a vegetação tipicamente de um ecossistema campestre, com plantas de 1,5 metro a 2,5 metros de altura. 

Ao caminhar pelo espaço é possível sentir os odores da vegetação que reúne espécies de plantas muitas vezes usadas em chás medicinais, como marcela e carqueja. Também é possível encontrar espécies silvestres de guabiroba do campo, araçá do campo e butiás. 

História da vegetação mais antiga do que as florestas de araucárias em Curitiba

Entre os ecossistemas originais da cidade de Curitiba estão os campos naturais, que ocupavam cerca de metade do território da cidade e atualmente se resumem a poucos locais. Em abril de 2015, foi salvo um remanescente de campo natural de um local que seria suprimido definitivamente na CIC, por conta de um empreendimento imobiliário. 

Como medida compensatória para a construção ficou definida a transposição de parte do solo contendo o ecossistema pré-existente para outro ambiente. A unidade de conservação do Jardim Botânico de Curitiba tinha o espaço apropriado para receber o campo.

Os Campos Curitibanos têm um perímetro aproximado de mil metros quadrados atrás da estufa principal do Jardim Botânico de Curitiba. 

Entre 2015 e 2024, o corpo técnico do Museu Botânico Municipal estudou os Campos Curitibanos, constatando que o projeto resultou no efetivo salvamento de 211 espécies vegetais, duas delas não descritas pela ciência, pertencentes aos gêneros Passiflora e Eryngium, e uma ameaçada (Psidium reptans – EN).

Em 2019, a bióloga Maristela Zamoner se juntou ao time e iniciou o estudo ecológico de bioindicadores da qualidade ambiental pelo acompanhamento, em vida, das comunidades de borboletas. Foram constatadas 358 espécies no local, 42 delas se reproduzindo em 32 espécies vegetais, incluindo a espécie não descrita pertencente ao gênero Passiflora. 

O estudo envolveu 28 pessoas e registrou mais de 600 espécies de flora e fauna. Os resultados foram compartilhados na plataforma iNaturalist, que viabilizou a participação voluntária de mais de 400 pessoas nas identificações e discussões ecológicas.