O Instituto Médico Legal (IML) de Curitiba voltou a enfrentar uma situação limite e recorrente: o volume de corpos acumulados já superou em muito a capacidade de acondicionamento. A situação é considerada mais crítica na câmara fria – uma sala pequena adaptada com refrigeração –, onde cadáveres permanecem empilhados em prateleiras e até amontoados no chão. Um levantamento feito pelo Sindicato dos Peritos Oficiais do Paraná (Sinpoapar) a pedido da Gazeta do Povo aponta que 170 corpos sem identificação ou que não foram reclamados por familiares abarrotam o IML.
Para armazenar os corpos em condições ideais, o IML dispõe de 60 gavetas refrigeradas. Com a superlotação, foram colocados dois cadáveres na maioria de cada uma delas. Os demais são mantidos na câmara fria, que tem dimensões de cerca de dois metros por quatro metros. Ali, segundo o Sinpoapar, mais de 40 cadáveres estão empilhados, envolvidos em sacos plásticos pretos, com um número de identificação.
Segundo o sindicato, as condições da sala refrigerada estão longe das ideais. Há denúncias de que a vedação da porta está com defeito, o que tem provocado o vazamento de líquidos que escorrem dos cadáveres. Isso tem feito com que um forte odor exale pelo prédio.
“Você tem um ambiente insalubre, um cheiro forte de corpos em decomposição, chorume escorrendo por debaixo da porta. Várias coisas que geram insatisfação nos funcionários e nos familiares que vão ao IML para liberar o corpo de algum parente”, disse o presidente do Sinpoapar, Leandro Cerqueira.
Mais de um terço dos cadáveres mantidos hoje no instituto deram entrada em 2014. Ou seja, estão acumulados há mais de um ano e meio. A direção do IML teme que o problema chegue ao patamar de anos anteriores, quando mais de 200 corpos chegaram a se amontoar no órgão. “O IML não pode ser um depósito de corpos. Não é essa nossa função. Ficamos em uma situação desagradável, em que nossos funcionários lidam com insalubridade”, disse o diretor do IML, Carlos Alberto Peixoto Baptista.
Pelos corredores
O acúmulo de cadáveres no IML não provoca apenas mau cheiro ou vazamento de chorume, mas também causa cenas que beiram ao absurdo. Quando um dos corpos armazenados precisa ser recolhido para algum procedimento – como coleta de material genético ou tentativa de identificação, por exemplo – os auxiliares do instituto precisam retirar todos os mortos da câmara fria, até encontrar o que estavam procurando (que são diferenciados a partir de um número de entrada). Neste processo, os sacos pretos com os cadáveres são espalhados pelo corredor do prédio.
Procedimentos
Os corpos não identificados ou não reclamados por familiares são sepultados após autorização judicial. O IML coleta material genético dos cadáveres e os anexa aos laudos de necropsia, para ajudar em possíveis identificações futuras. Com a autorização da Justiça, o enterro deve ser providenciado pelo Serviço Funerário Municipal (SFM) de Curitiba. O problema, segundo o IML, é que Curitiba tem tido dificuldade em conseguir vagas em cemitérios.
“A cada mês, temos a entrada de cerca de 30 corpos que não são identificados ou não são reclamados. Se a situação permanecer desta forma, a tendência é de que voltemos a ter mais de 200 armazenados. Ficamos numa condição muito desagradável”, disse Peixoto Baptista.
Segundo o SFM, os sepultamentos são providenciados em cemitérios municipais conforme a disponibilidade e conforme pedido do IML. Cada funeral custa, em média, R$ 1.260 aos cofres municipais.
Em 2011, o IML passou por uma situação semelhante. Na ocasião, uma vistoria promovida seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) diagnosticou problemas estruturais e cadáveres mantidos em condições inadequadas, empilhados em anexos do instituto.
Autoridades cogitam dividir o ‘problema’ com a região metropolitana
Dos 170 cadáveres mantidos no Instituto Médico Legal (IML), 72 deles são oriundos de municípios da região metropolitana (RMC). Por causa disso, autoridades cogitam “dividir o problema” com essas cidades. Segundo o diretor do IML, Carlos Alberto Peixoto Baptista, essa pactuação ajudaria a equilibrar a situação.
“Neste caso, nós teríamos apenas casos pontuais, de acordo com a nossa capacidade”, disse. “O Serviço Funerário Municipal de Curitiba ensejou reuniões com os outros municípios [da RMC]. Isso teria que ser pautado e teria que haver concordância dos conselhos gestores [dos municípios]”, completou o diretor do IML.
O Sindicato dos Peritos Oficiais do Paraná (Sinpoapar) defende que os municípios em que os óbitos ocorreram fiquem responsáveis por providenciar o sepultamento. Nesta semana, a entidade começou a sondar deputados, na expectativa de propor uma lei estadual que determine isso.
“Da forma como está, Curitiba está pagando toda a conta e não tem sido capaz de absorver a demanda. Com os municípios da RMC se responsabilizando, diminuiria a carga. Seria uma solução mais justa e mais barata”, ponderou o presidente do sindicato, Leandro Cerqueira.
Novo prédio só deve ficar pronto no ano que vem
Orçado em R$ 16,7 milhões, o prédio que servirá como nova sede ao Instituto Médico Legal (IML) só deve ficar pronto em 2017. A construção, que tinha previsão de ser concluída em dezembro de 2014, atrasou porque precisaram ser feitas intervenções no solo. O imóvel fica localizado no bairro Tarumã e será três vezes maior que a sede atual do órgão.
Para o Sindicato dos Peritos Oficiais do Paraná (Sinpoapar), o novo prédio resolveria os problemas estruturais, como o acúmulo de cadáveres nas câmaras frias. O presidente da entidade, Leandro Cerqueira, questiona a demora no andamento das obras. “A sede do IML foi projetada na década de 1970, quando não tínhamos tantas mortes violentas. O atraso nas obras agravou a situação [do acúmulo de corpos], que só deve ser resolvida com o novo prédio”, disse.
O diretor do IML, Carlos Alberto Peixoto Baptista, por sua vez, aponta que a inauguração da novo imóvel pouco contribuiria para resolver o problema. Ele diz que a nova estrutura não deve contar com mais gavetas de refrigeração ou com câmaras frias maiores. “A estrutura para acondicionar cadáveres vai ser mais ou menos a mesma. Nós temos que pensar em como não acumular corpos, não em estrutura para mantê-los”, apontou.