O fechamento de supermercados durante o último fim de semana inteiro em Curitiba, com permissão apenas para funcionamento em delivery, gerou reclamações entre os moradores da capital e briga no Judiciário. Comércio e shopping centers também ficaram impedidos de abrir as portas no sábado (22) e no domingo (23), operando exclusivamente com entregas, e fica a expectativa para saber se essas medidas serão renovadas no novo decreto com medidas de enfrentamento à pandemia de covid-19 que a prefeitura vai publicar no meio desta semana.
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A administração municipal defende a medida como tentativa de evitar a adoção de restrições mais duras. Infectologistas ouvidos pela Gazeta do Povo elogiam as regras implementadas no fim de semana cujo objetivo é reduzir as interações com eventuais infectados pelo vírus, mas acreditam que o momento da pandemia na capital já exige intensificação das estratégias de enfrentamento.
Beatriz Battistella Nadas, superintendente executiva da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), salienta que as restrições durante o fim de semana foram “mais uma tentativa de evitar que Curitiba volte à bandeira vermelha”.
“Toda vez que houve pico de casos, nós nunca conseguimos voltar depois para o degrau onde estávamos no começo da curva. Estamos sempre subindo de patamar, o vírus está muito disseminado”, afirma. “Precisa haver a compreensão de que devem ser mantidos todos os cuidados, o número de pessoas adoecidas segue muito grande.”
Nadas concorda com o argumento de que, restringindo shopping centers e supermercados nos fins de semana, a tendência é de maior procura de segunda a sexta-feira, mas argumenta que “o erro não está na medida (da prefeitura), está em não evitar aglomeração”.
“Se há funcionamento espalhado e diminui-se o número de dias, (a procura) pode se concentrar nos outros dias. O estabelecimento tem que cuidar para não haver aglomeração, para que o distanciamento na fila seja mantido, e as pessoas têm que entender que nós estamos em um momento diferente e precisamos aprender a fazer diferente o que sempre fizemos. Houve a alternativa do delivery, as pessoas não ficaram sem ter como comprar”, diz a superintendente.
Infectologistas acreditam que restrições atuais não são suficientes
Bernardo Montesanti Machado de Almeida, infectologista do Serviço de Epidemiologia Hospitalar do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que um dos principais fatores associados à transmissibilidade do coronavírus, que dura de cinco a sete dias, está no número de interações que o indivíduo infectado tem.
“Um estudo do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME, instituto para métricas e análise de saúde), da Universidade de Washington, mostrou que 80% dos casos de covid-19 não são notificados, então a pessoa não se isola, muitas vezes tem apenas sintomas leves ou fica assintomática e segue circulando pela cidade. Como testamos pouco, detectamos poucos indivíduos transmissores. Ao restringir de certa forma o funcionamento de ambientes onde interações ocorrem, o número de interações médias diminui”, detalha.
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“O objetivo [desse tipo de restrição] é reduzir as interações de indivíduos transmissores, que são uma parcela reduzida da população, correspondem a apenas de 1% a 2% dela em picos. Cabe a crítica, do porquê de penalizar toda a população por causa de 1% dos indivíduos, mas é uma medida [restringir] que se mostra eficaz”, acrescenta o infectologista.
Almeida argumenta, porém, que as interações nesse tipo de ambiente são “leves”, de curta duração, então a eficácia da restrição de funcionamento também é reduzida quando adotada em períodos curtos. “Vai surtir um efeito pequeno se restringir apenas durante o final de semana. Medidas mais agressivas provavelmente serão necessárias no futuro, a projeção é de que as próximas semanas serão muito difíceis no Paraná. Adiar medidas necessárias é um contrassenso. Medidas mais rigorosas deveriam ser adotadas agora”, aponta.
Juliana Gerhardt Moroni, infectologista, professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e conselheira do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), acrescenta que qualquer medida para reduzir a transmissibilidade do coronavírus é “válida”, mas concorda que as restrições aos fins de semana podem não ser suficientes. “A lotação de UTIs nunca baixou para patamares que permitissem tranquilidade no Paraná. E há mais de uma semana, já estamos verificando aumento de casos, talvez reflexo do Dia das Mães”, alerta.
“As pessoas estão se vacinando e acham que isso é suficiente. Muita gente está adotando comportamentos mais arriscados. Muitos jovens acham que podem relaxar porque os pais e os avós estão vacinados. Mas, além deles próprios poderem evoluir para quadros graves, os idosos seguem correndo riscos porque as vacinas não têm efetividade de 100% e mesmo quadros leves de covid-19 podem agravar outros problemas de saúde.”