No mezanino gastronômico do Mercadão, uma família de Curitiba aproveita a vista proposta pelos 16 metros de pé-direito, com colunas, abóbadas e vitrais coloridos ao fundo, para caprichar na selfie. Entre um clique e outro, a recepcionista Iraci Simone de Jesus, 50, dispara: “Por ser turista, acham que você é pato”.

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Pela primeira vez, ela e as sobrinhas Emanuelle, 35, e Ellen, 16, visitaram o Mercado Municipal de São Paulo, no sábado (19). Comeram pastel de bacalhau, sanduíche de mortadela e se esquivaram das barracas de frutas. “Nem experimento porque não quero me comprometer. Odeio quando ficam te empurrando as coisas”, disse Emanuelle.

Na última semana, o mercadão tem sido alvo de críticas devido a denúncias de golpes contra consumidores: o da mortadela, no qual sanduíches seriam oferecidos por uma marca, mas recheados de embutido de uma outra, mais em conta; e o da fruta. Até um perfil foi criado nas redes para denunciar os casos: confira aqui!

Nele, frequentadores estariam sendo coagidos a experimentar fruta de graça e depois serem obrigados a comprar por preços abusivos. Teve internauta que disse ter pagado R$ 800 por uma bandejinha.

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Havia mais gente driblando as barracas de pitaias, tâmaras e mangostins, e as denúncias de fraude já provocaram impacto no bolso dos lojistas.

O comerciante Antonio Pedro Júnior, 24, da Barraca do Juca, calcula que as vendas caíram 50% na semana passada.

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Com 300 tipos de fruta, a Barraca do Juca ganhou fama nacional nos anos 1990, quando foi cenário da novela da Globo “A Próxima Vítima”. Juca, na ocasião, era Tony Ramos.

Pedro Pereira da Cruz, 74, o Juca na vida real, trabalha no Mercadão desde 1970. Ele mostra as etiquetas das frutas que ali registram o preço por quilo e explica que todas elas dispõem de um código. Elas são pesadas, diz, reiteradamente na frente da clientela.

Júnior, o filho, afirma: “Eu me senti muito constrangido com toda essa história. Recebi ligações do Brasil inteiro. Clientes, que compram com a gente há mais de 20 anos, perguntando o que estava acontecendo”.

O rapaz ressalta que a barraca, onde trabalha ele, o pai e mais dois irmãos, não compactua com atos ilícitos.

“Estamos desenvolvendo uma ação para explicar ao consumidor, que anda muito ressabiado, como é o nosso processo diário de trabalho. Temos que reconquistá-lo”, explica.

Na última quarta-feira, o Procon autuou 11 barracas de frutas do Mercado Municipal de São Paulo, ao constatar a prática de irregularidades. Entre elas, manter balança escondida na parte da trás da barraca, o que impede o comprador de verificar o preço.

Presidente do conselho da Mercado SP SPE S.A., concessionária que atua no Mercadão desde setembro de 2021, o advogado Aldo Bonametti, 54, explica que, caso as irregularidades persistam, a empresa poderá retomar o espaço do lojista infrator por meio de ação de despejo. Cinco comerciantes já foram multados.

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Com 265 estabelecimentos, “os locatários passaram a entender”, segue ele, “que o Mercado Municipal de São Paulo não pode estar alinhado a essa imagem negativa”.

Na avaliação do advogado, a prática de abuso ou irregularidade é algo antigo por ali e restrita a uma minoria de lojistas. “São casos esporádicos que não podem ser generalizados”, diz Bonametti.

Inaugurado em 1933, o Mercadão recebe hoje cerca de 70 mil pessoas por semana, estima a concessionária. Só aos fins de semana, são 30 mil visitantes –a maioria é turista.

Encantada com o projeto arquitetônico eclético, de 12.600 metros quadrados, assinado pelo arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928), a professora Geanne Alves, 43, sentiu que os vendedores de frutas estavam um pouco mais contidos.

“Todo o mundo tinha me falado do assédio dos lojistas, mas achei a abordagem deles sutil”, disse ela, moradora de Natal (RN), em sua estreia no Mercadão. “Ninguém te obriga a nada. Compra quem quer.”

Fernando Barreto, 57, empresário de Salvador, diz que o assédio dos vendedores é algo deselegante, que sempre o incomodou, mas que esse tipo de comportamento não é exclusivo do mercado paulistano.

“É uma característica antiga desses estabelecimentos, vem de períodos seculares do ato de negociar”, conta. “Agora, cai no golpe quem quer”, diz ele, enquanto degustava um vinho do Porto com queijos, na Barraca do Ramon, lotada e com fila de espera.

O comerciante Antonio Kambilis, 48 anos, trabalha ali há 30. Reconhece que o problema de aproveitadores existe no mercado e não é de hoje. “Isso tudo atrapalha a imagem do Mercadão. Aqui, somos muitos. Por isso, não podemos generalizar. É importante que a fiscalização siga firme.”

Nascido na catarinense Maravilha, crescido em Manaus, o chef Felipe Schaedler, 35, é daqueles experts em mercados, tanto os variados e coloridos da região amazônica quanto os exóticos da Ásia. “Pegadinhas” e “golpes” em turistas, conta, são comuns não só no mercado de São Paulo como também no Ver-o-Peso, em Belém, ou no Borough Market, importante centro gastronômico do Reino Unido.

Chef do restaurante Banzeiro, Schaedler fala que é preciso ficar atento e sempre pesquisar e comparar preços.

“Pessoas desonestas orbitam esse universo enquanto tantas outras tentam fazer um trabalho digno”, segue. “Como em qualquer outro lugar, o que precisamos é ficar atentos. De olhos bem abertos.”

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