“O que o Departamento Penitenciário quer ver é morte”, desabafou o parente de um dos agentes penitenciários reféns e sob forte ameaça de presos rebelados na Casa de Custódia de Curitiba (CCC), desde o final da tarde do último domingo (1). Em entrevista exclusiva à Tribuna do Paraná, nesta quarta-feira (4), o homem, que também é agente penitenciário e está acompanhando de perto as negociações, denunciou a vulnerabilidade dos agentes que estão literalmente com facas no pescoço, conforme vídeo divulgado nesta terça-feira (3).
Segundo o agente ouvido pela reportagem, tudo o que tem sido dito pelo Departamento Penitenciário (Depen) é mentira. “A verdade é que o Depen está pondo panos quentes onde deveria agir imediatamente”, reclamou o homem, que questionou também a ação de representantes dos Direitos Humanos, que teria garantido a integridade de todos os presos – mas, apenas dos presos, não dos agentes. “O que mais nos assusta é ver que estão mentindo. A Comissão dos Direitos Humanos se mantém perto das negociações e ainda fez com que a PM assinasse um termo se comprometendo em garantir a integridade física dos presos na hora da entrega da unidade. Mas, e os reféns? Isso ninguém se importa?”, questionou.
O denunciante afirmou que foi prometido aos agentes reféns apoio psicológico e médico após a rebelião, mas o que vai acontecer até lá é o que preocupa os familiares. “Vão dar todo o apoio médico e psicológico depois que a rebelião acabar. Mas depois? Se alguém for morto então, não tem problema nenhum?”. Ao contrário do que afirma o Depen, ele garante que os reféns estão sendo agredidos, pois percebeu movimentações estranhas e ouviu gritos em vários momentos.
A advogada Isabel Krugler Mendes, presidente do Conselho da Comunidade, explicou que de forma alguma a comissão da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR) abandonou os reféns. “Eu mesmo tomei medidas, conversei com o presidente do Depen e com a PM, pois estamos preocupados com a integridade de todos. Hoje é o quarto dia e eles estão sem água, luz e alimento. Sem alimento até se vive, mas sem água não. Isso precisa ser resolvido o quanto antes”, contou.
Desmaios
Sem entrar no mérito de que as negociações estejam indo bem ou mal, Isabel denunciou que soube que nesta terça-feira que algumas pessoas estavam desmaiando, vomitaram e já sentem os problemas provocados pela falta da água. “Daqui a pouco pode morrer alguém. Quem está respondendo pela integridade física dessas pessoas sem água? Isso tudo é uma desumanidade, crueldade, absurdo. Não pode acontecer. Falo pela integridade de quem está lá dentro, não importa se é agente ou se é preso”.
A rebelião
No início da rebelião existiam rumores de que ela só havia começado pela facilitação de agentes, já que a CCC tem um esquema muito rígido de segurança. O homem entrevistado pela Tribuna contou detalhes sobre como a rebelião foi bem planejada pelos presos, que renderam os agentes logo depois do período de convívio, onde passaram um tempo no pátio da galeria que estão presos. “Os bandidos ficaram soltos numa galeria durante todo o dia e se organizaram. Alguns entravam e saíam do banheiro para disfarçar que outros ficaram escondidos”.
A CCC é toda monitorada por câmeras de segurança e realmente havia um agente controlando as câmeras e ele percebeu a movimentação, mas era algo comum: os presos entravam e saíam dos banheiros. “Quando houve o pedido para que os presos recolhessem, os detentos foram para as celas normalmente e visualmente, pela câmera, não tinha como saber se todos os presos tinham ido. Oque os agentes não imaginavam é que alguns ficaram estavam escondidos no banheiro”.
Ao todo, entre os presos que entravam e saíam do banheiro, 17 se esconderam e já planejavam o motim. “Quando os agentes entraram na galeria para fazer a contagem, estes presos os renderam e tomaram a cadeia. Neste caso, até que o Depen agiu rápido para conter a tomada das outras galerias, mas foi somente aí que o departamento agiu”.
Galeria tomada
Assim que a rebelião começou, o Depen evitou que o motim tomasse toda a cadeia, mas em seguida as negociações foram assumidas pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope). “O Bope veio, tomou controle de toda a situação e o pessoal do Depen se afastou. Foi aí que o problema começou, pois os presos começaram a fazer as exigências, que não mudaram desde segunda-feira, e o Depen não está acatando essas exigências”.
O pedido dos presos se mantém o mesmo desde o começo: querem que sejam trazidos de volta sete detentos, que fazem parte da mesma facção que eles. “E o Depen não está trazendo. Trouxeram um de Francisco Beltrão e os outros presos, que estão em Piraquara, que em 40 minutos poderiam trazer, não trouxeram. Não sabemos o que está acontecendo, parece até briga política. Enquanto isso, a morte se aproxima”.
A Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp-PR) explicou que o Depen estaria atendendo as exigências dos presos, mas que eles mudavam os pedidos e que não havia uma liderança certa no grupo. “Na verdade, parece que estão demorando a cumprir como se fosse uma queda de braço. Dizem que tem que confiar na palavra do Depen e que somente depois que entregarem a cadeia que os presos vão ser devolvidos, mas enquanto isso a tragédia se aproxima. Se não for resolvido, nós temos noção de que teremos mortes sim”.
Não tá tudo bem
O familiar contou à Tribuna que, desde o começo das negociações, toda vez que a equipe do Bope vai conversar com os presos afirma que “está tudo bem”. “Mas não está. Quem tem dúvida disso pode ver o último vídeo divulgado pelos presos, nas imagens a gente percebe que a coisa está séria e bem diferente do que tem sido divulgado. A direção do Depen precisa tomar alguma atitude. A governadora (Cida Borghetti) até agora não apareceu, ela precisa tomar conta da situação e resolver o problema”.
Sem chance de um fim imediato na rebelião, o Depen cortou a água, a luz e a comida da cadeia. “Só não sabemos que dia exato que foi cortado, mas o que sabemos é que de ontem (terça-feira) de manhã até agora, estão sem poder comer. Houve inclusive uma informação, de que os presos sugeriram a troca de um dos reféns por água e a PM não aceitou. Não sabemos se é verdade ou não, mas o que vemos é que estão sendo agredidos sim e ninguém fez nada até agora”.
Segundo a Sesp, o trabalho da PM continua para buscar, o quanto antes, uma solução para o motim, pois essas reivindicações dos presos (de que sejam trazidos os detentos para a CCC) já estão sendo acatadas. A Sesp ainda vai avaliar como se posicionar sobre as denúncias feitas pelo familiar do agente penitenciário e também pela presidente do Conselho da Comunidade.
Quatro agentes são mantidos reféns em Casa de Custódia de Curitiba