Não é um número aleatório, calculado com base na vontade de punição. A conta feita pelo juiz Daniel Surdi de Avelar, durante o júri de Luiz Fernando Ribas Carli Filho, para definir a pena do réu precisou seguir critérios técnicos, estabelecidos por lei. Como o corpo de sentença, formado pelos sete jurados, considerou que o ex-deputado estadual cometeu duplo homicídio com dolo eventual (quando dirigiu embriagado e em alta velocidade, causando a colisão que matou Gilmar Rafael Yared e Carlos Murilo de Almeida, na madrugada de 7 de maio), a conta começou em 6 anos de prisão – que é o mínimo previsto para esse tipo de crime.
A dosimetria, expressão jurídica que define o cálculo do tempo de pena, tem três fases. Na primeira, são consideradas oito circunstâncias. O juiz considerou que cinco eram indiferentes (nem aumentavam nem diminuíam a pena) e que três circunstâncias eram desfavoráveis ao réu. Sobre a culpabilidade, foi considerada como elevado grau de reprovabilidade da conduta do réu, que não atendeu os pedidos de várias pessoas que tentaram dissuadi-lo de dirigir naquela noite. Por isso, a pena-base de 6 anos foi aumentada em 8 meses. Também foi analisada a conduta social, e nesse aspecto, pesou contra o réu as 22 multas por excesso de velocidade e não ter entregado a carteira de motorista ao ser notificado da suspensão do direito de dirigir. Por isso, mais oito meses de pena foram acrescidos.
Ainda sobre as circunstâncias, o juiz analisou as consequências da atitude de Carli Filho, considerando a inversão da ordem natural da vida, com os filhos morrendo antes dos pais, e o reflexo para as famílias das vítimas. Em função disso, aplicou mais 8 meses para a morte de Yared e 6 meses para de Almeida. Para o magistrado, a decapitação do motorista justificou uma punição maior. Assim, a pena total ficou em 8 anos referente à morte de Yared e de 7 anos e 10 meses para a de Almeida.
É comum, em caso de júris, que as penas sejam diferentes em relação a cada uma das vítimas. Um leigo pode questionar: uma vida “vale mais prisão” do que a outra? Mas a conta não é essa. As condições da morte, por exemplo, são consideradas no cálculo. Assim, se uma pessoa mata o próprio filho e mais alguém que estava passando no momento, a pena é maior em relação ao familiar. Outro fator, para exemplificar, é a possibilidade de reação. Se um homem briga com a esposa e a mata e vai no quarto do filho e o assassina enquanto a criança dormia, ou seja, sem que pudesse se defender, isso faz aumentar a pena.
Nas fases 2 e 3 da aplicação da pena, não houve variação de tempo. Avelar considerou que não estavam presentes aspectos atenuantes ou agravantes, nem mesmo causas de aumento ou diminuição de pena. Essa parte é fundamental para entender o porquê de Carli Filho não pegar a pena máxima. O réu não é reincidente e não foi responsável pela morte de crianças ou idosos, alguns dos fatores que poderiam elevar a pena. Embora haja espaço para a avaliação subjetiva do juiz, em alguma medida, o magistrado não pode aplicar uma punição mais pesada do que a legislação prevê. E o juiz precisa justificar cada escolha que faz.
A conta da pena precisa ser feita para cada uma das mortes. Mas não são somadas. A legislação considera que houve concurso formal – expressão do mundo jurídico que significa que uma mesma atitude ilegal foi responsável por dois ou mais resultados (no caso, mortes). Assim, se alguém derruba propositalmente um avião com 200 pessoas a bordo, a pena não será a soma de cada vida ceifada, já que foi um único ato que provocou tal resultado. Para o caso de concurso formal, a maior pena (no caso, à referente à morte de Yared, que somou 8 anos) é acrescida de 1/6 até metade. O juiz aplicou 1 ano e 4 meses a mais, o mínimo previsto, o que resultou nos 9 anos e 4 meses de condenação de Carli Filho. Acima de 8 anos, o cumprimento da pena deve ser em regime fechado. A defesa do réu já analisou que pretende recorrer da decisão.