De 100 entregas a 2 mil!

Dono de restaurante conta como venceu a crise da pandemia em Curitiba

Délio Canabrava. Foto: Jonathan Campos / arquivo Gazeta do Povo.

Em julho de 2020, o empresário Délio Canabrava anunciou que estava doando um um de seus estabelecimentos, o Bar CanaBenta, localizado há 14 anos na Rua Itupava, no Alto da XV, em Curitiba. Era a crise da pandemia de coronavírus batendo à porta não só dele, mas de muitos empresários do ramo de bares e restaurantes. Na época, segundo o empresário, quem quisesse assumir a empreitada não teria que pagar nada por isso, apenas assumir um passivo de R$ 350 mil, mediante um contrato com advogado.

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Agora, oito meses depois do desespero com a crise e 12 meses depois da chegada da pandemia à Curitiba, o empresário, que também é dono dos restaurantes Cantina do Délio e Bella Banoffi, conseguiu dar a volta por cima ao transformar a incipiente operação de delivery de menos de 100 entregas por mês para mais de 2 mil, mudando completamente as suas operações. A implantação do serviço em uma escala suficiente para sobreviver e pagar as contas levou dois dias, e mais seis meses de maturação para tirar um atraso que ele considera como sendo de uma década frente aos concorrentes da capital paranaense.

“Com esposa, três filhos e 30 funcionários, vi que era vencer ou vencer. Não tinha outra saída”, explica Délio Canabrava. O empresário, que já tem R$ 300 mil em empréstimos contraídos para pagar as contas do dia a dia e o investimento que precisou fazer em novos equipamentos para o delivery, conta que consegue honrar os compromissos apenas com os 30% do faturamento vindos das entregas.

Em entrevista ao Bom Gourmet Negócios, Canabrava conta que está completamente fora dos planos voltar a dar a mesma importância de antes ao delivery, e que o objetivo agora é incrementar ainda mais este canal. Confira os principais trechos da conversa.

Délio Canabrava. Foto: Jonathan Campos / arquivo Gazeta do Povo.

Bate-papo com Délio Canabrava

Bom Gourmet Negócios: As medidas de isolamento para conter o avanço da pandemia do coronavírus chegaram praticamente de repente, com tudo fechando as portas por volta do dia 20 de março e passando meses sem receber clientes. Nos seus dois restaurantes, Cantina do Délio e Bella Banoffi, não foi diferente. Como você se viu naquele momento?

Délio Canabrava: Era um cenário praticamente catastrófico em que eu tinha um restaurante que nunca teve tradição para o delivery. Eu não abri a Cantina para entregar, mas para receber os clientes e proporcionar aquela experiência do atendimento. E, de repente, não podia mais abrir as portas. O delivery pra mim só dava prejuízo, não respondia por nem 1% da receita dos negócios, era só dor de cabeça e reclamações dos clientes. A comida que entrega empacotada fica com um sabor diferente, uma aparência diferente da servida no salão. Não fazia parte da minha estratégia. Com esposa, três filhos e 30 funcionários, vi que tinha de repensar como trabalhava. Era vencer ou vencer. Não tinha outra saída.

E como foi mudar todo esse conceito e essa mentalidade para “vencer”, como você diz?

Eu sentei com a minha esposa e os sócios para pensar em como virar o jogo e recomeçar o delivery do zero. Não tinha mais servirmos o que servíamos até então, e não era simplesmente pegar os pratos do salão e empacotar para entrega. Fui para a internet estudar e ver o que a concorrência estava fazendo, o que publicavam, assisti a muitos cursos pelas plataformas de streaming, ouvi conselhos de especialistas e comecei a desenhar o que seria o nosso novo delivery. Fechamos na sexta-feira e reabrimos na segunda como se fossem dois restaurantes totalmente novos, tudo mudado.

O que mudou de tanto no delivery da Cantina do Délio e da Bella Banoffi?

Eu refiz todo o cardápio e os horários de atendimento dos restaurantes, prestando muita atenção nos feedbacks que tínhamos dos clientes, nas embalagens, no tamanho das porções entregues, nas próprias ações de marketing e nas redes sociais. Elaborei um plano de ação que não poderia dar errado, não tinha margem para dar errado. Um dos principais pontos foi entender que o hábito do cliente em casa é diferente do salão, e ele não tem a opção de pedir mais um prato ou mais um acompanhamento além do que já pediu, senão leva mais 40 minutos para chegar. Então tem que entregar tudo o que ele precisa de uma só vez.

Como assim? No seu restaurante os pratos eram individuais, no delivery é diferente?

Sim, no delivery fazemos pratos para duas ou quatro pessoas, e que comem até mais, com um preço um pouco menor. É tudo uma questão de contas. No restaurante, um dos maiores gastos que temos é com recursos humanos, o garçom, o serviço, e esse custo vira a taxa de entrega dos aplicativos de marketplace – que às vezes custam até um pouco menos e permitem que um prato para duas ou quatro pessoas tenha um preço final um pouco menor. Até o tamanho da torta Banoffi eu tive que aumentar, porque no restaurante o cliente pode pedir mais uma fatia ou um café, mas no delivery não tem como. A lasanha, por exemplo, na casa tinha 600g, e no delivery ela tem 900g.

Mas, como equalizar os custos dos pratos para que tenham um bom CMV (Custo da Mercadoria Vendida) e ainda ter uma margem de lucro considerável em cima?

No delivery você tem que ter pratos com margem grande e custo baixo para que a conta feche, porque vai gastar entre entregadores e comissionamento de aplicativo em torno de 30% em média. Por exemplo: é muito difícil trabalhar em delivery com pratos caros como bacalhau ou lagosta. É preciso pegar opções que custem menos, mas que rendam mais. Tem que escolher a dedo. Por isso que fazem tanto sucesso na internet a pizza e o hambúrguer, por exemplo, por terem os menores custos. Aqui a gente tem como certeiros os pratos com massa e carne, que são duas coisas que dão aquela sensação de saciedade, de “comfort food”, e custos que podem ser compensados um no outro. Se a proteína está mais cara numa semana, você aumenta a quantidade de carboidratos, que são mais baratos. E vai mantendo os cálculos na ponta do lápis, vendo o tempo todo quanto está custando para produzir.

Foi isso que você viu na atuação dos seus concorrentes?

Sim, e eles foram muito solícitos comigo, quero inclusive agradecer por terem me ajudado nisso, nas orientações para fazer o delivery da Cantina e da Banoffi. Eu vi que estava atrasado em pelo menos 10 anos, estava na minha zona de conforto, e a pandemia me deu um chacoalhão. Eles têm um know how que eu não tinha e nunca corri atrás para ter até então, como aplicativo próprio, um atendente de pedidos (não apenas caixa), desenvolvimento, equipe de entregadores, gestão, etc. Enquanto eu estava montando o meu carro para entrar na corrida, eles já estavam muito a frente. Levei seis meses para montar tudo como está. Apanhei muito no começo, de pegar pedido, expedição da comida e entrega no tempo. Também passei a testar os pratos em casa, com a família, e ser sincero. Não pode dizer que a comida está apenas boa, ela tem que estar sensacional. E também passei a analisar e a estudar os algoritmos e a lógica do ranqueamento dos aplicativos.

Como tem sido a evolução do delivery nos seus dois restaurantes?

Desde que começamos esta nova fase, o delivery vem dobrando mês a mês. Lá atrás, nós colocamos os funcionários no programa do governo de manutenção do trabalho e da renda e conseguimos otimizar os custos para seguir crescendo. Com todo esse estudo que eu fiz de formatos e embalagens, precisei comprar uma máquina de embalar a vácuo, uma termoseladora de alimentos, um forno de alta velocidade, embalagens (em torno de R$ 10 mil ao mês), foi um investimento necessário que não me arrependo e que sei que virá no médio prazo. Saí de R$ 3 mil para 30% da receita. O retorno já está vindo, e vai continuar, é um caminho sem volta que tem que ser aprimorado cada vez mais.

Neste meio tempo da pandemia, vimos pelo país a abertura de novas operações mesmo com toda a crise e perdas provocadas pelos decretos sanitários que restringem a operação dos restaurantes. Você não foi diferente, tanto que, mesmo com empréstimos e dívidas, abriu o Torrone e o Empório do Délio.

Essas duas operações surgiram na pandemia, de que alimento está vendendo muito. O mercado alimentício está muito em alta, e os empresários precisam ver que não há motivo para pânico. É preciso criar novos produtos e novos cardápios. O Torrone foi uma criação da minha esposa, Renatta Ferian, que toca a Bella Banoffi. Só que ela via que a torta Banoffi era perecível demais, dura um dia só, mas queria fazer algo que tivesse um prazo maior, uns seis meses. Então ela pesquisou muito durante a pandemia e criou o torrone, que é fácil de fazer e despachar, e vende para o Brasil todo hoje em dia. Ela diz que nem dá conta mais de tanto que está vendendo. Da mesma forma eu descobri um novo serviço com o Empório do Délio, de comidas congeladas para as pessoas finalizarem em casa. São duas vendas feitas na mesma cozinha com a mesma equipe, filhas da pandemia criadas na hora certa.

Em suma, você precisou se reinventar e fez um grande investimento para isso. Já tinha um nome, um conceito e um produto. Mas, a grande maioria dos empreendedores do setor é de pequenos empresários que não dispõem de recursos e muito menos acesso à linhas de crédito suficientes para comprar máquinas termoseladoras e fornos de alta velocidade. Fazer delivery é só para quem já tem nome feito no mercado?

Não, e eu vou explicar porquê. Eu tenho um sobrinho no Mato Grosso do Sul que precisou empreender por necessidade. Na cozinha de casa ele começou a preparar massas, molhos e carnes, com um único investimento em um fogão de alta pressão, já que o doméstico não atende a contento ao que precisa. Fez uma pequena cantina. Com o notebook próprio, fez todo o sistema para o gerenciamento de vendas e começou a vender. É fundamental que a pessoa faça a lição de casa: estudar técnicas de venda (tem muitos cursinhos rápidos na internet), ver o que a concorrência está fazendo, oferecer entrega grátis ou cupons de descontos por um tempo, etc. Como eu disse anteriormente, a parte mais cara do restaurante é o RH. De começo pode iniciar com a companheira, um sócio, você e mais uma pessoa para otimizar este custo. Abre lá um MEI (microempreendedor individual) e já consegue se cadastrar nesses marketplaces. Tem que ter muita criatividade, estar sempre se inovando, e fazer muito marketing online nas redes sociais.

Por outro lado, se a pessoa já tem um comércio, ela tem que redesenhar tudo, os pratos, o conceito, as embalagens, e investir no marketing digital, no online. Além de tornar a cozinha mais ágil e eficiente, tanto no recebimento como na expedição. Tem que ter um planejamento de espaço, de embalagens, para que a comida chegue perfeita lá na ponta, no cliente, em no máximo 40 a 50 minutos. E, para ambos os casos, pensar também em entregar algo mais para os clientes, um brinde, uma sobremesa, algo que conquiste a confiança e o fidelize a pedir mais vezes. O negócio é surpreender o cliente.

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