Corrente do bem

“Diaristo” faz faxina do bem e ajuda pessoas com depressão em Curitiba

o diaristo mendes
Mendes ao lado de produtos de limpeza doados por empresas, para incentivar a luta contra a depressão. | Foto: Arquivo pessoal

O curitibano Luiz Henrique Mendes, 35 anos, morador de São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, vai completar em agosto cinco anos trabalhando como diarista. Mendes já foi pauta na Tribuna, em 2020, quando contou sua guinada na vida profissional ao deixar o emprego de chef em um restaurante vegetariano para limpar casas, cozinhar, cuidar dos animais de estimação e, porque não, fazer parte da família dos clientes. Ele até registrou a marca ‘O Diaristo’ e a exibe com orgulho em seu uniforme.

Este ano, Mendes volta a ser notícia por uma inciativa inspiradora. Uma postagem em suas redes sociais, no dia 27 de junho, despertou a solidariedade de diversas pessoas para a necessidade de apoio na luta contra a depressão. A proposta foi limpar de graça as casas de pessoas depressivas, que apresentam dificuldade emocional até para a higiene pessoal. De imediato, Mendes recebeu apoio e a primeira limpeza aconteceu no último sábado (02), em uma residência de Campo Largo, também na região metropolitana.

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“Faz duas semanas e meia que fiz essa minha postagem, já na outra semana fizemos a primeira faxina do bem. Estamos em 44 pessoas no grupo de WhatsApp que criei para as pessoas nos ajudarem. Dessas, apenas uma é conhecida minha, as outras vieram por amor à causa”, conta Mendes.

Segundo ele, já há mais uma limpeza agendada para depois do dia 21 de julho. “Tive a ideia por conta de muita gente ter essa doença. Eu mesmo tenho, mas minha casa não consigo deixar bagunçada. Minhas crises vem e vão, mas batalho dia após dia pra não cair nessa”, explica o empreendedor.

Um vídeo postado nas redes mostra o antes e depois da chamada “Limpeza do Bem”, nome que o grupo deu para a inciativa. As imagens são impactantes, mostram como é difícil manter o mínimo de organização e higiene para quem sofre de depressão. “A pessoa da casa chegou a pedir ajuda na limpeza para uma amiga. A amiga não ajudou. Foi quando a pessoa decidiu entrar em contato comigo. Eu pedi vídeos e fotos da situação dela e fomos ajudar”, revela Mendes.

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Uma publicação compartilhada por O Diaristo Luiz Mendes (@odiaristo_luizmendes)

A partir do pedido, O Diaristo montou um grupo no WhatsApp e as pessoas foram entrando. “Alguns ajudaram com pix pra bancar café, almoço e combustível do pessoal que foi no dia participar da faxina do bem. Outros doaram materiais de limpeza e seis pessoas ajudaram na mão de obra, no dia da faxina”, conta ele, destacando que as doações de produtos foram das empresas Radan Industrial, de Campo largo, e da Aiq Limpo Querosene Cremosa Perfumada, de Almirante Tamandaré. “Também teve pix. O total arrecadado foi de R$ 686,10. O que sobrou ficará guardado para a próxima limpeza”, ressalta.

Produtos doados e armazenados para a próxima limpeza do bem. | Foto: Arquivo pessoal

Postagem nas redes

Na postagem do dia 27 de junho, Mendes faz uma pergunta: “Você conhece alguém que tenha depressão profunda, aquelas pessoas que acumulam tudo dentro da sua casa e não têm vontade de fazer nada da vida, não sai de casa pra nada?”

A partir daí, O Diaristo conta que fará a ação de limpeza uma vez por mês, de graça, e que os pedidos para as escolhas das casas das pessoas serão analisados por meio de vídeos e fotos, para evitar que gente mal intencionado queira tirar proveito da ação sem merecer. “Precisamos mesmo de pessoas que precisem desse serviço, pois estarei pedindo pra mandar vídeos antes de ir, e lembrando que irei fazer uns vídeos de antes e depois, isso sem expor os proprietários. Queremos ajudar e não ser passado para trás por pessoas que têm condições e se aproveitar desse projeto social”, orientou Mendes na postagem.

Cuidado e carinho ajudam na recuperação da depressão

Segundo o psiquiatra e professor do Departamento de Saúde Coletiva da UFPR, Marcelo Kimati, a atitude do Diaristo remete a algo que tem ficado quase esquecido quando se fala de diagnósticos de saúde: o cuidado. “A atitude de solidariedade do Luiz Mendes é louvável. Quando há um diagnóstico e o paciente começa a receber tratamento, a doença passa a ser manejada por médicos, costuma-se perder a dimensão do cuidado. Por isso, pessoas ao redor e as redes que chamamos de apoio fazem uma enorme diferença na recuperação”, aponta o professor.

Kimati explica que, embora só o ato de limpar a casa não baste para livrar a pessoa de um problema emocional, psiquiátrico, ou qualquer que seja o diagnóstico, não se pode se deixar de lado o carinho que outras pessoas pode representar nas várias dimensões psíquicas de um doente. “Atinge algo que o paciente não prevê, que ele não esperava que pudesse acontecer. No caso da depressão, por exemplo, há quadros em que a pessoa se sente não merecedora de ajuda, se sente culpada, não encontra forças para tarefas cotidianas, sentindo tristeza diária na maior parte do dia. Só o tratamento médico, com medicamento, muitas vezes não é suficiente. A pessoa precisa de cuidado. E esse cuidado inclui várias ações auxiliares ao tratamento médico”, destaca.

Por outro lado, Kimati alerta que a casa suja, a falta de cuidado consigo mesmo, não necessariamente caracterizam um quadro depressivo. O professor ressalta que há outros diagnósticos possíveis e até prováveis nesses casos, pois a rede de saúde no Brasil oferece muitas alternativas de tratamento para a depressão e, dificilmente, o quadro de saúde chega nesse ponto. “A rede pública, especialmente a Atenção Primária, permite que quadros graves sejam identificados mais facilmente. Com esse atendimento rápido, ela acaba sendo a maior dispensadora de medicação psicotrópica no país. É preciso estarmos atentos quanto a isso. Cada caso é muito particular”, explica.

Vale destacar que o diagnóstico da depressão é complexo. Segundo Kimati, desde o fim da década de 1990, muita coisa mudou. “É importante dizer que a definição de depressão vem mudando muito frequentemente. Os modelos são ligados a manuais diagnósticos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Associação Americana de Psiquiatria”, ressalta.

Um exemplo é o tempo dos sintomas. No fim de 1990, o prazo era de 60 dias com o paciente apresentando quadro de tristeza diária, mais um conjunto de sintomas característicos. Hoje em dia, o limite é mais breve. Em até três semanas, segundo os manuais, há possibilidade de se diagnosticar depressão. “O impacto disso é um aumento na prescrição de medicação antidepressiva. Há dados mostrando que essa prescrição de remédios quadruplicou em 20 anos. Para se ter uma ideia, nesse período, vários fenômenos que não são necessariamente médicos, mas os quadros justificados de tristeza como o luto, angústia, má situação financeira, irritação, passaram a ser tidos como tratáveis, gerando o que chamamos de medicalização”, aponta Kimati.

Por isso, segundo o professor, é preciso desacelerar essa prática para evitar outros problemas de saúde pública. “Antigamente, esses medicamentos eram aprovados por não fazerem mal a ninguém. Atualmente, se conhece mais sobre seus efeitos e os prejuízos que eles podem trazer”, diz Kimati.

O professor opina que o ideal seria usar um prazo de seis a oito semanas com o paciente apresentando tristeza diária. O risco de um diagnóstico errado tende a ser menor. “Diminui muito a chance de identificar episódios depressivos onde eles não existem. É necessário um tempo maior de presença de sintomas como prejuízo no trabalho, nos relacionamentos, nos cuidados consigo mesmo, para que exista uma especificidade no diagnóstico e se evite de medicar situações que não são médicas”, finaliza.

Quer participar da ajuda voluntária?

Caso tenha interesse no trabalho, entre em contato pelo telefone (41) 99533-7024 ou pelas redes sociais, no Facebook é O Diaristo Luiz Mendes e no Instagram luizhenriquemendes86.

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