Um movimento já típico em Curitiba cresceu e ficou mais evidente durante a pandemia. Toda vez que os índices de desemprego aumentam, mais pessoas recorrem ao lixo para fazer alguma renda e driblar a crise.
São pessoas que não atuam como recicladores, são catadores eventuais. Em alguns casos, até usam o mesmo carrinho dos carrinheiros. Mas é comum recorrerem ao carro de passeio da família para sair à procura do lixo reciclável. Passam em frente a residências, condomínios e estabelecimentos comerciais recolhendo o material antes que o caminhão do “lixo que não é lixo” passe.
Se por um lado, o lixo reciclável representa um socorro para esses catadores eventuais, que sofrem com o desemprego, por outro ele faz falta e reduz a renda dos recicladores que atuam nas cooperativas de reciclagem e têm no lixo sua única fonte de renda.
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“Recebíamos cerca de 54 toneladas de lixo por mês. Caiu para aproximadamente 25 toneladas desde que começou a pandemia”, conta Júlio César Fulgêncio, secretário da Associação Curitiba Mais Limpa, que utiliza um barracão de 600 metros quadrados na Cidade Industrial de Curitiba (CIC) e reúne 15 associados. Segundo ele, a redução no volume do lixo representou uma queda média de 35% na renda dos associados da cooperativa que vivem da venda do lixo.
Situação parecida aconteceu na Associação Recicle Mais Curitiba DJES (Dignidade, Justiça e Estabilidade Social), que tem barracão no bairro Parolin. A presidente da Associação, Marta de Queiroz, conta que antes da pandemia recebia cerca de 12 toneladas de lixo reciclável por semana do caminhão Separe. “Caiu para cerca de 5 toneladas semanais”, diz.
Segundo ela, a situação só não ficou mais grave para os 17 associados porque houve uma valorização no preço de alguns reciclados. “O preço pago pela garrafa pet subiu 150%, pelo papelão, cerca de 70% e para as latinhas, 35%”, observa. O aumento no valor pago foi reflexo da falta de matéria-prima, que levou muitas indústrias a recorrerem ao material reciclado em substituição aos itens que ficaram escassos e mais caros.
Mesmo ganhando mais em alguns produtos comercializados, a renda dos associados da Recicle Mais caiu em torno de 20% com a redução no volume de material entregue pelos caminhões da prefeitura. Marta conta que além do material recebido pelos caminhões Separe, a Associação tem um pequeno caminhão próprio, que faz a coleta direta em algumas situações, recolhendo lixo de empresas e condomínios parceiros. Mas o lixo recolhido pela prefeitura ainda representa 70% do material de trabalho da associação.
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A prefeitura de Curitiba confirma que houve uma redução média de 25% no volume de lixo reciclável recolhido pelos caminhões do lixo que não é lixo. “Caiu de 1.600 para 1.200 toneladas por mês”, informa a secretária municipal de Meio Ambiente, Marilza do Carmo Oliveira Dias.
Segundo ela, é o reflexo nítido do desemprego e da crise, que leva mais pessoas a recorrerem ao lixo reciclável para garantir o sustento das famílias. Em Curitiba, há 40 entidades, entre cooperativas e associações de recicladores de lixo, cadastradas no programa Eco Cidadão, da prefeitura. Elas recebem um valor por tonelada de lixo recebida para fazer a triagem e a destinação adequação dos rejeitos.
Para as entidades que trabalham em sede disponibilizada pela prefeitura, o valor é de R$ 208,58 por tonelada de lixo recebida. Para aquelas que atuam em barracões alugados de terceiros, o valor recebido é de R$ 540,11 por tonelada (para as 50 toneladas iniciais) e R$ 208,58, por tonelada (a partir da 51ª tonelada).
“É o valor repassado pela prefeitura que cobre as despesas de manutenção, como água, luz, aluguel do barracão, combustível e o salário de um funcionário administrativo”, diz Marta de Queiroz, da Recicle Mais. “O valor resultante da venda do lixo reciclado é rateado entre os associados”, informa.
População pode ajudar melhorando a reciclagem
Uma forma de aumentar a renda de quem trabalha na reciclagem do lixo vem da própria conscientização da população. Estima-se que hoje 25% do lixo que segue para os aterros sanitários (destinado exclusivamente ao lixo orgânico domiciliar) são produtos recicláveis, que poderiam estar indo para as recicladoras, garantindo mais renda para quem vive do lixo.
“A população pode ajudar melhorando a reciclagem”, diz a secretária do Meio Ambiente. Segundo ela, tudo o que é lixo seco, exceto material sanitário (papel higiênico, máscara descartável e guardanapo) deve ir para o lixo reciclável. “Na dúvida, coloque no lixo que não é lixo”, diz Marilza. Segundo ela, muita gente acaba colocando junto com o lixo orgânico materiais que são recicláveis e têm valor. A secretária também orienta a população para que preferencialmente destine ao lixo reciclável o material já limpo, o que favorece o seu aproveitamento.
A professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Tamara van Kaick, que preside o programa UTFPR Sustentável e gerencia projetos na área, em parceria com a ONU e com algumas prefeituras, diz que há vários materiais indo indevidamente para o aterro sanitário.
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“Nesse período de pandemia aumentou muito o volume de embalagens em casa, devido a maior opção pelo sistema de delivery. Com isso, teve um aumento gigantesco desses materiais nos aterros”, informa.
Outro problema, segundo a professora, são os materiais que são recicláveis, mas vão muito sujos para a reciclagem. Alguns exemplos são caixas de leite, copos de iogurte, embalagens de mostarda, catchup, maionese e outros molhos, latas de sardinha ou atum, entre outros. Ela explica que essas embalagens têm valor, mas devem ser minimamente higienizadas em casa, antes de irem para o lixo.
“Esse lixo muitas vezes fica alguns dias armazenado nas recicladoras antes de passarem pela triagem, higienização e posterior venda. Se está muito sujo, atrai vetores, como baratas, ratos e insetos para dentro dos barracões”, observa. “O problema começa em casa. A população tem que entender o seu papel como agente ativo para reduzir determinados impactos”, reforça a professora.