Um apontamento feito recentemente por uma deputada na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) chama atenção: como os projetos de lei são escolhidos para serem debatidos e movimentados dentro da Casa? No dia 6 de maio, durante a sessão plenária do dia, a deputada Ana Júlia (PT) relatou que no dia 6 de março de 2023 protocolou o projeto de lei nº 78 com o objetivo de alterar a estrutura da Polícia Civil para acolher melhor as mulheres vítimas de violência.
Meses se passaram e o projeto não foi debatido pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) – que é o primeiro lugar que concentra todas as iniciativas na Alep. No entanto, conforme disse a deputada, no dia 17 de outubro de 2023, o deputado Denian Couto (Pode) protocolou o projeto nº 868, com temática semelhante ao dela. Pouco tempo depois a iniciativa do parlamentar foi discutida na CCJ, aprovada e seguiu adiante em outras comissões.
“No projeto do deputado Denian, a Lei Maria da Penha é citada no texto, enquanto no meu, na justificativa. E a segunda diferença é que meu projeto prevê uma mudança na estrutura da Polícia Civil para conseguir atender essa demanda e o do deputado, não”, afirmou Ana Júlia na ocasião.
O caminho de um projeto de lei na Assembleia
É importante lembrar o caminho que um projeto faz dentro da Alep. Quando um deputado protocola uma sugestão, esse documento vai primeiramente para a CCJ, onde será analisado. Ao ser aprovado pela CCJ, o projeto seguirá para outras comissões, que estão relacionadas com o conteúdo daquela proposta. Após ser debatido em todas as frentes necessárias, o projeto pode ser apresentado em plenário para votação.
“Por que que o meu projeto, que foi feito em março, não foi nem para a CCJ, não foi nem pautado e o projeto, sobre a mesma matéria, mas incompleto, protocolado em outubro, já foi para CCJ, já foi aprovado e está na Comissão da Mulher? Qual que é a diferença entre esses dois deputados e entre esses dois projetos? Porque não está sendo verificada a questão de mérito. Não é o mérito do projeto que tá em jogo”, questionou a deputada.
A parlamentar também indagou se existe preferência por projetos apresentados por homens. “Então quando uma deputada mulher protocola um projeto sobre mulheres, construído com mulheres, construído com as delegacias da mulher, com a Controladoria das Mulheres e debatido com as mulheres, ele não vai para frente, fica parado. Mas quando um homem protocola um projeto sobre mulheres, ele anda” desabafou.
Afirmando que não era a única a passar pelo problema e que a demora de tramitação dos projetos prejudica a população, a deputada sugeriu uma reorganização. “Eu gostaria que a diretoria legislativa, que a presidência da Casa, que o presidente da CCJ conseguissem dialogar [para] conseguir colocar um sistema eficiente para pautar os projetos dos deputados e deputadas. Porque não é possível que a gente está tentando discutir coisas sérias, está tentando mudar a vida das pessoas e as coisas não vão para frente”, acrescentou Ana Júlia.
Assista na íntegra os apontamentos feitos pelos deputados:
Problema continua
Mais de um mês depois da sessão, a reportagem da Tribuna do Paraná procurou a deputada Ana Júlia para falar saber sobre o assunto. A parlamentar explicou que após a sessão do dia 6 de maio conversou com o presidente da CCJ, o deputado Tiago Amaral (PSD), a respeito do projeto em específico. Entretanto, ela confirmou que não aconteceu nenhuma mudança sobre o trâmite dos projetos gerais na Casa.
“A CCJ continua sem ter um critério fixo para decidir quais os projetos serão pautados ou não. Não é um critério por data de protocolo ou por urgência da temática, enfim, ou qualquer outra coisa. Não há um critério. Acaba ainda como uma prerrogativa do presidente da CCJ, então não mudou os trâmites da CCJ e nem da Casa”, revelou.
Para ela, essa falta de critérios impacta a atuação parlamentar dos deputados e também, a população. “A atuação parlamentar e a proposição de projetos não está relacionada ao que é bom para deputada Ana Júlia ou deputado X, mas o resultado do que aquela legislação pode trazer para a população. Então não ter um critério, não ter uma forma de tramitação mais rígida dentro da Casa impede que se tenham leis a favor das pessoas, a favor da população”.
CCJ tem 1.800 projetos acumulados
No dia 7 de maio, durante a reunião da CCJ, o deputado Tiago Amaral iniciou o encontro falando sobre as colocações feitas durante a sessão da Alep do dia 6 de maio. “Quero destacar que a preocupação trazida pelos parlamentares é também uma preocupação nossa. Mas a nossa preocupação começa sobre a impossibilidade de nós conseguirmos atender a todos os parlamentares na vontade que eles têm de que os projetos sejam efetivamente pautados e tramitados”, destacou.
De acordo com Amaral, quando ele assumiu a presidência da CCJ, em fevereiro de 2023, a comissão já possuía 1.500 projetos parados. “O ano passado [2023] nós tivemos 1.058 projetos protocolados na Assembleia. Nós já fizemos essa conta antes, mas nós conseguimos pautar no ano passado pouco mais de 700 projetos, ficando, portanto, mais de 300 projetos para trás. Então ai já nós estamos em 1.800 projetos que a gente tem de arquivo”, comentou o deputado.
Dizendo ser inviável e impossível analisar todos os projetos apresentados pelos parlamentares, Amaral sugeriu aumentar os encontros da CCJ para dois dias por semana. “Talvez o que, se meus colegas membros da comissão entenderem, o que nós podemos fazer é aumentar a quantidade de dias de sessões da comissão, fazer dois dias por semana. Vou deixar essa sugestão aqui colocada, até para que a gente possa, de alguma forma, tentar analisar uma quantidade maior de projetos.”
A Tribuna do Paraná também procurou o presidente da CCJ. De acordo com a assessoria de Tiago Amaral, os projetos são escolhidos com base na relevância e urgência, bem como em pedidos dos autores, com vistas a dar equivalência na proporção de projetos por autor.
Além disso, a assessoria informou que os parlamentares optaram por não aumentar o número de reuniões da CCJ.
Assista ao pronunciamento na íntegra: