Em 1963, quando a Avenida Manoel Ribas, em Santa Felicidade, era a rota que ligava as chácaras da colônia italiana ao Centro de Curitiba, a fila de charretes que se formava na parte alta da rua muito assemelhava-se à interminável fila de carros que se forma no trecho hoje em dia, principalmente aos domingos. Carregadas com os produtos cultivados nos lotes do bairro, as carroças guiadas pelas mulheres da colônia, levavam não somente os frutos da terra, mas também meias e xales tricotados pelas senhoras italianas, para serem vendidos na cidade. Naquele ano, um pequeno restaurante, às margens da avenida, mudava de proprietário. Ainda com poucas mesas, o estabelecimento ganhava um novo nome: Restaurante Madalosso.
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Das bisavós às avós. Das avós às mães. Geração a geração, a tradição do trabalho árduo foi passada entre as mulheres de Santa Felicidade e, expandindo-se junto com o bairro, o Madalosso também agregava, cada vez mais, mulheres fortes em seu rol de funcionários. Algumas desde a inauguração, outras que chegaram mais tarde. No restaurante, quando o assunto é trabalho, as mulheres não fazem distinção entre a hora da labuta e a hora do descanso. Nem no Dia das Mães.
Aline Geschonke, 31, atende o telefone. Ao fundo é possível ouvir o burburinho do restaurante. Dividida entre o comando da cozinha e o vai e vem de pratos do salão, a chefe de operações para tudo para atender a reportagem. A gente pergunta se vai atrapalhar. Ela nega. Acostumada à rotina multitarefa, contar sua história não soaria tão difícil, a princípio. Enganou-se. “Ah, sei lá… é que eu não tô muito acostumada a falar de mim”, diz envergonhada.
Começamos então com uma pergunta simples: “você tem filhos?”. A partir daí a conversa flui solta e desembaraçada, afinal, quem é mãe sabe: filhos rendem um sem fim de histórias pra contar. Quase tantas quantas rendem três anos de trabalho, à frente da cozinha de um dos mais tradicionais restaurantes do núcleo gastronômico de Santa Felicidade.
A rotina é puxada. Diariamente, das 16h às 24h, Aline conduz a equipe de quinze funcionários da cozinha e mais um exército de garçons uniformizados que, atentos, cumprem as ordens da moça num vai e vem frenético entre a copa e o salão. “Precisa ter voz. Administrar a dinâmica entre a cozinha e as mesas é uma responsabilidade muito grande e nada pode sair do controle”, afirma. Nada mesmo já que, aos intervalos – ao invés de descansar – ela aproveita para certificar-se que tudo vai bem casa: o banho, a lição, o jantar.
Mãe de três, a chefe aprendeu nos últimos anos o malabarismo que tantas mães repetem, dia após dia, conciliando trabalho e família e, se antes, cumprir a demanda parecia impossível, hoje a rotina desafiadora rende risos. “Lidar com clientes era um desafio, até que chegou meu filho Miguel, que é ligado no 220. A canseira ali é grande, às vezes maior que em dia de salão cheio”, brinca. Do outro lado da linha, a voz suave da jovem mãe não denuncia a firmeza de “Aline profissional”. Em casa, o equilíbrio. Nem tão suave, nem firme demais quando o assunto é a criação de Ana Caroline, de 14 anos; Nathalie Cristina, de 12 e Miguel de 4 anos.
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“Engravidei muito jovem e passei por uma gestação difícil com a minha primeira filha. Naquela época quem me acolheu foi minha mãe com quem fui morar e criei minha filha em seus primeiros anos de vida”, relembra. Para Aline, o exemplo de amor e acolhimento da mãe tornou-se mais que motivo de gratidão, mas também inspiração para o resto da vida. “Minha mãe me colocou debaixo das asas e me acolheu incondicionalmente. Sou eternamente grata pelo que ela fez, e muito feliz em poder celebrar mais um Dia das Mães com ela assim: pertinho da gente”, revela.
Na escala de trabalho
O encontro, porém terá de aguardar já que no Dia das Mães, Aline estará à postos no restaurante. A data é uma das mais disputadas pelas famílias que frequentam o Madalosso e, este ano, o movimento deve ser grande mesmo com as restrições da pandemia. “A expectativa costuma ser grande no Dia das Mães e o movimento na cozinha é intenso nessa data”, afirma Aline, que já chegou a chefiar o atendimento de 3.500 pessoas em um único Dia das Mães. “Com a pandemia o número fica reduzido. Mas os pedidos de delivery serão muitos então teremos um dia de muito trabalho pela frente”, explica.
Sem peso nem ressentimentos, a chefe afirma estar preparada e ressalta que trabalhar para servir tantas mães, suprime qualquer sentimento de desamparo. “Eu sei que muita gente acharia ruim ter que trabalhar nesse dia. Mas em casa isso já foi bem conversado com meus filhos e eles sabem que eu tenho essa responsabilidade. Nosso Dia das Mães normalmente é Noite das Mães, porque eu chego tarde. Mas tudo é feito do nosso jeitinho e receber o amor deles no fim do dia puxado de trabalho, dá um gosto diferente pra coisa toda”, diz.
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Do mesmo lado do balcão, quem também sabe bem como funciona trocar o descanso pelo trabalho no Dia das Mães é Flora Madalosso Bertolli, 82. Proprietária do complexo gastronômico, ela afirma não ter faltado em nenhum dos últimos 58 dias das mães já celebrados no restaurante, desde a inauguração em 1963. “Desde sempre a cultura da casa foi receber as mães como forma de promover um descanso merecido. Normalmente são elas que cozinham noite e dia. Aqui a ideia é tirá-las da cozinha e servi-las como de fato merecem”, afirma a empresaria.
A dedicação ao serviço, rendeu à Flora honrarias e aclamações em nível global, a ponto do complexo Madalosso figurar como maior restaurante da América Latina e, no Guiness Book, como segundo maior restaurante do mundo. Legado que hoje é passado aos cuidados dos netos e bisnetos. Orgulhosa do restaurante que considera “outro filho”, Flora admite sentir-se um pouco mãe dos 400 funcionários que trabalham incansavelmente para garantir o bom atendimento no espaço. “É uma extensão da minha família”, afirma.
Depois de tanto tempo celebrando o Dia das Mães com a “família do trabalho”, arriscamos perguntar à Dona Flora se, pelo menos esse ano, ela passará a data com a “família de casa”. “Só vou pro café da tarde”, brinca a empresaria.
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