Do município de Simões, no interior do Piauí, e de Garopaba, litoral de Santa Catarina, vêm dois exemplos de famílias que mudaram para Curitiba após os filhos serem diagnosticados com doenças raras, em busca de tratamentos bem específicos. Com o mesmo objetivo, tem até família que decide pela mudança de cidade antes mesmo de o bebê nascer. São histórias que refletem o número de hospitais pediátricos no Brasil e como eles estão distribuídos no território nacional.
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“Hoje, quando perguntam onde a gente mora, respondemos que é na região sul”, diz Tatiane Vetter, mãe da Bella Vetter Kottwitz, diagnosticada com atrofia muscular espinhal há dois meses. A rotina da família já se dividia entre Porto Alegre (RS) e Garopaba (SC) e incluiu Curitiba na lista de moradia após a descoberta que a doença rara era causa da dificuldade da criança em fazer movimentos esperados para um bebê de quatro meses, como ficar de bruços.
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“Foi em uma consulta de rotina que o pediatra da Bella percebeu que havia um atraso no desenvolvimento dela”, relata Patrick Kottwitz, pai da menina de seis meses que precisa do medicamento mais caro do mundo, o Zolgensma. A dose custa R$ 7 milhões. Uma semana depois, a família já estava em contato com uma neuropediatra de Curitiba. “Percebemos que precisaríamos ficar aqui. Nossa rede de contatos, médicos, fisioterapeutas, tudo foi rapidamente fortalecido em Curitiba”, conta Patrick.
Tratamento de alta complexidade requer acompanhamento de vários profissionais
“Pacientes que têm doenças de média e alta complexidade precisam de tratamentos multidisciplinares. Além de pediatras especializados, há o trabalho de fisioterapeutas, fonoaudiólogos e outros profissionais da área da saúde que atuam para restabelecer a saúde da criança”, explica Donizetti Giamberardino, neuropediatra e diretor clínico do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, um dos maiores pediátricos do país.
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Para ele, isso explica porque muitas famílias mudam para os grandes centros ao receber o diagnóstico de uma doença que exige um tratamento mais longo. “Além disso, também temos pais que se mudam pra cá antes dos filhos nascerem. É o caso de quem recebe um diagnóstico, ainda na gestação, de uma doença cardíaca e o bebê precisa ser operado antes de completar trinta dias de vida”, exemplifica.
Com a família de Luzaneide Carvalho, essa mudança completa levou um pouco mais de tempo. Moradores da pequena Simões, cidade com pouco mais de 14 mil habitantes no interior do Piauí, a relação dela com os médicos e hospitais curitibanos começou em 2020. A mudança definitiva veio neste ano. Luzaneide é mãe do pequeno Pedro Davi, diagnosticado com mucopolissacaridose, doença genética e degenerativa. Para alguns casos, o transplante de medula óssea pode parar a evolução da doença, se feito antes da criança completar dois anos.
“Nós sabíamos que Pedro poderia ter a doença, pois o irmão mais velho tem. Tentamos fazer o exame assim que ele nasceu, mas a pandemia chegou e só tivemos o diagnóstico da mucopolissacaridose quando Pedro tinha quatro meses”, relembra ela. “Em fevereiro de 2021, Pedro entrou na fila para o transplante e, em um mês, acharam um doador compatível. O transplantes aconteceu antes dele completar um ano de vida”, detalha a mãe. Embora a cirurgia tenha dado resultado, em março deste ano Pedro teve uma infecção e precisou novamente ser internado em Curitiba.
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Foi o fator decisivo para que aquilo que já havia sido discutido pela família tornou-se definitivo: o irmão mais velho e o pai de Pedro também mudaram para Curitiba. “A mudança não foi fácil. Contamos com a ajuda de muita gente, desde cesta básica a móveis para nossa casa. Mas sabíamos que era a melhor alternativa para a saúde dos nossos filhos”, revela a pedagoga que, no momento, dedica-se integralmente ao cuidado dos filhos.
Má distribuição de hospitais pediátricos e especialistas reflete nos tratamentos de saúde
A história dessas famílias é reflexo do número de hospitais pediátricos no país e de como eles estão distribuídos no território nacional. A pedido da Gazeta do Povo, o Ministério da Saúde fez um levantamento desse tipo de instituição. O Brasil conta com 217 estabelecimentos com essa especialidade e 85 deles estão nos quatro estados da região Sudeste. O Nordeste, com nove estados, tem 78 hospitais que atendem crianças.
No Sul, o Paraná está a frente com oito hospitais pediátricos. Santa Catarina tem três e o Rio Grande do Sul possui dois. Outro número analisado é que a maior parte dos pediatras atua na região Sudeste. Segundo um levantamento feito pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 54% desses profissionais estão em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. “Isso impacta diretamente em como os hospitais estão distribuídos e também na qualidade do tratamento oferecido”, diz Giamberardino.
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Para o médico, a questão social também precisa ser analisada. “Quando essas famílias se mudam pra cá, precisam de suporte financeiro. Muitas passam por dificuldades e contam com a ajuda de outras pessoas para se manterem. O que para alguns são histórias de superação, na verdade, é mais um exemplo do que a desigualdade em nossa sociedade produz”, diz.
A rotina da família de Luzaneide e os filhos Pedro e João é um forte exemplo dessa discrepância. A renda do trabalho do marido paga o aluguel e algumas despesas da casa. Para os tratamentos de reabilitação do filho mais novo, ela conta com o Benefício de Prestação Continuada do Governo Federal, que é insuficiente. “Pedro precisa de fisioterapia, sessões de fonoaudiologia e terapia ocupacional constantes. Todos esses tratamentos são pagos. Ele não pode usar ônibus, já que tem a imunidade muito baixa. Então, precisamos pagar transporte particular. Na ponta do lápis, só com essas terapias, o gasto é de R$ 5 mil mensais”, conta a mãe. “As vaquinhas, rifas, ajuda da comunidade onde moramos, tudo é necessário para fazer a conta fechar, o que nem sempre acontece”.
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E, para quem precisa do remédio mais caro do mundo, a questão financeira é uma presença constante nos pensamentos e conversa da família. “Eu tinha uma reserva de emergência que acabou no primeiro mês. Desde que descobrimos a doença, gastamos R$ 30 mil com tratamentos, consultas e equipamentos necessários para manter a qualidade de saúde da Bella”, revela Tatiane Vetter.
Bella faz fisioterapia duas vezes por semana e também toma uma medicação diária que auxilia no tratamento da atrofia muscular espinhal. Algumas doses do remédio foram doadas e a família espera, em breve, ter uma resposta positiva sobre o Zolgensma. “Entramos com uma ação pedindo que o SUS adquira o medicamento. Como outras famílias já conseguiram, estamos esperançosos. Porém, isso precisa ocorrer o quanto antes para que a doença não impacte na vida da nossa filha de forma irreversível”, diz Tatiane.
Além das guinadas que as famílias precisaram dar na vida, mudar para outro estado e contar com a ajuda de muita gente, em comum elas esperam ver os filhos curados. “Minha esperança é ver Pedro sem sequelas, tendo uma vida plena, sem limitações e que João consiga ficar o mais estável possível”, finaliza a piauiense que tem em Curitiba o novo endereço.
Para a gaúcha, que há pouco tempo se dividia entre Porto Alegre e Garopaba, o desejo é o mesmo. “Queremos que Bella tenha o acesso ao remédio o quanto antes. Esse é o único futuro possível pra gente”, conclui Tatiane.