Com a pandemia de coronavírus (covid-19) no Brasil desde março deste ano, ouvir o termo “novo normal” tem significados diferentes para cada pessoa. Para as crianças, foi o fim dos encontros com colegas de escola, menos brincadeiras em grupo e falta daquele amigo legal da mesma idade. Também significou mais tempo na companhia dos pais. Esse novo momento vivido há cerca de oito meses pode ter impactos negativos e positivos no desenvolvimento delas, que estão na fase de desenvolvimento e aprendizagem. Mas quais são as chances reais de algo dar errado?
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A coordenadora do Laboratório de Pesquisas em Educação sobre o Desenvolvimento Humano da UFPR, professora Fátima Minetto, explica que o primeiro passo para começar a analisar o que pode ocorrer com uma criança é diferenciar as palavras desenvolvimento e aprendizagem. “No desenvolvimento, falamos da biologia de cada um, do ambiente familiar onde a criança está inserida, noção de mundo que ela vai construir a partir disso. Na aprendizagem, são os fatores externos ao indivíduo que se relacionam dentro de um contexto. Por exemplo, a adaptação do ensino presencial para o on-line imposta pela pandemia”, explica a coordenadora.
A Fátima Minetto contextualiza o período de isolamento da pandemia com as definições da pesquisa de Urie Bronfenbrenner, psicólogo americano nascido na Rússia dono da teoria dos sistemas ecológicos, que aponta para o número de influências ambientais e sociais no desenvolvimento infantil. “Quatro estruturas fundamentam a teoria. A pessoa, o processo, o contexto e o tempo. É cedo, em plena pandemia, para determinar impactos positivos ou negativos que as crianças venham a desenvolver. Mas alguns sinais merecem o alerta dos pais, como a falta de um relacionamento horizontal nesse período. Podemos traduzir horizontal como as amizades com os coleguinhas da mesma idade”, destaca.
Como manter o equilíbrio na pandemia
Uma casa acolhedora, ambiente saudável, comida nutritiva e muito amor para compartilhar no dia a dia. Que bom se a vida das famílias fosse assim. Mas a realidade do cotidiano é dura. Com a pandemia, o ritmo de trabalho de alguns pais só aumentou. Em matéria publicada pela Tribuna no fim de outubro, foi possível observar pelo depoimento de pais que o comportamento das crianças longe do ambiente escolar, dos amiguinhos, vem trazendo mudanças sutis no comportamento que merecem atenção.
Na reportagem, o analista de sistemas Fernando Pereira Faloppa, 39 anos, contou que ele e a esposa trocaram de emprego na pandemia e sentiram o filho mais velho um pouco mais ansioso e quieto. O menino tem 10 anos de idade.
Para a Fátima Minetto, a vida real se distanciar da vida ideal é isso é compreensível. “Não há família perfeita. Os casais trabalham, se desentendem, vivem o cotidiano como ele é. A criança está inserida nisso. E não tem problema, faz parte. O que os pais podem fazer é procurar manter o ambiente saudável para o desenvolvimento criança. Mais ainda na pandemia”, ressalta.
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Uma sugestão da coordenadora é ajudar os filhos a organizar melhor o tempo entre as aulas on-line e as brincadeiras. Tentar perceber como está o ambiente familiar e promover um lar mais harmonioso, resolvendo possíveis conflitos entre o casal com diálogo, e, principalmente, proporcionar a interação dos filhos com outras crianças nem que seja pela internet. “Esse convívio entre os pequenos é fundamental, tanto para o desenvolvimento quanto para o aprendizado. As reuniões on-line têm sido ótimas. E o lado bom delas é que, nos aplicativos, dá para determinar o tempo que eles ficam grudados na tela”, destaca.
Outro ponto importante é saber impor limites nas crianças. “Na pandemia, a ansiedade está muito mais presente. As crianças vão testar os pais e a tendência é fazer tudo o que elas querem para manter a paz na casa. No entanto, para o próprio crescimento saudável dos filhos, saber dizer não vai ajudar as crianças, lá no futuro, a transitar melhor parar a vida adulta”, diz a Fátima Minetto.
Mas há chance de algo dar errado?
A coordenadora explica que sim. Segundo ela, dentro da linha de pesquisa de Urie Bronfenbrenner, os pilares do contexto e do tempo estão mexidos, fora do normal neste ano. “Não podemos ignorar que a pandemia de coronavírus é um fator de risco para o desenvolvimento humano. Quando se pensa em oito meses, é um tempo significativo. Os fatores de risco ao desenvolvimento aumentam. Naturalmente, tem problema. O tempo é o linear da frustração e os adultos também vivem isso, só que temos mais estrutura para entender”, alerta.
Quanto aos reais impactos da pandemia no futuro, a Fátima Minetto é questionadora. “Tudo tem o seu lado bom e ruim. O que crianças e adultos vão aprender com o coronavírus? O novo convívio familiar é tão ruim assim? As escolas aprenderam algo com o distanciamento dos alunos? É viver para ver”, conclui.