O antigo Instituto Médico-Legal de Curitiba (IML), na Avenida Visconde de Guarapuava, 2652, no Centro de Curitiba, ficou 43 anos marcado por momentos de dor, tristeza e também muitas lendas. Atualmente o complexo do necrotério faz parte do Museu Paranaense de Ciências Forenses da Polícia Científica e recebe visitas mensais de pessoas interessadas em conhecer este local importante para a história de Curitiba. Quem trabalhou com a morte de perto mantém histórias vivas deste local que era referência para o noticiário policial de Curitiba.
Apesar de estar desativado desde 2018, o espaço com 60 gavetas refrigeradas, paredes pintadas de verde claro, sala com seis mesas de inox para necrópsia, capela, incinerador para queima de drogas e materiais diversos apreendidos por policiais, permanece conservado e guarda objetos que eram utilizados no trabalho dos peritos. Aliás, uma pequena sala ainda é utilizada para necropsia em animais.
Fabíola Schutzenberger Machado é diretora do Museu Paranaense de Ciências Forenses, perita criminal, e apaixonada pela história do antigo IML.
“Eu sou muito fã do museu. Contando a história da perícia, você conta a história da cidade. Por mais que tenha o crime e a morte, contamos sobre a vida das pessoas. A perícia está na vida de todos, as pessoas ficam impressionadas com a sala de necrópsia, as mesas e com as geladeiras (câmaras frias). Aqui a gente sempre pensa na morte voltada para a Ciência. O cadáver ‘conta’ como foi, e ainda se busca os vestígios do crime, autor e causa da morte. Uma coisa posso dizer, pensam que o ambiente é pesado, mas normalmente os visitantes saem relaxados”, disse Fabiola.
Questionada sobre algum tipo de lenda, Fabíola afirmou que nunca notou algo diferente, mas já ouviu algumas histórias do “outro lado da meia-noite”. “Todo mundo que trabalha com morte tem algumas superstições ou ouviram alguns contos. Eu nunca vi nada, mas tem colegas que falam que já escutaram barulhos ou gente chorando. É meio perturbador isso”, revelou a diretora.
Quem trabalha com a retirada de corpos em local de crime ou mesmo de morte natural é o Aguinaldo Nery da Fonseca Junior, 53 anos, agente de apoio/motorista. Há 19 anos trabalhando na Polícia Científica, vivenciou por muito tempo o antigo local de trabalho no Centro.
“Hoje estamos no céu. Antigamente a estrutura não era a adequada, certa vez sofri para retirar um homem com mais de 200 quilos em estado de putrefação no Centro. Não cabia na viatura, uma chevrolet D20, voltei para o Instituto e peguei uma Kombi, e com a ajuda de oito bombeiros descemos o corpo. No necrotério, tive a ajuda de outros colegas”, relembrou Aguinaldo que hoje trabalha no novo prédio do IML no bairro Tarumã.
Corpos no chão
Em várias situações, o necrotério da Visconde de Guarapuava não deu conta do volume de corpos esperando por identificação. Atualmente, pela legislação, o máximo que um corpo pode ficar numa câmara fria são 30 dias, depois disso é sepultado. Na época, reportagens citavam mais de 170 corpos no local.
Quando um dos corpos armazenados precisava ser recolhido para algum procedimento, tal como coleta de material genético ou tentativa de identificação, os auxiliares do instituto precisavam retirar todos os mortos da câmara fria, até encontrar aquele que estavam procurando. Nesse processo, os sacos pretos com os cadáveres eram espalhados pelo corredor do prédio.
Ícone do jornalismo policial
Quem vivenciou essa cena foi a Mara Cornelsen, a primeira mulher no Paraná a se aventurar na reportagem policial, e por muitos anos repórter da Tribuna do Paraná e coordenadora da equipe policial. “Lembro desse caso, o Márcio Barros (ex-repórter da Tribuna e vereador de Curitiba) descobriu um container onde estavam sendo literalmente empalhados os cadáveres que não cabiam mais nas geladeiras. Foi uma coisa horrível e deu um bafafá tremendo”, contou.
Segundo a jornalista, outro momento marcante na carreira foi um incêndio em que um tenente do Corpo de Bombeiros morreu encurralado pelo fogo. “O camburão recolheu o que restou do corpo e por algum motivo ao chegar no IML, deixou a maca na portaria com os restos carbonizados da vítima. Eu cheguei em seguida para apurar os fatos e me deparei com a triste cena do corpo que não passava de um pedaço de carvão com 70 centímetros de comprimento. Chocante e inesquecível esta imagem”, comentou Mara Cornelsen.
Sombras estranhas e rotina do repórter policial
Djalma Malaquias, repórter da Rádio Banda B e da TV Band, está no trecho há 35 anos vivenciando a rotina policial. Uma das atribuições no passado era seguir para o IML da Visconde como primeira função do dia. “A primeira coisa que o repórter policial fazia era ir no IML. Ali tinha acesso ao livro preto que informava os corpos que tinham dado entrada para levantar a informação. Ali percebia que uma pessoa morreu baleada e constava o endereço. Em alguns casos a família estava ali e tentava entrevistar para produzir a notícia”, afirmou Djalma.
O experiente repórter vivenciou cenas dramáticas no local. Quase brigou, rezou e teve até que fugir de algo estranho. “A imprensa ficava ali no pátio, nunca esqueci da morte de uma criança atropelada na BR-116, no Pinheirinho. Chegou o rabecão e naquele tempo, alguns policiais eram colocados como motoristas como forma de castigo. O cara tirou o cadáver de qualquer jeito, dei uma bronca e discutimos. Pouco tempo depois, ficamos sabendo que o pai da criança tirou a própria vida ao saber da morte do filho. Foi muito difícil”, disse Djalma, que garante ter visto uma sombra estranha passando certa vez ao lado do carro da rádio em que trabalhava. “Um fim de semana, eu estava meio sonolento e vi uma sombra passando. Confesso que fiquei com medo, vazei para o Hospital Cajuru”, completou o competente Djalma Malaquias.
Como conhecer o museu
A visita ocorre na última quinta-feira do mês, às 19h e 19h30. As inscrições ocorrem via formulário disponibilizado no Instagram do Museu às 14h da segunda-feira anterior à visita. @museuforense.