Muita história. Algumas boas, outras pra lá de assustadoras e arrepiantes, mas que vão permanecer na memória de quem viveu e de tudo o que foi documentado. Assim pode ser definido o prédio da desativada Prisão Provisória de Curitiba, conhecida como Presídio do Ahú, que está prestes a ser demolido.
Ao entrar no presídio na manhã desta sexta-feira (21), o passeio, que foi o último antes de o prédio não poder receber visitas, a recepção logo mostrava que não seria algo comum. As mais de 150 celas, que já não abrigam presos desde agosto de 2006, ainda permanecem praticamente da mesma forma que eram antes: claustrofóbicas, frias e cercadas de mistérios pelos que já viram acontecer ao longo dos mais de 100 anos de existência.
Antes de se tornar presídio, o Ahú, como podemos chamá-lo, foi inaugurado como Hospício Nossa Senhora da Luz. As obras começaram em 1896, a inauguração se deu em 1903 e o local abrigou doentes até janeiro de 1907 quando, no ano seguinte, começou a receber presos. Embora tenha abrigado por muito mais tempo criminosos do que doentes, a sensação é de que o hospício, na verdade, nunca saiu do prédio.
Na entrada do prédio ficava o espaço destinado aos advogados e seus clientes, divididos por grades, igual nos filmes. Na galeria 4, no começo do corredor das celas, ficou evidente a existência de uma facção criminosa que atuava naquela prisão (e segundo agentes penitenciários ainda atua em outros presídios do Estado). Dentro das celas, o banho era gelado (exceto aos que tinham recomendação médica para o direito ao chuveiro elétrico) e a organização era feita pelos próprios presos, que chegavam a ocupar o mesmo espaço em até nove pessoas.
As paredes grossas, feitas para serem realmente resistentes, aguentaram muitas rebeliões e brigas. Hoje, pelos corredores vazios, prestes a irem ao chão, era possível até ouvir o barulho das portas de outras galerias se abrindo e fechando. O silêncio, que hoje faz até ecoar a voz de quem lá dentro conversa, antes abrigou até 900 presos.
Ao final da galeria chegava-se na parte de visita íntima, onde mais de 30 divisórias uniam os casais separados pelo mundo do crime. As relações sexuais eram feitas lado a lado, separadas apenas por divisórias. Ironicamente ou não, próximo ao local onde os presos se relacionavam com suas parceiras, ficava a capela ecumênica. Lá, foi feito o que os agentes consideram como o primeiro casamento do sistema prisional do Paraná.
No pátio, espaço que os presos usavam para articular seus planos de fuga, onde acabavam consumindo droga, houve também mortes. Praticamente intactas estavam pinturas e grafias feitas naquela época, algumas em alusão à liberdade, outras a Deus. A sensação claustrofóbica se tornara ainda pior neste local, pois os paredões das galerias cercavam a estrutura da quadra de esportes.
O que será do presídio ainda não está claro. Uma ideia inicial, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), era transformar todos os 67,7 mil metros quadrados em um Centro Judiciário. Apesar disso, o projeto foi adiado por falta de recursos. Desde 2012, o espaço vem sendo mexido por etapas. De qualquer forma, a ideia é a de que pelo menos parte do prédio histórico do Ahú seja preservada para abrigar um museu penitenciário. Afinal, as histórias que ali são contadas devem permanecer sendo contadas, pois fazem parte do imaginário da população curitibana.