A Secretaria Municipal de Trânsito (Setran) de Curitiba estuda recolher bicicletas de ciclistas que circulam com o modal pelas canaletas. Já implantada uma vez na capital, a estratégia, ainda em debate interno na pasta, seria voltada a casos extremos: aqueles em que não houvesse resposta às medidas de orientação e educação. “Entre 99% dos ciclistas que acatam a orientação da Setran não vai ter essa coação, mas aquele 1% que é ingerente, infelizmente a gente vai ter que recolher a bicicleta. É para os extremos mesmo”, afirma o coordenador de Mobilidade Urbana da Setran, Gustavo Garrett.
Como a medida está em um estágio inicial de estudos, o coordenador diz que ainda é cedo para prever se e em quanto tempo a prática poderia deixar de ser um projeto e chegar às canaletas da cidade.
“Precisamos investir em formação, orientação e educação, mas para alguns, [resolve] somente a fiscalização ostensiva. E para isso eu preciso de um respaldo oficial. Preciso passar esse processo para todas as análises jurídicas, para toda a aprovação da prefeitura, para que eu tenha mais essa carta na manga no caso de uma necessidade da fiscalização ostensiva”, acrescenta o coordenador de Mobilidade Urbana.
Apoio da legislação
A possibilidade de recolher bicicletas que não transitam de acordo com a lei está prevista no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O artigo 255 da legislação específica (Lei 9.503, de 1997) prevê, por exemplo, que conduzir bicicletas em locais proibidos, ou de forma agressiva, é postura passível de multa e de remoção do veículo, que só pode ser retirado depois do pagamento da multa.
Foi com base na mesma norma que prefeitura de Curitiba implantou, em 2002, projeto semelhante de recolher bicicletas de ciclistas que fossem flagrados nas canaletas. Na época, foram instaladas mais de 400 placas que advertiam a proibição nas canaletas e também nos calçadões. O esquema, no entanto, não deu certo.
Conforme Garret, a intenção desta vez é usar moldes e tipos de abordagens distintas, que contemplem a inclusão do debate público sobre a questão, caso o assunto avance. “Tentou-se o emplacamento de bicicletas nos anos 90, tentou-se, em 2002, fazer o recolhimento de bicicletas, mas de forma equivocada. Acho que a gente, antes de colocar isso em prática, precisa levar isso para a população, avisar. Olha, nós vamos fazer isso. Se você não acatar a orientação da Setran, infelizmente nós vamos fazer isso”, diz.
Educação e infraestrutura
O coordenador do programa Ciclovida, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), José Carlos Assunção Belotto, pondera que o recolhimento de bicicletas só seria tolerável em situações excepcionais, nas quais o ciclista persistisse na reincidência de infrações. Ainda assim, ressalta, a aplicação da medida deveria levar em conta a infraestrutura oferecida a quem usa o modal para se deslocar pela cidade.
“Eu acho que só [valeria] se o ciclista afrontasse muito e só nos trechos que têm infraestrutura. Isso em uma ação continuada de orientação que percebesse a reincidência, apesar dos vários alertas. Nos outros [trechos], a prefeitura deveria implantar infraestrutura para depois tomar qualquer atitude, se não pode colocar o ciclistas mais em risco ainda”, ressalta o coordenador, que defende o uso das vias exclusivas do transporte público em locais onde não há ciclofaixas por uma questão de segurança. “Onde não existe, tem que se tolerar. É lógico que tem os irresponsáveis, mas tem muita gente que procurar usar com segurança, e, muitas vezes, é o caminho que é mais seguro par ao ciclista”.
Ainda segundo Belotto, aumentar a malha cicloviária na cidade é uma forma de evitar a necessidade da punição. Ele exemplifica que no trecho da Avenida Marechal Floriano Peixoto onde foi implantada ciclofaixa, entre os bairros Boqueirão e Hauer, poucos ciclistas continuaram a usar as canaletas. “Na Marechal, não chega a 15, 20% a quantidade de ciclistas que ainda usa a canaleta. A a maioria migrou para a ciclofaixa”.
Acidentes são frequentes
Acidentes com ciclistas nas canaletas de ônibus não são raros. Na semana passada, um rapaz de 20 anos ficou em estado grave depois de ser atropelado por um ônibus biarticulado da linha Centenário-Campo Comprido, na Avenida Affonso Camargo, no bairro Cristo Rei. De acordo com testemunhas, o jovem seguia agarrado na traseira de outro coletivo e foi atingido pelo ônibus que vinha no sentido contrário enquanto tentava fazer uma ultrapassagem.
No mês passado, uma ciclista de 21 anos foi atropelada por um biarticulado e ficou presa embaixo do ônibus. O acidente aconteceu no cruzamento entre as avenidas Marechal Floriano Peixoto e Presidente Kennedy, no Centro de Curitiba.
Em abril, uma colisão resultou em morte. Uma ciclista de 29 anos morreu após ficar gravemente ferida em um acidente com um biarticulado. Ela seguia pela canaleta dos ônibus, na Avenida Marechal Floriano Peixoto, no Parolin, quando se chocou contra o coletivo da linha Boqueirão. Alguns ciclistas que a acompanhavam tentaram alertá-la ,e o motorista ainda tentou desviar para evitar o acidente.
A reportagem pediu um levantamento de acidentes com ciclistas em canaletas para a Secretaria Municipal de Trânsito, mas os dados não foram enviados até as 12 horas desta quarta-feira (28).